nabru levando o underground aos vivos em Piauí no Marthe Festival 2019

nabru levando o underground aos vivos em Piauí no Marthe Festival 2019! Um excelente registro que soma e escurece sobre esse novo valor

Um dos pequenos milagres grandiosos que as nossas quebradas nos presenteiam e que por mil motivos que vão do racismo estrutural ao machismo fruto do patriarcado que negocia o poder em nossa sociedade, mulheres mcs são pouco ouvidas. A jovem mc mineira nabru vem construíndo uma carreira muito relevante e no ano passado nos ocupamos bastante dos seus lançamentos. Com o EP Marquises e Jardins (2019) e com a mixtape Porque Prefiro Falar de Amor (2019) ela fez o que consideramos uma entrada triunfal em nossas vidas. 

Pra começar, em tempos onde os lançamentos são regrados não por simples questões econômicas mas por um amplo planejamento marketeiro e publicitário que curiosamente castra a criação, nabru veio de cum força. Isso sem contar os singles, parcerias e participações que ficaram no soundcloud e que não sacamos. Enfim, o que ficou muito evidente para nós é que estamos diante de uma artista urgente, com uma usina dentro do seu pequeno corpo, um mini vulcão. 

Esse 2020 começou auspicioso nesse sentido, pois tivemos o prazer de conhecer a bruxahelena pessoalmente e ainda pegar um showzaço em pleno carnaval de Salvador. Ainda no começo desse ano, ela soltou uma parceria muito bacana com o gvtx, em mais um EP 0701 (2020), além do clipe da faixa Summerlove. Ora, dada a qualidade dos trabalhos apresentados uma obra muito interessante vem tomando corpo. A nabru vem se constituído com uma das mcs mais relevantes do underground nacional, se já não for a mais relevante. 

Seu som é instigante, foge absolutamente de todos os clichês estéticos não se prende a fórmulas fáceis e sobretudo assume o risco de viver nessa margem. Aliando sua visão política e racial a uma forma e conteúdo realmente inovador, se cercando de beatmakers que lhes propiciam ruas sonoras onde ela desfila sua lírica provocativa, irônica e plena de imagens poéticas novas. Seus flows vinculam a verdade de suas vivências e as suas ideias de um modo onde a verdade consegue se estabelecer com a beleza de suas linhas.

Esse bootleg recentemente disponibilizado pelo site Hominis Canidae nos pegou pelo estômago e nos fez rir, curtir, imaginar e sobretudo desejar que essa peste passe para que possamos ver uma apresentação dela. nabru, Davzera, Galf AC, Darthayan (SE), Dimak, Underismo, Matéria Prima, se é pra sonhar vamos lá né, em algum pico daqui de Salvador, de preferência no teatro Solar Boa Vista, seria épico. Mas enquanto essa line nervosa não rola e eu vivo aqui, entre as latas de cervejas e os discos rolando na vitrola e no winamp, me resta o bootleg dela no Piauí.

O festival Marthe rolou no ano passado e quem esteve presente conseguiu presenciar uma artista no frescor de suas invenções, já na primeira faixa que abriu o show, “Dola de 5” (prod. Crux) o impacto se faz numa faixa pesada e que no final ainda recebe um citação foda. Segue-se sem perder o time para “Calvário” dando pausa apenas para os aplausos de quem recebeu a primeira porrada, e emendando com já na sequência com outra faixa da mixtape num beat do brescia: “Causa”. A distância e com um bootleg, vemos uma nabru com total controle do time entre as faixas, mantendo sua emissão no ponto, cantando e sim ela tem uma bonita voz ao vivo, e ainda pagando de flanelinha da plateia, venha, venha, aí tá bom. Ainda encontra espaço para conclamar um levante na América Latina que tem sido constantemente atacada pelos interesses da economia neoliberal e da onda fascista que tem varrido o mundo.

Em “Cortes de Gastos” e Semelhanças entre os lobos e os cães (prod. Sergio Estranho) podemos perceber com tranquilidade como suas músicas funcionam bem ao vivo, e consigo me ver na plateia balançando a cabeça e cantando. A função de mestre de cerimônias é algo realmente em desuso hoje, principalmente no mainstream. nabru é uma puta de uma MC, e isso se confirma pra nós ao ouvir esse bootleg e perceber como ela conduz a sua apresentação. Não é um enfileirar de faixas o que se nos dá aqui, mas antes um show, uma apresentação onde rimas e batidas encontram uma liga, uma cola, fruto do quinto elemento sem ser chata, sem pagar de Zefa palestrinha. 

Suas colocações são certeiras, e não explicam as músicas, ampliam-nas para que os presentes possam entender melhor sua visão de mundo. Crítica a cena, entendendo a separação entre mercado e cultura e emenda a pedrada “Fritanu” (Prod. De Sá) e eu aqui no terceiro latão frito com o aúdio desse primeiro ao vivo foda. Obrigado Hominis Canidae, não podia ser mejor. 

“Refresh” (prod. Fatgroovy) um dos beats mais fodas de sua obra, onde ela deita nas rimas com alusões sexuais delicinhas e ainda esmerilha cantando, segue o baile naquele modelo. O beat do Lvks da Calmob vem na sequência com o velho Tim que teria orgulho de ouvir isso aqui, “Marquises e Jardins” que nomeia o EP e que recebe uns riscos do DJ De Sá que dá um brilho. A faixa cheia de coisas top, do clipe também cheio de coisas top Summerlove, vem na sequência. 

O beat do Gvtx já nos faz sonhar e somado aos latão que tô degustando aqui e junto da voz dessa cigarra cantando e rimando nos meus fones aqui, pensando que poderia estar numa platéia quente no Piauí, em meio a pandemia do fascismo, inclusive saudades. Música é isso, hip-hop conduzido pela nabru é transcendência de nossas condições individuais rumo a singularidades que lhes são próprias e misteriosas. É a pura lombra. “Escadas” rumo a outras possibilidades, uma cartomante, uma mística que não traz o seu amor de volta mas com certeza fortalece sua paixão pelo rap nacional. É noiz sim, BruxaHelena!

Baixe esse Bootleg da nabru aqui

 

-nabru levando o underground aos vivos em Piauí no Marthe Festival 2019

Por Danilo Cruz 

 

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