Msor (Rancho Mont Gomer) apresenta um álbum conceitual com sonoridade e lírica originais, no nascimento do seu Novo Otelo (2021).
Em seu novo trabalho, o MC paulista Msor levanta questões de extrema pertinência através de uma musicalidade rica e de uma poesia que aborda questões presentes na tradição. O disco Novo Otelo (2021) apresenta um novo artista que conserva a qualidade do seu trabalho, porém expande as temáticas, a perspectiva musical e estética. Um disco que não encontra par, no sentido do que foi produzido neste ano, num cenário do rap nacional muito rico, mas que encontra nesse trabalho uma originalidade própria.
Da literatura para os palcos, para enfim chegar às ruas, a pista é aquecida por uma problemática trabalhada dentro da tradição, com os olhos voltados para o futuro. Partindo da literatura clássica em língua inglesa – Shakespeare – e a sua peça sobre o “mouro” Otelo, as intrigas entre ciúmes e racismo, Msor chega até o ícone Grande Otelo e sua importância enquanto artista preto na tradição brasileira, sem perder de vista às críticas empáticas, atualizando assim os obstáculos levantados na vida e na arte do povo preto.
O procedimento estético utilizado por Msor para atualizar essas alternativas é a cultura hip-hop, mas propriamente: o RAP. Através de uma concepção muito bem trabalhada em camadas que vão da sonoridade até a lírica passando pelo audiovisual e pela programação visual do trabalho, o artista consegue retrabalhar problemas que foram levantados há pelo menos 4 séculos.
Trazendo músicas capazes de debater o colorismo, o amor preto, o genocidio do povo negro em um Brasil de 2021, industria cultural e o próprio hip-hop, através de uma lírica muito singular e criadora. Msor vence e muito bem apontando novas direções, o grande desafio do segundo disco. A sonoridade do disco é um espetáculo pois consegue a proeza de groovar ao mesmo tempo em que segue com seriedade nos objetivos abordados.
As complexidades referenciais abordadas pelo MC conseguem uma objetividade fugindo do messianismo, do pedagógico simplório e mesmo de meras alusões. Quanto mais nos traz questões levantadas pelo racismo há muitos séculos, mais moderno. Quanto mais se torna palatável com uma linguagem atual ao apresentar problemas fundamentais, mais fica antigo. É talvez essa uma das grandes belezas negras presentes em Novo Otelo.
Por vezes, somos levados por uma sonoridade que nos carrega para um boate, para uma noite de curtição na pista, mas o Msor consegue nos ancorar no chão. Por leveza ou por peso, esse Novo Otelo (2021) encarnado vai das redes sociais às nossas favelas, dos camburões às naves. Através das 10 faixas que compõem o trabalho, a reflexão do corpo e da mente seguem juntas, nos lembrando que nem sempre é a tristeza, o ódio ou mesmo a dor aquilo que nos define enquanto pessoas pretas.
Há espaço para o underground, para o house e para o trap, construídos com base em um conceito sólido e um personagem rico de nuances. Com participações de Victor Xamã e Sergio Estranho, Joy Amaru, Malcon VL, obelga e Chinv (Soundfood Gang), o disco permanece ao longo das tracks sob o comando do Tadeu Msor. Poderíamos aqui chamar atenção para um certo aspecto cênico – o contrário da mentira – que esses encontros produzem. Enaltecendo “cenas”, onde a riqueza de perspectivas e o diálogo são fundamentais.
Da mesma sorte, encontramos em Novo Otelo (2021) um quadro muito bem elaborado por alguns pintores sonoros, DJ Tadela, Msor, Thiago Ticana, Vibox e Menandro, Prod DK e Dom Rafa. Uma paleta rica como a renascença italiana nos mostrou ser possível, porém toda essa riqueza servindo ao propósito de escurecer as visões, situando a musicalidade dentro da força e diversidade da diáspora africana.
Após o seu disco de estreia Arcano Pessoal (2018), Msor que é parte do coletivo Rancho Mont Gomer, expande o seu portfólio e sua própria visão de mundo, de música. Não será difícil perceber o quanto de riqueza e desenvolvimento conseguiremos apreender nesses dois movimentos separados por 3 anos, o quanto o artista partiu de uma construção introspectiva para uma visão mais expansiva da vida e dos obstáculos que lhe são caros e importantes. Em Novo Otelo (2021), Msor consegue a façanha de agregar o grande valor como rimador que já possuía, com a demonstração prática de colocar um trabalho grandioso – nos moldes do “underground” – na rua. Produção, audiovisual, merchan e etc estão lindos, tudo coadunado ao conceito proposto!
A diferença de abordagem, a quantidade de boas referências trabalhadas, os artistas envolvidos, a vivência que o levou a encarnar um “novo” Otelo, certamente é um salto estético e político em sua carreira. Porém, mesmo com uma produção muito bem executada há em seu trabalho, lapidado e conservado o ethos underground! É um disco que todos deveriam ouvir, isso obviamente se você gosta de rap e da cultura hip-hop.
Assista abaixo o videoclipe da faixa Profundidade:
-Msor chega atualizando nossos problemas com Novo Otelo (2021)
Por Danilo Cruz