Matéria Prima “No Intervalo do Fim”, Artes Plásticas, Cinema e outros papos! Entrevista

Conversamos com o Matéria Prima, que teve um ano de 2023 com trabalhos muito bons, EP’s, trilhas sonoras e excelentes participações!

O ano de 2023 foi bastante intenso em termos de produção para o MC mineiro Matéria Prima, além de singles e participações, o artista lançou um EP com o produtor Imane Rane e um álbum com o seu parceiro de longas datas Goribeatzz. Além disso, depois de ter uma de suas músicas na trilha sonora do filme Marte Um do diretor Gabriel Martins, sucesso de crítica, outra de suas composições entrou desta vez no filme O Dia Que Te Conheci do diretor André Novais de Oliveira. 

Em um momento histórico e político onde artistas independentes e que não produzem a música que agrada a Indústria Cultural, sofrem cada vez mais para receber um mínimo de visibilidade e de sustentação às suas produções, Matéria Prima expande os suportes da sua arte. Com o artista plástico Froiid e em parceria com Barulhista, Matéria Prima teve também 50 versos musicados em uma exposição no Sesc 24 de maio, em São Paulo, em frente a onde começou a nascer a cultura Hip-Hop no Brasil. 

Os dois discos lançados por Matéria Prima em 2023, são obras muito diferentes de todo o grosso da produção. Não apenas por ser um dos MC’s com um estilo mais próprio, a lírica do Matéria Prima tem se aprofundado em reflexões que apenas o tempo e a maturidade, enquanto homem preto, que carrega uma bagagem como a sua, é capaz de apresentar. Enquanto o mainstream capturado pela Indústria Cultural insiste em fazer raps com níveis cada vez mais altos de neoliberalismo, self made mens, e outras groselhas. Matéria Prima segue sendo um dos principais faróis da cultura hip-hop no nosso país.

Em um cenário onde todos são FODA, Matéria Prima tem hombridade e maturidade suficiente para se apresentar inteiro, com suas falhas e suas virtudes, fazendo um “show” que é menos um espetáculo circense de fogos e barulhinhos faceis, mas sim no fazendo pensar sobre nós mesmos. E ainda tira uma onda com o Etarismo, dos rappers irrefletidos e que só reconhecem a ancestralidade como uma palavra fazia. Em uma cultura negra que deveria reverenciar quem construiu as bases do Hip-Hop é vergonhoso o nível de ignorância que se produz.  

Oganpazan – Qual o impulso criativo que determinou a escrita das faixas de No Intervalo do Fim?

Matéria Prima – Eu tinha acabado de mudar para uma casa nova, depois de muito tempo procurando um local para alugar, e nessa casa nova ela tinha um astral bem diferente da anterior que era mais obscura. E nessa casa eu tava respirando coisas novas e eu acho que o impulso veio disso tudo assim como dos beats do Gori que sempre me provocaram esse impulso desde a primeira vez que trampamos no disco do Ramiro, no Audiomensagem até o Tetriz a gente construiu essa química que não falha. 

Oganpazan – O senhor possui muitos anos de parceria com o Goribeatzz, como essa parceria começou e como ocorreu o match criativo para esse novo trabalho?

O maestro Goribeatzz

Matéria Prima – Então mano, a gente fez o primeiro som que foi pro disco do Ramiro Mart, o Audiomensagem, online e a gente foi se falando durante um tempo e eu tava numa seca fudida e o Ramiro ficava insistindo, você tem que fazer, tem que fazer, e eu não ficava satisfeito com nenhum verso que eu fazia, e ele insistindo. Aí eu consegui fazer e foi um dos versos mais interessantes que eu já consegui fazer. Nisso a gente continuou a se falar, aí o Ramiro me chamou para participar de sua apresentação no Manos e Minas e eu consegui me desdobrar para chegar em SP e participar e se conhecer. 

Nessa a gente gravou o Manos e Minas, e quando a gente desceu do palco o Gori me falou assim baixinho no ouvido: “mano, a gente tem que fazer mais uma”, falando baixinho assim sabe? bem gangsta sabe hahahahahaha. E daí, foi chuva de beat pra tudo que é lado, email, chat e zap, e nessa a gente consolidou essa química sabe. E de tudo que ele me manda até hoje, 80% a caneta começa a escrever sozinha tá ligado 

Oganpazan – Seria errado pensar que este novo EP traz uma reflexão sobre o papel do artista na sociedade atual? Como você vê essa questão no caso do rap na cultura Hip-Hop?

Matéria Prima – Pode ser que alguma música ou outra esbarre nessas questões, principalmente pelos recortes de uma entrevista que usei ao longo do disco, mas isso não é de fato o foco principal.

Oganpazan – Então, qual o principal foco do disco No Intervalo do Fim?

Matéria Prima – Mano, não tinha um foco específico com esse disco não. E também a gente descobre algumas coisas do trabalho depois que ele tá pronto né, eu acho que esse trampo veio para representar o Tetriz de certo modo. E ao mesmo tempo para destravar a caneta, e reunir as energias do período porque eu estava me mudando de casa. Eu mudei para um lugar que é que bem fraternal/maternal talvez e teve um grande senso de renovação sabe? para inaugurar novos ares!

Oganpazan – O disco traz feats com artistas que já trabalharam ou que são parceiros de longa data do senhor? Como você selecionou e porque selecionou esses nomes para o EP?

Matéria Prima – Ramiro, nabru e 1LUM3 são parcerias que tem a mesma química. Selecionei porquê são fora da curva e têm um talento que acho que precisa de mais exposição 

Oganpazan – Há sempre questões sobre política e raça em suas músicas, em “No País de Mestre Moa”, me parece que essas questões são abordadas com uma elegância lírica muito forte, quais foram as inspirações para essa musica?

Matéria Prima – Andando pela cidade, registrando cenas e tentando traduzir em versos, pra além do fato que levou tragicamente Mestre Moa do Catendê, um grande representante da nossa cultura, que implica em trazer um tom racial e político.

-Escute o podcast Ouvidos Inquietos do Oganpazan, sobre o documentário Môa, Raiz Afro Mãe 

Oganpazan – Outra questão muito forte e tratada de modo leve ao longo do EP é a questão da saúde mental. Sabemos o quanto é importante termos esse cuidado na contemporaneidade, como escrever e cantar te ajuda ou não na sua saúde mental?

Matéria Prima – Sim e não…às vezes um verso surge de uma forma facílima e outras vezes só falta bater a cabeça na parede hehehe. Na verdade é prazeroso até ter que transformar em produto. Os processos são muito mais leves até ter que entrar nas exigências de mercado.

Oganpazan – Matéria Prima, o que te faz seguir fazendo arte na cultura hip-hop?

Matéria Prima – A vontade de contribuir entregando o que não entregam, independente de quão difícil pode ser.

Oganpazan – Quais artistas te inspiram atualmente, o que você tem escutado de novo e o que não sai dos seus fones desde sempre? 

Matéria Prima – Escuto muita coisa que me chama a atenção, mas não  consigo te falar de verdade. Mas eu ando com uma mania de buscar umas coisas antigas. Outro dia mesmo tava ouvindo Naughty By Nature, pq o Treach, um dos mcs do grupo, é muito embaçado na escrita, tem mais de 40 anos e é  relevante até hoje. E isso no Brasil é muito difícil de acontecer. Então pra além do som, o contexto também conta…

Oganpazan – Este ano, você lançou alguns trabalhos muito importantes como a parceria com o jovem beatmaker Imane Rane, além de ter poesias suas em uma exposição, comente um pouco estes trabalhos para o nosso público

Matéria Prima – O disco com o Imane Rane eu considero um presente. Ele é alguém com quem pretendo trabalhar muito ainda. Desde o 2ATOS, eu queria fazer um disco que fosse mais melódico, e a gente conseguiu fazer um trabalho que deixou todo mundo satisfeito. O trabalho poético faz parte de um.projeto do artista visual Froiid, que teve a idéia  de fazer uma música infinita, e chamou eu e Barulhista, que fez os 50 instrumentais. E eu fiz 50 versos de 30 segs cada. Daí os versos e os beats vão se misturando aleatoriamente. Daí  a ideia virou uma exposição que se chama O Pulo do Gato, e está  exposta no Sesc 24 de maio, em frente ao berço  do Hip Hop no Brasil.

Poster do filme Marte Um do diretor Gabriel Martins, lançado em 2022, sucesso de crítica e premiado, da produtora mineira Filmes de Plástico.

Oganpazan – Qual é o papel do MC na Cultura Hip Hop na sua visão, existem regras para ser um real MC, aliás existe MC’s fakes ?

Matéria Prima – Eu acho que é bem subjetivo né? Nós tivemos uma polêmica agora né, porque perguntaram para o Yasiin Bey (antes conhecido como Mos Def) sobre o que ele achava do Drake. E o Yasiin Bey disse que o Drake é um “rapper” que faz músicas para quando você faz compras no shopping. Isso dividiu a internet, causou um furor, e tem muita gente que acha que ele é um MC que contribui muito para o Hip-Hop e tem gente que acha que não. Depois o Yasiin Bey disse que tiraram a fala dele do contexto, enfim. Mas eles pegaram a fala do Yasiin e deram muito mais importância do que ela merecia, porque a entrevista completa é um conteúdo muito mais importante do que isso. Mas como os portais estão sobrevivendo de fofoca atualmente, fizeram esse recorte aí. 

Eu acredito que essa pergunta, é uma pergunta que tem várias respostas dependendo da perspectiva de escuta e de quem consome. 

Oganpazan – Você teve uma música sua recentemente incluída na trilha sonora de um Filme, qual filme foi e qual música? Como você vê essa relação entre sua música e o cinema, já que você não é um dos MC’s mais famosos de Minas Gerais, apesar de ser em nossa opinião um dos maiores nomes da história do rap nacional?

Matéria Prima – Eu tive músicas incluídas em dois filmes: no filme Marte Um (dirigido por Gabriel Martins), a música Bem Boom Bap e no filme O Dia que Te Conheci (dirigido por André Novaes Oliveira) outras duas músicas: “Visita Onírica”prod. Gui Amabis e MPP (Poderosa Preta) prod. DJ Will, ambos os filmes são da produtora de Contagem Filmes de Plástico. A relação entre minha música e o cinema é incrível porque eu nunca imaginei que eu faria musica e menos ainda que minha musica ia se tornar trilha de filmes, ainda mais com esses diretores foda hahaha!

Oganpazan – Meu caro, fiquei sabendo que já tem um novo disco sendo cozinhado e me parece que a cozinha não foi em BH, da para contar um pouco do que vem por aí?

Matéria Prima – Cara, o próximo disco está sendo feito em parceria com o Jonaspheer, que é um produtor de Uberaba (MG), e eu tenho conversado com ele durante alguns anos, talvez desde 2016/2017, e ele vinha me mandando algumas coisas, mas eu não tinha conseguido corresponder. Até que no ano passado destravou e eu consegui escrever nesses beats, e nessa o que era a possibilidade de fazer uma ou duas músicas, virou um trabalho, um disco. 

E esse disco foi feito com um feeling de que tem que estar agradável, sem ficar fazendo muita força, e eu penso que essa será a linha que eu vou seguir a partir de agora. Quando as coisas estiverem agradáveis, divertidas, quando os assuntos estiverem confortáveis e o tempo estiver ajudando. Do contrário não sei se vale a pena investir o tempo, o stress, o conhecimento, para fazer um trampo não, sabe. O retorno é muito pouco, os recursos são escassos, para gastar tanta saúde nos trabalhos.

O Jonas é um cara muito simples e a gente fala mais da vida do que fala de rap, e acho que isso aí é um detalhe bem importante para a feitura desse trabalho. Porque, o interessante é o encontro com gente de verdade e que existe fora da bolha do rap, então é muito interessante alguém está dentro mas fala do que está rolando fora hahahahaha, 2 por 1 tá ligado? Neste sentido, é um disco bem interessante nesse por conta desse processo, de um diálogo que já existia por um tempo, e a partir disso já surgiu a oportunidade de ir para Uberaba, para gravar no estúdio dele né, que é o museu das MPC’s, e se tuder der certo nós lançamos até março. 

-Matéria Prima “No Intervalo do Fim” com Goribeatz! Entrevista

Por Danilo Cruz 

 

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