O tempo segue seu curso, mas no seu fluxo, Marcos Valle continua atualizando sua fórmula de grooves.
Conquistar a longevidade artística é um troféu e tanto. Superar o maior desafio das artes – a passagem do tempo – é um feito para poucos e muito bons. Se manter prolífico e com boa saúde para fazer turnês por longos anos é complicado. A rotina do músico é bastante intensa e conforme os anos se vão, o desgaste da estrada é progressivamente maior. Marcos Valle há muito começou a trilhar esta estrada.
No entanto, apesar de raro, acontece e nós podemos encontrar diversos exemplos aqui mesmo, no Brasil. Nomes como Eumir Deodato (77), Hermeto Pascoal (84) e João Donato (86), por exemplo, são grandes exemplos desse fenômeno. Mestres que carregam a música brasileira debaixo dos dedos, esses 3 baluartes seguem cruzando e descruzando – não só o Brasil, mas sim o mundo todo, sempre com novos shows e discos, sejam eles ao vivo ou de estúdio.
Claro que essa lista é bem maior, mas dentre todos esses pesos pesados da maior idade, um nome em especial chama atenção pela abordagem camaleônica com a qual enfrentou – não só a passagem do tempo – mas a mudança de modas e hypes, sempre com mão de midas para os hits. Foi assim que Marcos Valle chegou aos 77 verões esbanjando uma vitalidade e uma criatividade que impressionaria muitos moleques de 20 anos por aí.
São mais de 60 anos dedicados ao groove. Aquele swing e uma malemolência que em sua discografia, constituem uma linha cronológica de valor inestimável para se compreender o desenvolvimento do que hoje nós chamamos de Música Popular Brasileira (MPB).
E para celebrar o legado de um grande pilar da nossa música, o Estadão elencou 5 discos fundamentais na discografia do carioca, com uma curadoria focada em ressaltar a beleza de trabalhos preciosos, mas pouco celebrados em sua carreira.
Num momento onde o também arranjador volta a fazer muito sucesso no mercado americano – graças ao projeto da Jazz Is Dead – que lançou o disco homônimo (lançado dia 21 de agosto de 2020) pelo selo de Ali Shaheed e Adrian Younge – Marcos vive um de suas melhores fases e é muito bonito poder observar isso de perto.
Entre colaborações ao lado de nomes extremamente relevantes do cenário mainstream internacional – como o guitarrista britânico Tom Misch, por exemplo – Marcos segue imerso em diversos projetos, sempre com uma versatilidade e uma sensibilidade encantadoras, fruto de uma inquietude que começou na Bossa Nova e que hoje já chegou até o Hip-Hop.
Nem o mais célebre dos bidus poderia antever tamanha previsão do tempo, com o perdão do trocadilho com o célebre clássico do mago do Rhodes, lançado em 1973.
1) “Marcos Valle” – 1970
O famoso “disco da cama”, esse autointitulado marca pelo distanciamento do compositor-cantor frente a Bossa Nova. O registro também evidencia sua nata aptidão para bolar sons dançantes, mas sempre com toques de brasilidade. Outro ponto chave dessa gravação é que ela conta com o Som Imaginário na contenção da instrumentação.
2) “Vento Sul” – 1972
Esse disco é outra pérola com pitadas de Prog. Com um pé bem fincado no Rock Progressivo, esse LP é fruto de uma colaboração do Marcos Valle com O Terço. Clima riponga no ar, as maresias de Búzios e letras do Paulo Sérgio. É um marco, pois é um dos trabalhos que antecedem o “Previsão do Tempo” (talvez seu maior clássico) e mostra um artista em desenvolvimento pleno, dialogando e incorporando diversas referências.
3) “Brazil By Music – Fly Cruzeiro” (junto com o Azymuth) – 1972
Esse disco é uma raridade absoluta. Lançado em 1972, esse LP (que inclusive foi reeditado pela Light In The Attic) era um luxuoso souvenir para os clientes da companhia aérea “Cruzeiro”. Vale lembrar que o irmão do Marcos (Paulo Sergio) era co-piloto dessa empresa e o pai deles era o gerente da companhia. Apenas 500 discos foram prensados na época e o blend de Funk e brasilidades espantam por soarem atuais em 2020.
4) “Marcos Valle” – 1974
Esse registro é talvez o trabalho mais “Cinzento” do cantor, dessa vez fazendo um trocadilho proposital com o disco de mesmo nome, lançado em 2019 pelo próprio Marcos. Foi seu último disco gravado no Brasil. Na época passou batido pela crítica e só teve a devida atenção quando foi reeditado em CD pra sair junto de um box (com 11 discos remasterizados), lançado em 2011 e que infelizmente já está fora de catálogo. Marcos e seu irmão, cansados do clima pesado no Brasil, foram para os Estados Unidos e de lá só voltaram nos anos 80. O repertório é vasto, porém tenso… Um belo retrata da época.’
5) “Vontade de Rever Você” – 1981
Depois de voltar do hiato nos Estados Unidos, Marcos e Paulo Sérgio voltaram para os estúdios com os ânimos renovados. Com fortes raízes no Baião, esse disco valoriza os ritmos regionais brasileiros, ressaltando a rítmica e o acabamento da produção, resultado de colaborações do carioca com um dos maiores mestres nomes da música negra, Leon Ware. Como se não bastasse, o CD ainda conta com participações do Sivuca, Lincoln Olivetti e José Roberto Bertrami (Azymuth). Aqui Marcos mostra que o Baião pode ser Funky.
Não tem jeito, o groove é a fonte da juventude do Marcos Valle.
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