Manger Cadavre? lançou ‘Decomposição’, seu segundo álbum

Após muita expectativa por parte do público, chegou às plataformas de streaming ‘Decomposição’, segundo álbum da Manger Cadavre?.                                                

Decomposição
Capa do álbum Decomposição da Manger Cadavre?, arte de autoria de Wendell Araújo.

Um mundo em ‘Decomposição’

Ouvindo ‘Decomposição’, novo álbum da banda paulista  Manger Cadavre?, veio um insight. Engraçado, mas De certa forma, a história da humanidade pode ser vista como um longo processo de decomposição. 

Processo esse acelerado pelo capitalismo. O capitalismo aprofundou o abismo entre as classes sociais, aperfeiçoou tecnologicamente os dispositivos de dominação e exploração, cuja consequência é o aumento da miséria de parte esmagadora da população mundial, além da destruição irreparável do meio ambiente em todo planeta. 

O aperfeiçoamento técnico e tecnológico do aparato de dominação e exploração por parte da elite econômica mundial fez com que o processo de decomposição do planeta e com ele da humanidade ocorresse numa velocidade muito maior. A pandemia da Covid 19 fez brotar em cada um de nós o sentimento da possibilidade de um fim. Fez nos entrar em contato com a experiência direta da morte. Aqui no Brasil ainda mais, uma vez que o governo agiu em parceria íntima com o vírus.

Mas não podemos esquecer que o processo de decomposição também é um processo de renovação. A decomposição da matéria orgânica aduba o solo para que ali surja uma nova vida. Para o planeta, a decomposição a ele imposta pela humanidade certamente representa a possibilidade de renovação, contudo, para a insignificância da humanidade enquanto espécie, a decomposição pode representar apenas o fim. 

Decomposição, um álbum necessário 

Estamos sendo enredados por uma trama urdida pela disseminação compulsória daquilo que tem sido definido como ‘positividade tóxica’. Ver o lado positivo de uma pandemia causadora de mortes por todo globo, embora seja o exemplo mais radical, reflete o que vem tomando as redes sociais e ciclos sociais.

Mostra do fortalecimento da ideologia neoliberal, que transfere para os indivíduos a responsabilidade por seu fracasso ou sucesso para o modo como estes gerem a própria vida, que estaria atrelada ao modo como interpreta o mundo ao seu redor. Ou seja, se enxerga o mundo de forma positiva ou negativa.

Lembra-me da filosofia do Cândido de Voltaire. Através deste personagem de um dos seus contos mais famosos, o filósofo francês, leva aos limites do ridículo uma corrente filosófica que tem no ‘otimismo’ o  condutor perfeito da vida humana. Por mais desgraças que ocorram na vida de Candido, este, sendo um seguidor deste otimismo exagerado, as interpreta dentro de uma perspectiva positiva. Cândido, mostra que já no século XVIII, os coachs quânticos já faziam suas vítimas.

Assim como a crítica ácida de Voltaire, ‘Decomposição’, da Manger Cadavre? se apresenta como a lente que corrige a miopia causada pela popularização dessa pseudo ideologia que impede que a realidade seja encarada de forma objetiva. Precisamos resgatar o ódio, a raiva, a ira, o medo, a tristeza, do Tártaro no qual foram enclausuradas pelos coachs do otimismo alucinatório. Restaurá-los ao lugar que lhes é de direito, entre os sentimentos humanos. Pois são tão necessários para nossa sanidade mental quanto o amor, a felicidade, a alegria, a coragem.

A Manger Cadavre? está entre os artistas cuja sonoridade, temas e posicionamento vai de encontro a esta positividade abobalhada, que assume contornos autoritários. 

Cada música oferta uma pílula vermelha

Quem assistiu o primeiro filme da franquia Matrix vai lembrar da cena chave na qual Morpheus oferece a Neo as pílulas que determinarão sua condição existencial a partir dali.

A vermelha retira o véu da alienação e te obriga a lidar com a realidade opressora na qual se está inserido na qual o ser humano não passa de uma bateria. Não é diferente da nossa, onde não passamos de força de trabalho necessária para produzir lucro a uma casta social que domina a parte esmagadora da população. A pílula azul te mantém alienado quanto à realidade e a função que planejaram para você desempenhar nela.

Na indústria fonográfica há dois tipos de artistas/ bandas, os/as que te oferecem a pílula vermelha e os/as que te oferecem a pílula azul. A Manger Cadavre? não só oferece a pílula vermelha, mas a recomenda fortemente nas letras de cada uma de suas músicas.

Quem conhece um pouco da história da banda sabe de sua postura e engajamento político  e que sua música expressa esse posicionamento. Ouso dizer que vai além, podemos considerar suas músicas como armas de combate a um arranjo social elaborado com o intuito de se apropriar da energia das classes populares para convertê-la em lucro.

Novas sonoridades, mudanças e participações da pesada

O hardcore define a essência da Manger Cadavre? Está na postura da banda, no posicionamento político e até na sonoridade. Contudo, no que diz respeito ao som, a banda incorpora mais peso, agregando elementos do metal extremo. Em termos de som, ao menos até antes do lançamento de Decomposição, a banda pode ser considerada uma banda de Crust.

Isso porque Decomposição torna mais presente o doom, certamente, para enfatizar a atmosfera mórbida construída pela banda a partir dos temas tratados pelas letras. Estas jogam sombras sobre o nosso futuro, porque nosso presente, já está dominado por elas.

Parecem nos convidar a pensar sobre o que pode decorrer dessas sombras que o fascismo e o negacionismo colocaram sobre nossas vidas. O que ocorrerá caso permaneçamos parados e paradas. Caso permaneçamos como mero expectadores diante da Tv, ou meros deslizadores de feeds diante das telas dos smartphones. Precisamos de pílulas vermelhas, para enxergar a realidade, para deixarmos a condição de escravizados pelas inteligências artificiais que atuam sobre nós através das redes sociais.

Por isso mesmo, o lançamento de Decomposição foi precedido pelo clipe de Apatia, faixa 05, que fala sobre o esvaziamento do ser humano. Tornado indiferente à realidade, desprovido das emoções, transformado em autômato, incapaz de agir impulsionado por decisões minimamente autônomas. Sobre o clipe sugiro a leitura de nossa resenha sobre o mesmo clicando aqui.

Nessa faixa o doom vem carregado e o modo como a melodia vocal é construída pela vocalista Nata Nachthexen imprime um tom agonia e desespero. Sabe aquele momento em que você se encontra numa situação que você não pode fazer nada para mudá-la? Bate aquela sensação de impotência e aos poucos o desespero toma conta da nossa mente.

Ouvindo a música, assistindo o clipe e lendo a letra, interpretei que em Apatia a banda constrói a imagem do que somos nós atualmente. Seres incapazes de reagir aos mecanismos cada vez mais sutis e eficazes de domínio sobre nossas mentes e corpos. Nesse sentido, a voz na música se torna um grito de agonia diante de uma condição de total apatia da qual não se consegue sair. 

A leitura que faço de Decomposição sugere entender o álbum a partir desta música e do seu clipe. Isso porque todos os temas abordados nas demais faixas estão interligados à crítica exposta em Apatia.

Embora Decomposição não seja um álbum temático, segundo a própria Manger Cadavre?, ouvindo as músicas, lendo as letras, assistindo o clipe de Apatia, fica difícil não construir uma visão do álbum como uma obra sobre um país mergulhado num fascismo tropical delirante.

Movimento fascista tropical delirante que estimula a violência contra mulheres,  contra a população LGBTQI+, contra as classes populares, contra os negros, contra os povos originários. .Um governos fascista tropical delirante que fortalece os privilégios das classes dominantes, que anabolizou o Covid 19 espalhando morte no país através da disseminação massiva do vírus, através do aumento da miséria, do desemprego, que obriga pessoas a disputarem ossos, restos de comida em caçambas de caminhões de lixo.

Enquanto isso  aqueles e aquelas, também conhecidos com nós, que ainda não foram arremessado nessa condição social degradante, estão apáticos diante de telas luminosas arrastando feeds, clicando em anúncios comerciais, alienados de que poderão pagar em breve por sua omissão.

Sem condições de se darem contas de que é um comportamento resultante das grandes corporações tecnológicas que criaram o invólucro perfeito, para servimos de baterias para o funcionamento desse mundo no qual estamos aprisionados e ali mantidos por doses de estímulos cerebrais que aos poucos vão nos soltando sensações prazerosas, mas apenas o suficiente, para não nos embriagarmos e sentirmos sempre a necessidade de um pouco mais.

Arranjo social que nos faz olhar para o mundo através de olhos vazios. Para falar a respeito das participações temos que ir até a faixa que encerra Decomposição. Trata-se de Demônios do Terceiro Mundo que tem o acréscimo dos vocais de Fernanda lira da Crypta e Caio Augusttus da Desalmado, que somados ao vocal da Nata surgem como uma “horda de demônios” representando uma “rebelião dos povos massacrados no Terceiro Mundo contra os países imperialistas”.

O trabalho de base para o nascimento de Decomposição

Decomposição foi gravado no estúdio Family Mob em São Paulo. Teve produção de Otávio Rossato, que também fez sua mixagem. Contou ainda com Luiz Sangiorgio como assistente de de gravação. David Menezes foi o responsável pela masterização. As artes visuais foram assinadas pelo ilustrador Wendel Araújo, criador da capa, e Alcides Burns, que desenvolveu o encarte.

A vocalista Nata Nachthexe compôs dez músicas das onze que fazem parte do álbum. Cemitério do Mundo é de autoria do baterista Marcelo Kruszynski, sua primeira composição para a banda.

Importante dizer que Decomposição marca a entrada do guitarrista Paulo Alexandre e do baixista Bruno Henrique. Conforme diz Nata Nachthexe “Esse disco é representante da fase mais madura da banda até o momento e como é o primeiro com a nossa nova formação, dá para esperar um crescimento ainda maior da nossa sonoridade”.  

O trabalho é um lançamento conjunto dos selos Xaninho Discos, Poeira Maldita Recs, Helena Discos, Brado Distro, Two Beers or Not Two Beers Records e Tiranossaura Recs e tem como distribuidor digital o selo estrangeiro Blood Blast, subsidiário da gravadora alemã Nuclear Blast.

 

Ficha técnica

Gravado no Family Mob, São Paulo/SP

Gravado e produzido por Otavio Rossato 

Assistente de gravação: Luiz Sangiorgio 

Mixagem: Otavio Rossato

Masterização: David Menezes 

Capa: Wendell Araújo

Encarte: Alcides Burn

Manger Cadavre é

Nata Nachthexen – Vocal

Marcelo Kruszynski – Bateria

Paulo Alexandre – Guitarra

Bruno Henrique – Baixo

 

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