Verbo explodindo por dentro da Lemos de Brito para fazer um agenciamento coletivo e nos trazer o conhecimento de quem vive a dura realidade do encarceramento.
Há algumas semanas o rapper baiano Dark CTC 33, já tinha lançado a pesadíssima Julgue-me. Single onde o mc rima muito forte em cima de um beat Trap, com produção da FacTual Clã. O mano que faz parte do grupo Contenção 33, uma das bancas fortes da city, como sempre desde o sucesso estrondoso de Madrugada Fria, aparece, num forte auto relato. Colocando-nos frente a frente com o que o mano considera que foi a sua formação, a vida nas ruas, o aprendizado da honra que se faz apenas pelas atitudes e a vivência anterior à vida “artística”. Abdicando de caminhos que só tem a morte como certeza, o mano rima com meu modo único, mostrando aquilo que escolheu como sua missão no mundo: o Rap como arma de resgate.
O mesmo rap que o resgatou e que faz com que hoje ele seja espelho de muitos, ao mesmo tempo que segue emocionando a todos os que apreciam o rap de contestação politico e social. Em suas música solo, é sempre possível identificar uma primeira pessoa, como sujeito e ao mesmo tempo narrador, pois muito do que escreve ele vive ou viveu de verdade. No entanto, é também extremamente importante perceber, como esses relatos, encontram sempre no coletivo seu sentido. Pois enquanto muito rappers fazem uma questão absurda de inflarem seus egos para tentar transmitir força em suas rimas, Dark abre mão de um procedimento estranho. Quanto mais fala de si, mais desfaz o próprio sujeito, fazendo com que sua poesia alcance uma coletividade, um povo. E isso tal qual eu entendo, é muito mais do que rap, é verdadeiramente hip hop, e da melhor qualidade.
Em Julgue-me, Dark ao narrar esse resgate que a cultura hip hop opera com diversos jovens nas periferias de todos os cantos do mundo, consegue levar ao nossos ouvidos diversos temas. E a exclusão que leva muitas pessoas para o crime é um deles e aí esta o link que vislumbramos. A certa altura o mano declara os fortes versos:
“Sou ser humano profano e como tantos outros errar eu também erro/ avisa pros santos que aponta e delata e se cala com o berro dos ferros/ leis do poder paralelo e selva de concreto/ minha ira incita a vingança mas almeja a paz/ mesmo sendo interno desse inferno/ Lemos Brito é complexo/onde seu pito entra em vél anexo/ O peito do preso é um deserto que deserta o amor após o ataque da PETO/ os inseto com os ferro/ poe terror/ eles brotou e atirou em quem pegou/uma criança que vinha do colégio[…]”.
O Brasil é a 5º maior população do mundo, sendo também a 3º maior massa carceraria, segundo os últimos números da CNJ (Comissão Nacional de Justiça). Posições que são assustadoras, comparativamente, mas principalmente se levarmos em conta as condições dos nossos presídios.
Não se trata de uma mera questão de perspectiva, para quem é minimamente informado, a realidade do sistema carcerário no Brasil é um dos nossos piores problemas sociais. Nossos presidios são verdadeiras masmorras medievais onde se depositam seres humanos para um intensivo, uma pós graduação na escola do crime. Local pensado inicialmente – será mesmo? – como instituição para a reabilitação de pessoas, na verdade, se constitui como último refugio da exclusão sistemática que começa muito antes. Formando um “complexo” sistema de produção de homens e mulheres destinados a ocupar um espaço nesses locais. É essa a lógica excludente que produz encarceramento em massa no Brasil, e obviamente esses homens e mulheres, possuem raça definida.
No último webvideo do single Lemos de Brito, Dark aborda o dia a dia no complexo carcerário de mesmo nome, o sofrimento, a revolta. Repercute também a sensacionalização daqueles que ganham a vida explorando as pessoas que cumprem pena. Assim como as constantes humilhações das famílias constantemente ultrajadas em suas visitas, seja pelos horários a que são obrigadas a chegar para a visita, o perigo que correm – inclusive por conta do horário – ao ficar numa fila de madrugada. Seja pela revista degradante a que são submetidas.
No webvídeo, vemos militantes do hip hop baiano, Contenção 33, Mirapotira, 16 Beats e o mano Dark, dentro e juntos a massa carceraria. Cenas captadas pelo bonito trabalho feito pelo “Reaja” dentro das cadeias de Salvador. Somando-se a eles a presença de Hamilton Borges Onirê, uma das lideranças da Campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta.
A campanha Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta é atualmente uma das maiores forças de resistência negra no estado da Bahia, politizando e racializando as mortes e encarceramentos em massa de homens e mulheres negras. Uma especie de fronteira diante do genocídio constante de nossa população, numa perspectiva pan-africana. Um bonito agenciamento, começa a se fazer, quando percebemos que o rap se afina a uma movimentação que busca agregar diversas outras formas de contestação do nosso racismo estrutural.
Bate Cabeça Ladrão: