José James presta um belíssimo tributo ao cantor Bill Withers em seu novo álbum, Learn On Me (2019)
José James estreou em 2008 com o refinadíssimo The Dreammer, chamando atenção da crítica musical especializada em jazz. Projeções foram feitas acerca de seu futuro no estilo, que se provaram verdadeiras até certo ponto. Isso porque de um lado James lançou outros excelentes álbuns de jazz como For All We Know de 2010, em parceria com o pianista Jef Neve e Yesterday I Had The Blues – The Music Of Billie Holiday de 2015, uma homenagem à lendária cantora Billie Holiday.
Contudo, em termos de carreira, James trilhou por outros caminhos, buscando em diferentes estilos do universo sonoro da black music, elementos que pudessem ser usados para a elaboração de suas composições e seus álbuns. Claro, os traços jazzísticos estão sempre presentes em seus trabalhos. Essa ousadia por parte de James o leva a adquirir características estilísticas singulares, tornando-o um artista distinto dentro da cena jazzística, como pop e da black music em geral.
O álbum Love in a Time of Madness lançado em 2017, sem dúvida alguma é o trabalho mais ousado de James. Nele o músico arquiteta sua sonoridade a partir do trap, subgênero do rap que domina a indústria fonográfica e dita as normas estéticas do hip hop mundo afora. Esse álbum, ao meu ver, estabelece-se com um divisor de águas na carreira de José James, além de ser uma obra que se destaca, graças às suas particularidades, não tendo equivalentes dentre os trampos lançados nos último anos.
Fiz essa digressão da carreira do José James para mostrar a versatilidade, criatividade e ousadia do compositor e assim destacar o excelente trabalho feito em seu último álbum, Lean On Me, um tributo ao cantor e compositor Bill Withers.
Isso porque James consegue estabelecer um grau de excelência na construção dos arranjos e na interpretação das músicas que leva o jovem cantor a quase alcançar um patamar que faça-nos acreditar se tratar de um álbum autoral. Talvez possamos considerar que se trata disso, um álbum de dupla face, a um só tempo tributo e autoral.
José James vinha incorporando músicas de Bill Withers em suas apresentações ao vivo e com isso despertando o interesse do seu público. Don Bass, da Blue Note, famoso selo de jazz e casa de James, percebeu o tamanho do sucesso das músicas durante os shows. Usou de seu poder de persuasão para convencer James a gravar um álbum só com as músicas de Withers.
O encanto de José James pela obra de Withers contribuiu muito para que Lean On Me recebesse o devido tratamento. Nada de arranjos radicais, procurou-se fazer alterações pontuais nos arranjos originais das músicas e dar o toque pessoal de James sem que a identidade de Withers fosse perdida. A voz de timbre suave de James dá uma atmosfera densa e brilhante a músicas como a que dá título ao álbum.
Lean On Me, faixa 04, recebe o tratamento mais impactante, tanto em termos estruturais como de interpretação. Estamos diante de um spiritual, aquela música cantada pelos escravos das plantations de alto teor sacro e profundidade sentimental, uma versão mais refinada do blues, mas de mesma natureza emotiva. A interpretação de José James aplica às melodias tensões fortes, levando sua voz a quase ultrapassar os limites de seu alcance.
A faixa que abre o álbum, Ain’t No Sunshine, hit mais conhecido de Withers, ganhou um arranjo jazzístico, sem contudo perder seu groove original, bem como manteve sua atmosfera intimista. James manteve em seu arranjo o violão, mantendo assim essa característica da versão original, constituindo um vínculo direto entre as duas versões.
Para gravar esse tributo a Bill Withers, José James formou uma banda com os músicos Pino Palladino no baixo, Kris Bowers nos teclados, Brad Allen Williams na guitarra e o baterista Nate Smith. Bom, usei o temo tributo mas não podemos deixar de considerar que as músicas passam pelo crivo da sensibilidade de James. Portanto, não estamos falando de mera reprodução dos grandes sucessos de Withers, mas do modo como José James a percebe e sente. Esse toque pessoal não pode ser perdido de vista para que façamos a devida consideração sobre o álbum.
Importante destacar as participações. Em Lovely Day, temos uma balada bem cadenciada de forte apelo romântico, que tem na voz da cantora Lalah Hathaway um contraponto que agrega ainda mais intensidade à música. Temos a presença de Marcus Strickland no saxofone e flauta, aplicando toques de sutileza e tensão em faixas como Kissing My Love, repletas de nuances groovadas, entrecortadas pelas intervenções certeiras da flauta de Strickland. Outra que segue nessa pegada é Use Me, que além do saxtenorista rasgando solos agressivos, conta com a presença do trompetista Takuya Kuroda, que coloca seu trompete em ataques suaves ao fundo, enquanto Strickland desembola seu solo.
Lean On Me mostra toda força da sonoridade de José James e coloca sob nova perspectiva a obra de Bill Wither, ícone da música negra estadunidense, cuja obra é desconhecida do grande público. Conhecer o trabalho de Wither por meio de James é ter contato com a sonoridade de uma geração por meio de outra.