João Gordo em sua autobiografia, nos conta como passou de uma vida punk junkie a um tiozinho super gente fina, vivendo bem com sua família!!
João Gordo é uma das figuras mais relevantes da cultura brasileira nos últimos 30 anos, seja na música como vocalista e compositor dos Ratos de Porão, seja no papel de comunicador, em seus programas na “extinta” MTV. Lançado no ano passado, João Gordo – Viva La Vida Tosca é a sua autobiografia, escrita com maestria por André Barcisnki, um dos mais importantes jornalistas culturais em atividade nesse país.
Carregado em cores fortes e vivas, a biografia do vocalista do Ratos de Porão, não poupa os detalhes mais sórdidos desses tiozinho que aos 53 anos completados no último mês de março, vive hoje bem com sua família. Um fato que pode parecer corriqueiro ou retirado de uma propaganda de margarina, mas que com certeza foi a maior conquista desse nosso ilustre personagem. João Francisco Benedan, descendente de uma família metá nordestina e mezzo italiana, viveu uma infância escrota com seu pai e sua mãe. Algo que lhe acarretou problemas dos quais ele mesmo encontrou suas soluções, mas que por um tris não o levarão para a terra dos pé junto.
O livro, ricamente documentado numa edição caprichada, uma produção primorosa da editora DarkSide, recheada de fotos num estilo fanzine, precisa ser lido. André Barcinski, um fera nas palavras, consegue nos levar com fluidez através das páginas, sendo objetivo, porém sem perder os contornos. Contornos estes que ora cambiam para o trágico, ora para o cômico.
O livro joga novas luzes na vida pessoal, nos traumas, nos excessos e nas escolhas pessoais e profissionais do personagem principal. Nos mostrando em vários momentos de onde vinha toda a carga niilista que por anos João Gordo viveu ao extremo. E certamente é um documento fundamental pra se entender uma parte importante dos últimos 30 anos do rock brasileiro. João Benedan aka João Gordo é – se você não sabe – o vocalista e compositor de uma das bandas brasileiras que realmente possui relevância na cena internacional.
Sabendo disso, você ficará encantado e assustado em ver como a mística noitada de Kurt Cobain, regada a muita cocaína por Sampa, não é algo por acaso. E sim fruto, das centenas de contatos e do respeito que o João e o Ratos de Porão conseguiram ao longo de sua “carreira”. Entenderá como o garotinho que encontrou primeiro nos programas de TV e desenhos animados uma linha de fuga pra família opressora em que vivia, e como cedo esteve ligado em música. Arregimentando ao longo dos anos um amor gigantesco por música, uma coleção enorme de discos, e um conhecimento vasto sobre não apenas o ritmo (punk/hardcore) ao qual se dedicou, mas sobre a cultura pop em geral.
Engraçado que eu nunca fui fã do Ratos, mas sempre gostei do “traidor do movimento” nos antológicos programas na MTV, nunca fui atrás de ouvir com atenção as músicas da banda ao longo dos anos. Devo ser parte da nova “audiência” de playboys que o gordo arregimentou em seus anos na televisão. Sempre preferi o Coléra ao Ratos, e apesar de saber da importância da segunda, nunca me tocou muito buscar os discos e ouvir mais atentamente.
Depois da leitura dessa biografia, descobrindo que o RKL (Rich Kids on LSD), foram influência decisiva para a mudança de percepção que a banda tinha, corri pra internet. E agora, traçando essas linhas, ouvindo Crucificados pelo Sistema (1984), me ocorre o quanto de tempo eu perdi. Viva La Vida Tosca é uma biografia que transforma realmente a visão que se tem do objeto da narrativa, afinal estamos sempre diante de uma figura pública sob a regência das aparências.
O João Gordo permanece hoje inconformado e pessimista quanto ao futuro da gente como civilização e país, mesmo enquanto humanidade. Mas certamente ele não encaretou, não se tornou um conservador, do tipo Johnny Ramone, apesar de tê-lo conhecido, e ser fã como nós somos. Depois de uma vida de excessos, que quase o levaram, ele encontrou uma leveza que é própria dos gordos. Não sei se notaram, mas o estereotipo de gordo é sempre ser alegre e brincalhão, óbvio que é um mecanismo de defesa, que o João também assumiu. Mas, ele não carregava apenas esse estigma, existiam também problemas em sua formação psicológica como filho de um pai que abusou da violência. Fruto da ignorância sobre um problema neurológico que o mesmo sofria e que não se resolveu, mas que foi devidamente sentido pelo João.
Apesar do imenso clichê, é delicioso saber que o João Gordo encontrou no amor a força necessária pra lutar contra esses turbilhões de problemas. Vale destacar que de certa forma foi a própria música quem proporcionou esse encontro, quem lhe abriu as possibilidades para esse amor. E sim, Vivi (sua esposa) conseguiu ajuda-lo a se transformar num pai e num marido, capaz de poder dizer pra sua mulher e pro seus filhos o quanto os ama, estando inteiro e vivendo esse amor.
Hoje João além de continuar com o hardcore sinistro do Ratos de Porão pelos palcos mundo a fora, Também toca uma empresa Central Panelaço e tem um programa do qual sou fã absoluto, o Panelaço. No programa ele mistura culinária vegana a bate-papos descontraídos e muito bem conduzidos com figuras da música e da cultura, às quais temos poucas oportunidades de ver e ouvir. Segue com seu sarcasmo, segue transgredindo as regras, mesmo que essa transgressão possa parecer adequação.