Oganpazan
Destaque, Macrocefalia Musical

Descriptografando o cérebro magnético de Hermeto Pascoal

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Hermeto Pascoal é o fio condutor e um dos nomes fundamentais para se compreender o curso que a música brasileira e mundial – seja ela improvisada ou composicional – seguiu, desde os anos 50 até os dias atuais.  

Conforme desenvolvi meu trabalho de pesquisa musical, Hermeto Pascoal se transformou num dos meus objetos de estudo favoritos. No entanto, sempre me frustrou a maneira um tanto quanto oportunista com a qual os grandes veículos de mídia e comunicação abordam o trabalho de um dos maiores músicos da história deste desmemoriado país chamado Brasil.

Quando ressalto a questão da abordagem, quero dizer o enfoque das entrevistas. Qual é o foco do assunto? Improvisação? Jazz? Música brasileira? Já li dezenas de entrevistas concedidas pelo compositor nascido em Olho d’Água e criado em Lagoa da Canoa, município de arapiraca, localizado no interior de Alagoas. Perto dos 90 anos de vida – atualmente com 86 primaveras – sua carreira fala por si só e ainda rende valiosos frutos para seus fãs e admiradores, mas nas entrevistas, Hermeto é pintado sempre como uma anomalia musical.

Acredito que essa característica revela não só a falta de conhecimento de quem o entrevista, mas também mostra como a mídia explora as personas dos artistas. Hermeto, por exemplo, é albino e autodidata, algo que é citado de maneira recorrente em diversas matérias que visam dissecar seu trabalho, só que essas informações soltas não acrescentam nada à discussão e profundidade de sua obra.

Compadre de nomes fundamentais do cancioneiro brasileiro, como Sivuca e Heraldo do Monte, é difícil encontrar uma aresta musical que Hermeto não tratou, por isso a necessidade de contextualizar sobre a alguns dos principais momentos de sua discografia.

Década de 50

Hermeto começa a tocar profissionalmente nos anos 1950, quando é contratado pela Rádio Tamandaré, de Recife. Com a ajuda de Sivuca, passa por outras rádios da região, como a Rádio Jornal do Comércio. Ele ainda seria contratado pela Rádio de Caruaru – ambiente que proporcionou o primeiro contato de Hermeto com Maestros como Guerra Peixe e Clóvis Pereira, por exemplo – antes de trabalhar com o guitarrista Heraldo do Monte na Boate Delfim Verde. Tudo isso acontece na primeira metade da década. 

Na segunda parte dos anos 50, Hermeto foi para João Pessoal trabalhar na Rádio Tabajara, dessa vez como pianista. Mesmo sem saber ler música, seu ouvido absoluto o ajudou a conquistar uma reputação como instrumentista e compositor. Em 1956 participa de sua primeira gravação, tocando sanfone em duas faixas do disco do Maestro Clóvis Pereira, “Ritmos Alucinantes”, lançado em 1956.

Em 1958 vai para o Rio de Janeiro gravar com Pernambuco do Pandeiro, tocando safona em 2 discos do percussionista e compositor que foi um dos fundadores do Clube de Choro de Brasília. 

Ao lado de Pernambuco do Pandeiro gravou “Batucando no Morro” (1958) e “No arraial de Santo Antônio” (1958). Na internet o ano de lançamento do “Batucando no Morro” varia bastante. Algumas fontes dizem que o LP saiu em 1954, enquanto outras mencionam o lançamento em meados de 1958.

Década de 60  

No começa da década de 1960, Hermeto Pascoal se muda para São Paulo, depois de rodar por Recife e João Pessoa. Aqui, formou o grupo Conjunto Som Quatro, junto com Azeitona no baixo – que viria a tocar numa das fases de seu famoso “Hermeto Pascoal & Grupo” – além de Papudinho (trompete) e Edílson (bateria). Dessa união de instrumentistas com grande capacidade técnica surge um LP (“Som Quatro“), que foi lançado em 1964 e que conta com Hermeto tocando flauta e piano.

No mesmo ano de 1964, Hermeto fez todos os arranjos – além de ter sido responsável também por tocar piano e flauta – no disco “Roteiro Noturno”, do cantor Mauricy Moura. Seresteiro de marca maior, Mauricy foi o primeiro artista a gravar uma música de Tom Jobim. Nesse disco ele canta “Incerteza”, faixa escrita em parceria com Newton Teixeira, em 1953.

Em 1965 Hermeto grava “Em Som Maior“, ao lado do Sambrasa Trio, formado por Airto Moreira (bateria) e Humberto Clayber (baixo e gaita). Esse disco é interessante, pois aqui o trio conduz uma seminal gravação de Samba Jazz, influenciando inclusive a cena efervescente do Beco das Garrafas que estava em ebulição na época.

Quarteto Novo, Geraldo Vandré e Edu Lobo

No ano seguinte, em 1966, forma o Quarteto Novo, ao lado de Heraldo do Monte (guitarra/viola), Théo de Barros (baixo/violão) e Airto Moreira (bateria/percussão). 

Hermeto se juntou ao Quarteto Novo em 1967. Vale lembrar que inicialmente eles eram um trio, formado Heraldo do Monte, Théo de Barros e Airto Moreira. O grupo foi criado para acompanhar o cantor Geraldo Vandré em shows e gravações de estúdio.

O disco “Canto Geral“, lançado em 1968 pelo cantor paraibano – natural de João Pessoa – conta com o Quarteto Novo como banda de apoio. Outro disco seminal que foi gravado com o Quarteto Novo como banda de apoio foi “Cantiga de Longe“, do carioca Edu Lobo. Esse disco conta com arranjos de Hermeto, além de sua participação como instrumentista, tocando piano e flauta.

Junto com o Quarteto Novo, também gravou o único disco autoral do grupo, outro projeto homônimo, lançado em 1967. Até hoje trata-se de uma gravação seminal para a compreensão da importância dos ritmos nordestinos para o alargamento da abordagem da música popular, principalmente considerando o contexto favorável a Bossa Nova que vingava no Brasil durante o período.

Vale lembrar que a música que é fruto dessa união de artistas tentou trazer novos acentos e sotaques para a música improvisada brasileira, que estava bastante amarrada ao Samba, Bossa Nova e Bebop.

Brazilian Octopus

No fim da década de 60, antes de viajar para os Estados Unidos, Hermeto fez parte do Brazilian Octopus, grupo que provavelmente eternizou uma das formações mais estelares da música nacional.

A banda contava com Lanny Gordin nas guitarras, além de Hermeto na flauta, Cido Bianchi (piano), Douglas de Oliveira (bateria), João Carlos Pegoraro (vibrafone), Carlos Alberto de Alcântara Pereira (flauta/saxofone), Nilson da Matta (baixo) e Olmir Stocker (violão/guitarra). O grupo gravou apenas um disco homônimo, lançado em 1969 e que chama atenção por não contar com o Hermeto na capa. 

A história dessa gravação é muito peculiar. Por meio da multinacional Rhodia, fabricante de fibras sintéticas para vestuário, surgiu a ideia de formar um supergrupo que fosse responsável pela trilha sonora dos desfilas da empresa.

O italiano Livio Rangan que foi o responsável por montar a banda que se transformou no Brazilian Octopus. Infelizmente, o projeto existiu por apenas 1 ano, durante 1968, mas deixou um LP marcante. Musicalmente a proposta é bastante avançado e anuncia um pouco dos experimentos que músicos como Lanny Gordin, por exemplo, estavam prestes a fazer.

Vale lembrar inclusive, que foi o pai de Lanny – Alan Gordin – que conseguiu emprego para o Hermeto em sua boate, a Stardust, localizada em São Paulo. O baixista Itiberê Zwarg inclusive foi convocado para a banda do campeão depois de fazer alguns shows nessa mesma casa.

Hermeto Pascoal, Miles Davis e Live Evil (1971)

No fim de 69 viaja aos Estados Unidos para trabalhar principalmente como arranjador para os projetos de Airto Moreira e Flora Purim. Hermeto conheceu o trompetista Miles Davis nessa época e estreitou laços com o trompetista a tal ponto que 3 das 8 composições do LP ao vivo “Live Evil” (gravado em 1970 e lançado no ano seguinte), são de sua autoria. Miles cobiçou e conseguiu colocar “selim“, “Little Church (“Ingrejinha)” e “Nem Um Talvez” numa de suas mais célebres gravações.

Hermeto Pascoal via Buddah Records (1970)

Ainda em 1970, lança seu primeiro vinil solo, trabalho que teve a produção musical de Airto e Flora Purim. Lançado pelo selo Buddah Records, o vinil conta com célebres músicos norte americanos no panteão de instrumentistas que gravaram o projeto em estúdio, como por exemplo o saxofonista Joe Farrell e o ás do baixo acústico, o reverendo Ron Carter.

A música livre de Hermeto Pascoal (1973)

Na volta ao Brasil, lança  a primeira encarnação de seu grupo, contando com Nenê (piano/bateria), Alberto (baixo), Anunciação (bateria/percussão), Mazinho (saxofone), Bola (saxofone/flauta) e Hamleto (saxofone/flauta). É essa a banda responsável por gravar “A Música Livre de Hermeto Pascoal”, vinil liberado em 1973. 

Colaboração com Di Melo

Em 1975, Hermeto participa da gravação de outro disco marcante para a história e desenvolvimento do groove nacional. Hermeto estava entre os notáveis que figuraram no time responsável por gravar o cultuado primeiro disco do cantor Di Melo.

Ainda aparecem no disco outros nomes seminais da cultura nacional, como Milton Banana (bateria), Heraldo do Monte (guitarra/violão), Cláudio Beltrame (baixo) e o instrumentista, arranjador  e compositor de Quixadá, Geraldo Vespar.

O resultado é tão pungente que até hoje o cantor pernambucano excursiona por aí com este repertório e quem já ouviu esse projeto  – que está próximo de completar 50 anos – sabe bem de seu duradouro impacto para o desenvolvimento da música swingada brasileira.

Taiguara, Slaves Mass, Cal Tjader, Fagner, Mountreux e Robertinho de Recife

Outro projeto marcante que também contou com a participação do multi-instrumentista foi o disco “Imyra, Tayra, Ipy“, disco solo do cantor, compositor e instrumentista uruguaio – radicado no Brasil – Taiguara. Esse disco foi sumariamente retirado das lojas pelos militares com apenas 72 horas de seu lançamento.

Taiguara foi um dos músicos que mais sofreu com a censura do regime ditatorial brasileiro. Vale destacar que ele passou um período em Londres, trabalhando num LP totalmente em inglês (“Let The Children Hear The Music“) que foi censurado antes mesmo de ser concluído. Foi o primeiro álbum censurado pela ditadura no exterior e até hoje dizem que as masters originais foram perdidas, o que impossibilita o relançamento da obra.

Em 1976 Taiguara volta ao Brasil para propor um novo disco à Gravadora Odeon e reúne alguns dos nomes em maior evidência do efervescente cenário nacional. Hermeto foi responsável por 6 arranjos (das 14 faixas do LP), além de atuar como músico. Wagner Tiso atua como regente. O play ainda conta com Toninho Horta no violão, Mauro Senise (flauta), Jacques Morelenbaum (cello), Zé Eduardo Nazário (percussão) e tantos outros nomes essenciais para a música brasileira que foi gravada nesse frame fértil da história da música brasileira.

Ainda 1976, Hermeto grava “Slaves Mass“. Podemos responsabilizar essa gravação por grande parte da mística que envolve o compositor e multi-instrumentista, pois esse LP mostra sua atenção ao que ficou conhecido como “música universal”.  Esse approach interdisciplinar que Hermeto criou para aglutinar elementos da natureza com objetos e instrumentos que elevam o papel do ruído e questionam os limites da música. É como diz canta Guinga em “Chá de Panela”: “Hermeto foi na cozinha pra pegar o instrumental. Do facão à colherinha, tudo é coisa musical.” 

Ainda em 1976, Hermeto trabalhou ao lado do cantor Fagner, num de seus discos mais fascinantes. Os arranjos do LP “Óros“, lançado em 1977, são todos de autoria do Bruxo. Vale destacar que Robertinho de Recife participou dessa gravação também. O Fagner fez essa ponte.

Foi também em 1976 que Hermeto contribuiu brilhantemente no LP “Amazonas“, do percussionista americano Cal Tjader, expoente na arte dos grooves com veia latina, principalmente nos anos 60 e 70.

Esse disco é muito interessante, pois conta com a produção do Airto Moreira. Como se não fosse o suficiente, a sessão contou ainda com Robertinho Silva (bateria/percussão), Egberto Gismonti (sintetizadores/piano), além da participação do George Duke, que aparece listado nos créditos do disco como “Dawili Gonga”.

Nesse disco, Hermeto toca flauta em 3 das 8 faixas do vinil, além de dividir a composição “Mindoro” com o próprio Cal Tjader.

Em 1977 Hermeto assinou os arranjos do quarto disco de estúdio de um certo Raimundo Fagner. A alcunha que nomeia o LP parece um tanto quanto mística, porém “Óros”, nada mais é do que o nome da pequena cidade natal do Ceará que alimentou os sonhos do compositor em sua tenra infância. Esse disco é bem raro, porém trata-se de um dos grandes momentos da carreira de Fagner em estúdio. A ficha técnica é retumbante. Até o Dominguinhos marcou presença na sessão de estúdio.

Em 1978 é convidado pelo próprio guitarrista Robertinho de Recife para gravar um disco de Frevo. Assim nasce “No Passo“, lançado em 1978. Esse disco é marcante não só por seu conteúdo musical que mostra a profundidade do conhecimento da música brasileira – tanto por parte de Robertinho de Recife, quanto por parte de Hermeto – mas também pela arte da capa do LP, de autoria do fotógrafo Cafi, responsável pela fotografia/direção de arte de alguns dos maiores clássicos da música popular brasileira.

Pernambucano de nascimento, mas radicado no Rio de Janeiro, Cafi foi pioneiro no registro do Maracatu e outras expressões locais. Nada mais lógico do que um retrato seu para ilustrar a ode ao Frevo de Robertinho de Recife.

Ainda em 1978, participa do mais tradicional Festival de Jazz do mundo, o icônico Montreux Jazz Festival, lançando a gravação da performance em 1979. Acredito que seja desnecessário dizer, mas prefiro correr o risco e chover no molhado: essa gravação é fundamental.

A Maraponga de Ricardo Bezerra

Outra gravação que poucas vezes é mencionada quando falamos sobre a vida e obra de Hermeto Pascoal é a do disco “Maraponga“, do compositor cearense Ricardo Bezerra. “Maraponga” teve a direção musical de Raimundo Fagner, além de Hermeto Pascoal e Ricardo Bezerra.

O disco conta ainda com participação de nomes fundamentais da cultura popular, como Amelinha, por exemplo. O projeto contou com Hermeto Pascoal no piano e órgão, Ricardo Bezerra (vocal/piano), Nivaldo Ornelas (flauta e saxofone), Mauro Senise (flauta e flautim), Sivuca (acordeon e vocal) e Robertinho do Recife (guitarra). Os arranjos do disco são de Hermeto e a força do repertório mostra a potência da música nordestina e a visão do Ceará de Ricardo Bezerra. 

É interessante observar como a cada ano a natureza da música de Hermeto Pascoal muda. Suas conexões musicais incorporam e apresentam um hall seleto de instrumentistas para os ouvintes conhecerem. Ao curso de toda sua carreira é possível listar dezenas de nomes fundamentais nesses diferentes momentos.

Figuras como a compositor, pianista e arranjador Lelo Nazário (Grupo Um), Jovino Santos Neto, pianista, conceituado professor, produtor e também arranjador. Foi ouvindo Hermeto que conheci o multi-instrumentista – rei das canjas – Arismar do Espírito Santo. Falando em baixo, o que dizer de Itibirê Zwarg? Membro do grupo de Hermeto desde 1977, Itiberê groova com a experiência de quem toca ao lado do mestre há mais de 45 anos!

O Zabumbê-bum-á de Hermeto Pascoal

Outro nome vital para a música de Hermeto nessa época foi o baterista Nenê. É dele a composição “Alexandre Marcelo e Pablo”, única faixa do “Zabumbê-bum-á” que não foi assinada por Hermeto. Nesse disco – sob produção de Guti – o grupo conta com Cacau (flauta/saxofone/clarinete), Zabelê (violão/percussão/voz), o já citado Nenê, na bateria, percussão e piano, além das teclas de Jovino Santos e o baixo de Itiberê.

Esse LP conta também com a participação da mãe de Hermeto (Vergelina Eulália de Oliveira), além de seu pai (José da Costa), nas faixas “Santo Antônio” e “São Jorge”, respectivamente. Nessa gravação, Hermeto foi responsável pela composição e arranjo do material, além de tocar piano, saxofone, flauta, bateria e percussão.

Década de 80 no Jabour

A década de 80 é uma fase de ávida experimentação por parte de Hermeto Pascoal e seu grupo. Em 1980 ele lança “Cérebro Magnético“, disco que conta com Jovino Santos Neto (piano), Itiberê Zwarg (baixo) e Alfredo Dias Gomes (bateria). Esse trabalho inaugura uma nova fase em sua carreira, depois de um período extremamente frutífero. No entanto, pouco tempo depois, Hermeto precisa implementar mudanças em seu grupo, após a saída de Nenê e Cacau. No lugar deles, entram Marcio Bahia (bateria e percussão) e Carlos Malta (saxofone/flauta).

O “Cérebro Magnético” é um dos mais interessantes que Hermeto já criou em estúdio. Mostra, acima de tudo, sua vasta capacidade de fazer com que grupos compactos consigam soar como um grande grupo de instrumentistas, sempre priorizando a coesão da música, ainda que num caráter enxuto em termos de formação.

Nesse período, transforma sua casa no Jabour numa oficina que guiaria o rumo criativo da maioria de seus discos lançados nesta década. Na Rua Victor Guizard, no bairro de Bangu – na Zona Oeste do Rio de Janeiro – ficava a casa quer servia de moradia e central de ensaios. As filhas do baixista Itiberê Zwarg foram criadas em Bangu. Carlos Malta – que foi morar no bairro em 1981 – também levou suas filhas para serem criadas nas redondezas. Todos os dias, Malta pegava caronas com Márcio Bahia (que vivia em Niterói). Acabaram alugando uma casa pelo bairro – na Rua Zopino Goulart – para facilitar o translado. 

Hermeto Pascoal & Grupo (1982)

O pianista Jovino Santos Neto também embarcou nessa. Natural de Realengo, também foi morar na Rua Victor Guizard, enquanto o percussionista Pernambuco vinha de Madureira. É essa a formação que está por trás do disco “Hermeto Pascoal & Grupo“, lançado em 1982 via Som da Gente, selo que também lançaria “Lagoa da Canoa, Município de Arapiraca” (em 1984), além de “Brasil Universo” (em 1986), “Só Não Toca Quem Não Quer” (1987) e “Hermeto Solo – Por Diferentes Caminhos“, lançado em 1988.

Lagoa da Canoa Município de Arapiraca” conta Fabio Pascoal na percussão, além de Elísio Costa (flauta/percussão) e participação especial de Heraldo do Monte na guitarra. É com Itiberê Zwarg, Cacau, Pernambuco, Jovino Santos, Marcio Bahia e Carlos Malta que Hermeto grava seus principais trabalhos do período.

O disco “Só Não Toca Quem Não Quer” saiu no mercado internacional como “Only If You Don’t Want, You Can’t Do It”, com luxuosa capa do pintor alemão Abdul Mati Klarwein, responsável por algumas das capas e e projetos gráficos mais icônicos da história da indústria fonográfica. É de sua autoria a arte do “Bitches Brew” – lançado em 1969 por Miles Davis. Outro clássico do mesmo período que contou com uma arte sua foi o disco “Abraxas“, lançado em 1970 pelo grupo de Carlos Santana. 

Gravação de piano solo

Um dos discos mais interessantes até para se entender um pouco de como a música de Hermeto floresce é o projeto de piano solo intitulado “Hermeto Solo – Por Diferentes Caminhos“. Esse trabalho é fundamental, pois coloca o compositor numa posição inédita de solista, dessa vez como o único instrumentista que está produzindo sons na gravação, sempre com ajuda de seu piano acústico. 

É dessa mesma fase um de seus projetos de estúdio mais interessantes e que só saiu oficialmente em 2003. “Mundo Verde Esperança” foi gravado em 1989 e ainda é possível encontrar as gravações com o grupo da época pela internet. O disco foi lançado oficialmente apenas em 2003 e foi regravado com os instrumentistas que faziam parte da nova gig no período.

Podemos citar o saxofonista Vinicius Dorin e o pianista André Marques como figuras importantes para a sonoridade conquistado durante esse momento histórico de uma das encarnações do chamado Hermeto Pascoal & Grupo.

Novas colaborações, projetos solo e gravações de estúdio com o grupo

Outro disco que não é tão mencionado quanto deveria é fruto da série “Instrumental no CCBB“, lançado em 1993. Trata-se de uma gravação em duo entre o gaúcho Renato Borghetti e o Hermeto Pascoal. Quem já ouviu a música de Renato Borghetti sabe bem a capacidade que o cidadão possui para fazer sua gaita-ponto (ou gaita de botão) cantar. Esse disco é formidável e mostra um pouco do legado de tradições que o multi-instrumentista sulista carrega. 

As trocas com Hermeto são de marejar os olhos. Seja ao piano ou na flauta, depois do play parece que a dupla toca junto há anos. O entrosamento e o feeling são telepáticos. Renato é um dos grandes instrumentistas do Brasil. Vale lembrar que seu trabalho de estreia solo, “Gaita-Ponto“, lançado em 1984, foi o primeiro registro de música instrumental brasileira a ganhar um disco de ouro, após atingir a marca de 100 mil cópias vendidas.

Mais um projeto de suma importância dessa época saiu 3 anos depois, já em 1996. “Brasil Musical” foi um disco da série música viva que resultou numa gravação do Grupo Pau Brasil junto de Hermeto Pascoal. Esse trabalho é interessante, pois mostra como a música de Hermeto continua sendo um fio condutor vital para o desenvolvimento de projetos que busquem fugir das convenções óbvias que aconteceram na música brasileira desde os anos 60.

Desde os 80 o Grupo Pau Brasil injeta ânimo renovado no groove nacional, mostrando diferentes perspectivas para a música contemporânea improvisada, bebendo bastante da água de Hermeto, mas também buscando seu próprio lugar ao sol.

Com um seleto combo de instrumentista, o grupo carioca segue disseminando sua filosofia musical desde a sua formação, no começo da década de 1980. Com diferentes configurações (desde 1983 até os anos 2000), que já incluíram nomes como Roberto Sion (saxofone/flauta), Nelson Ayres (teclados), Azael Rodriges (bateria), Paulo Bellinati (violão e guitarra), Rodolfo Stroeter (baixo), Lelo Nazário (piano), Zé Eduardo Nazário (bateria e percussão), Teco Cardoso (saxofone) e o baterista Ricardo Mosca, o grupo foi bastante importante para a música brasileira e esse disco exemplifica o por quê. 

Pra encerrar a década, Hermeto grava lança “Eu e Eles” em 1999. Esse disco acaba servindo como uma extensão do projeto “Hermeto Solo“, lançado em 1988, com a diferença que nesse trabalho Hermeto vai muito além do piano acústico. Ele é responsável por tocar todos os diversos instrumentos que aparecem no disco, além de ter feito também os arranjos.

A produção do disco ficou sob responsabilidade de seu filho, Fabio Pascoal. É uma nova oportunidade de entender um pouco mais sobre a abordagem intuitiva do compositor na hora de fazer música, dessa vez contando com maior riqueza timbrística para encontrar novos caminhos musicais.

Nos anos 2000 Hermeto Pascoal começa com uma gravação de peso. Ao lado de Sebastião Tapajós e Gilson Peranzzetta, lança “Solos do Brasil” em 2001. Sebastião Tapajós foi um dos maiores brilhantes violonistas e compositores brasileiros. Com carreira de sucesso na Argentina e na europa, principalmente na Alemanha, colecionou apresentações em celeiros primordiais da música – como Nova York – sempre exaltando seu violão nortista. “Xingú” (1977)  e “Amazônia Brasileira” (lançado junto com Nilson Chaves em 1997), são exemplos de discos importantíssimos para o cancioneiro popular brasileiro. 

Já o carioca Gilson Peranzzetta é pianista, compositor e maestro. É um dos músicos mais respeitados do Brasil, tanto nacional quanto internacionalmente, com contribuições ao lado de nomes como Gal Costa e Ivan Lins, por exemplo.

Nesse disco o trio destila um repertório tão vasto que em dado momento é impossível não pensar como esses caras pareciam ter uma solução musical para literalmente qualquer tipo de situação. 

Os anos 2000 – diferentemente da década de 90 – apresentaram um Hermeto Pascoal num momento diferente de sua vida e carreira. Atuando muito mais como arranjador do que como instrumentista de fato, o compositor continua tocando bastante com seu grupo, mas nos últimos anos muitas gravações de sua carreira estão sendo não só reeditadas como regatadas, o que é importantíssimo para que a sua música continue sempre circulando por aí.

“O Mundo Verde Esperança” foi citado antes, pois as gravações originais ocorreram em 1989, porém esse disco é um dos grandes momentos do compositor nordestino nos anos 2000. Outro projeto de destaque é o “Monash Sessions“, lançado em 2013.

A história por trás desse lançamento é interessante. Em 2012, Hermeto e sua banda foram artistas residentes na escola de música Sir Zelman Cowen, onde Hermeto e seu grupo participaram de workshops, ensaios, além da gravação da sessão, lançada pelo selo australiano Jazzhead, sediado em Melbourne.

O disco reúne músicos habilidosos da cena australiana, além de estudantes do grupo de Jazz da universidade de Monash – outra universidade local – e mostra um pouco do impacto sem fronteiras que a música do senhor Pascoal possui.

Cerca de 4 anos depois, já em 2017, Hermeto lança 2 projetos de estúdio no mesmo ano. O primeiro marca a retomada das gravações de projeto de estúdio com seu grupo – o que não ocorria desde 2003 com o já citado “Mundo Verde Esperança”.

Lançado via Selo SESC em julho de 2017, “No Mundo dos Sons” apresenta repertório inédito e inspirado, com direito a disco duplo e formação do grupo que incluiu André Marques (piano), Fabio Pascoal (percussão), Ajurinã Zwarg (bateria) e Jota P. Barbosa (flauta/saxofone). 

Já o segundo lançamento, “Natureza Universal”, lançado em outubro do mesmo ano, explora as possibilidades dos arranjos para Big Band que Hermeto fez ao longo de sua carreira.

É um disco muito interessante para entender a visão Hermética no que tangem principalmente os arranjos de metais. Hermeto já não toca saxofone ao vivo há algum tempo, por isso é interessante escutar o disco para entender o que ele estaria tocando caso ainda estivesse imerso no mundo dos sopros.

Com arranjos feitos há 30 anos e outros especialmente para a gravação do projeto, Hermeto toca piano, berrante, chaleira e um copo d’água. Ao vivo esse espetáculo foi provavelmente um dos melhores espetáculos para se presenciar a obra do homem de gelo. André Marques fez um trabalho muito bonito na condução do espetáculo, sendo responsável pela direção e regência da performance.

Relançamentos do Baú Hermético 

Inaugurando o importante capítulo sobre resgates da carreira de Hermeto, a Far Out Recordings lançou “Hermeto Pascoal & Grupo Vice Versa – Viajando com o Som” em 2017. Essa gravação na verdade aconteceu em 1976 no estúdio Vice Versa, do gigante Rogério Duprat, um dos mais célebres arranjadores brasileiros. 

Esse disco na verdade já circula há anos entre os músicos, tal qual aconteceu com o bootleg do “Mundo Verde Esperança”, de 1989. Claro que por se tratar de uma gravação oficial a qualidade é superior e trata-se de uma nova oportunidade de escutar o que o Hermeto experimentou ao lado de uma das suas formações mais interessantes. 

Gravado em apenas 2 dias de sessão, com o grupo formado por Zé Eduardo Nazário (bateria), Zeca Assupção (baixo), Lelo Nazário (piano elétrico), Mauro Senise, Raul Mascarenhas e Nivaldo Ornelas (no saxofone), Toninho Horta (guitarra) e Aleuda Chaves (vocal), a formação do disco já rouba a cena logo de cara.

A formação já dá uma pista do motivo pelo qual Hermeto teve interesse em gravar essa sessão. O engenheiro de Som Renato Viola utilizou as gravações do primeiro take em quase todas as faixas selecionadas para mix final. O Lelo Nazário pediu uma cópia do material, mas como o disco não saiu até meados de 2017, é fácil compreender que eventualmente as fitas das masters se perderam, mas agora estão disponíveis, ainda que mais de 40 anos depois.

O disco conta com 4 faixas, mas não se engane, o conteúdo é deveras transformador. Destaque principalmente para “Dança do Pajé“, tema que abre o disco – mostrando a aura telepática dessa sessão – e “Casinha Pequenina“, faixa que encerra a gravação, rompendo a barreira do som com improvisos inspiradores, durante mais de 26 minutos de diálogo musical.

Em maio de 2018 o saxofonista de Londres Sean Khan lançou o disco “Palmares Fantasy“, via Far Out Recordings. Em seu quinto disco de estúdio, ele viajou ao Rio de Janeiro para colaborar com Hermeto Pascoal e outros artistas brasileiros, como a Sabrina Malheiros, habilidosa cantora, filha do baixista Alex Malheiros do Azymuth, responsável pelas vozes no cover de Milton Nascimento para a clássica “Tudo Que Você Podia Ser”. 

Falando em Azymuth, Ivan Conti Mamão gravou bateria em 5 das 8 faixas do disco. Fabio Pascoal também aparece gravando percussão em outras duas tracks, junto com o baixista Paulo Russo, além do networking do músico britânico que convidou amigos como a cantora Heidi Vogel para gravar no disco.

Sean Khan, assim como Hermeto, é autodidata. Ele aprendeu a tocar saxofone (alto e soprano), flauta e clarinete de forma independente. No hall dos músicos da chamada “Cena Jazz de Londres“, seu nome está longe de ser um dos mais badalados, mas nesse play o cidadão mostra um trabalho de composição interessante e ao colaborar com Hermeto (que também toca Rhodes na gravação), fica nítido como a música do mestre continua extremamente importante para os músicos da nova geração, não só no Brasil, mas também fora daqui.

Voltando para o baú de raridades da discografia de Hermeto, outra gravação resgatada surgiu em junho de 2018. Nessa época foi lançado “Hermeto Pascoal e Sua Visão Original do Forró”. Assim como aconteceu no disco “Cérebro Magnético”, Hermeto é também responsável pela capa, além contribuir também como letrista e músico (tocando sanfona).

A gravação aconteceu em 1999. O disco foi gravado no Recife e conta com a colaboração de músicos pernambucanos, além de célebres membros do grupo, como Vinicius Dorin. Cantando as composições de Hermeto, nomes célebres do cancioneiro local, como Alceu Valença, por exemplo. O repertório é vigoroso e mostra o fino tato de Hermeto para abordar os diversos Brasis que coexistem em sua música de maneira tão harmoniosa.

Para encerrar essa linha do tempo – antes que o Hermeto Pascoal lance outro disco – é importante ressaltar que esse racional foi construído para destacar trabalhos menos mencionados e celebrados dentro do vasto currículo do multi-instrumentista. Sua contribuição para a música é incomensurável e essa discografia selecionada dá uma noção da profundidade do trabalho realizado pelo também arranjador e compositor.

Para finalizar, outra relíquia resgatada da discografia de Hermeto recentemente foi um show realizado no Planetário da Gávea, em 1981. Lançado em fevereiro de 2022, a performance revela composições nunca gravadas em estúdio por Hermeto, além de apresentar outras faixas como “Ilza da Feijoada” e “Era Pra Ser e Não Foi” que foram gravadas só alguns anos depois, na mesma década, em discos como “Lagoa da Canoa Município de Arapiraca“, lançado em 1984, por exemplo. 

Na formação do Grupo, Zé Eduardo Nazário (bateria), Carlos Malta (flauta e saxofone) – num de seus primeiros shows com o Grupo – Marcio Bahia (bateria), Jovino Santos Neto (piano, teclado e órgão), Pernambuco (percussão) e Itiberê Zwarg no baixo.

O set mostra a coesão instrumental de um grupo que criou sua própria linguagem para dialogar e fazer música. A fluência, os improvisos e a oportunidade de ouvir composições que ainda estavam sendo testadas mostra a matéria orgânica sendo esculpida no momento. O resgate dessas gravações da época, principalmente ao vivo, são essenciais. Espero que ainda surjam novos coelhos dessa cartola. 

Com uma carreira tão extensa e prolífica, Hermeto Pascoal é impossível de sintetizar ou resumir, por isso que foi tão importante traçar essa linha do tempo, justamente para tentar tangibilizar um pouco da música e dos fatos que a envolvem.

Num momento de rara oportunidade, o Oganpazan teve a chance de entrevistar o homem de gelo, mas antes de mergulhar nas perguntas, era necessário trazer profundidade a discussão, elucidando – ainda que de maneira selecionada – um recorte da década de 1950 até 2022. Com a palavra, o criador de todo esse universo. Senhoras e senhores: Hermeto Pascoal.

Entrevista com Hermeto Pascoal

1) Hermeto, você participou do “Imyra, Tayra, Ipy”, primeiro disco solo do Taiguara, gravado depois de um exílio do músico no exterior. O disco é um marco, mas foi retirado das lojas e só saiu oficialmente no Brasil em 2013. O que você pode falar dessas gravações?

O Taiguara foi um cara sensacional, uma pessoa maravilhosa e teve justamente a musicalidade… Era um cara que tinha a música, ele fazia uma coisa mais comercial, mas era mais pra conseguir as coisas.

Depois ele acabou gravando outras coisas, justamente quando me chamou pra trabalhar com ele. Eu aceitei por que senti que teria liberdade pra fazer os arranjos como eu queria. Ele disse que era justamente isso que estava esperando de mim, pois também queria aprender sobre a criação.

Eu disse pra ele: tudo que você aprender não é de mim, é de você pra você mesmo, então fique tranquilo, sinta primeiro as coisas pra poder fazer. Não queira saber antes, sinta primeiro. Foi maravilhoso, o disco é lindo e ele está lá festejando no céu.

2) Outro trabalho da sua discografia que é pouco mencionado, é a colaboração ao lado do Brazillian Octopus, junto do Lanny Gordin (guitarra), Cido Bianchi (piano), Douglas de Oliveira (bateria), João Carlos Pegoraro (vibrafone), Carlos Alberto de Alcântera Pereira (sax/flauta), Nilson da Matta (baixo), Olmir Stocker (violão/guitarra). Por meio da multinacional Rhodia, fabricante de fibras sintéticas para vestuário, surgiu a ideia de formar um supergrupo musical que fosse responsável pela trilha sonora dos desfilas da empresa. O italiano Livio Rangan que foi o responsável pela line up do que grupo que se transformou no Brazilian Octopus. A banda existiu por apenas 1 ano, mas deixou um LP marcante na história da música popular. Como foi a experiência de gravar esse disco? Musicalmente é bastante avançado e anuncia um pouco dos experimentos que artistas como você estavam prestes a fazer.

É justamente isso, nessa época aconteceram muitas coisas. Esse convite foi muito bom. As coisas comigo sempre aconteciam assim, de forma imprevisível, meio em cima da hora. Eu gosto assim, não gosto de premeditar.

Esse disco foi um trabalho lindo também. Eu sempre fazia as coisas com liberdade, eu sentia que tinha condições de fazer as coisas do meu jeito. Foi muito bom que você já falou o nome de todo mundo por que eu não ia conseguir me lembrar, então você já me ajudou na resposta da pergunta.

As coisas que venho fazendo e que eu chamo de música universal, enfim, é justamente isso. Tudo gera um caminho para que eu possa fazer o que estou fazendo. O Quarteto Novo e outras coisas que fiz nessa época, tudo isso são coisas que nunca envelhecem.

Eu sempre digo que é como o vento, como o céu ou as estrelas… Nunca envelhece por que é uma coisa sempre atual, quando você toca ou escuta, não tem nada que você possa dizer. É como uma casa velha que você pode ver o que está caindo e apontar, mas na música isso não existe.  

3) Hermeto, quando você foi para os Estados Unidos, tocou e gravou com muitos artistas, dos também brasileiras Airto e Flora Purim, até o Miles Davis. Essa experiência de viajar pra fora, assistir as grandes orquestras de Free Jazz, tocar ao lado de mestres como o Miles Davis, enfim, como essas experiências ajudaram você a expandir a sua música, pensando nesse teor univesral da reunião das suas influências brasileiras e a junção dessas novas referências de improvisação e música concreta que você tomou contato no exterior?

Olha, uma coisa importante, linda que eu gostei logo de cara foi a receptividade de todos os músicos que eu conheci nos Estados Unidos, desde o Miles Davis até o Ron Carter. Existia uma coisa minha que eu achava que tinha e quando cheguei lá consegui confirmar.

A música que eu faço é realmente universal, ela não era um estilo só. Não é como o Jazz, por exemplo, que é um estilo só. É bonito também, mas é um pouco repetitivo e os músicos estavam cansados disso. Acho que eu levei um negócio pra lá sem premeditação nenhuma que em função da minha maneira de tocar os músicos ficavam chamando os outros pra assitir a minha gravação. Lá é diferente, eles deixam assistir a gravação, é uma prática comum, tudo isso justamente pra ter a informação.

O Brasil naquele tempo estava com a Bossa Nova, mas graças a deus com a minha ida pra lá e com as coisas que fiz isso mudou. Os músicos sorriam, o Ron Carter ficava mandando beijinho pra mim. Eu brincava com ele e com todos os outros músicos. No final da história essa pergunta que você fez é muito inteligente por que lembra disso tudo e mostra como essa história é bonita.

4) Outro ponto que gostaria de perguntar é a sua relação com arranjos. Você escreveu bastante arranjos de sopro, mas também fez muita coisa pra percussão, principalmente na época que o Marcio Bahia estava no grupo. Como essas influências de música sinfônica influenciaram sua abordagem na hora de arranjar pra sopro e percussão?

Eu fui criado no mato. Eu até brincava e brinco até hoje com o negócio do jumento, do jegue. Eu nasci assim, nada do meu passado é passado. É como o vento. Eu sempre digo: o vento passou, mas depois ele roda e volta de novo. É uma coisa linda.

Por isso que sempre falo sobre a premeditação, por que nas coisas que eu faço ela não existe. É tudo sentido, cem por cento sentido. A natureza não é somente mato, não é somente as coisas que a gente vê. Eu aprendi quando vim pra cidade grande – primeiro pra Recife. Fiquei em Recife por um tempo, me casei – e de lá fui aprendendo que a natureza está onde você faz as coisas com naturalidade, criatividade e amor. 

5) Gostaria de perguntar sobre a sua relação com arranjos. Você escreveu bastante arranjos de sopro, mas também fez muita coisa pra percussão, principalmente na época que o Marcio Bahia estava no grupo. Como essas influências de música sinfônica influenciaram sua abordagem na hora de arranjar pra sopro e percussão?

Pra mim os arranjos são como pintar um quadro com sons, sabe? Meu trabalho com sopros e percussão pegou algo da música sinfônica e trouxe para o mundo da música popular brasileira. Com o Márcio Bahia, por exemplo, foi um período de muita experimentação. Eu via os instrumentos de percussão como uma orquestra, cada um com sua voz e cor. Misturar isso com sopros era como juntar o céu e a terra numa mesma música.

6) Hermeto, queria que você falasse sobre sua relação com o Sivuca. Ele que arrumou emprego pra você nas rádios de Recife. Queria que você falasse sobre a importância dele na sua carreira.

O Sivuca, que figura maravilhosa! Ele foi um irmão pra mim e uma grande influência. Me ajudou no começo nas rádios de Recife, e isso foi um salto para minha carreira. Sua habilidade na sanfona, no violão – o que ele não enxergava bem, tinha de visão musical. Tudo isso me inspirou muito. Nossa relação era de amizade e aprendizado mútuo, um verdadeiro presente em minha jornada musical.

7) Hermeto, você gravou um disco em 1958 como parte da banda do Pernambuco do Pandeiro e seu regional. Você toca acordeon no disco. Lembra dessa época? O disco chama “Batucando no Morro”.

Tinha chegado há pouco tempo do nordeste. Esse foi um tempo de pura alegria! Eu tocava sanfona nesse grupo, ainda era jovem e aprendia muito!

8) Em 1980 você gravou o “Cérebro Magnético”, um dos discos antológicos da sua carreira. É um exemplo contundente da forma como você usa a linguagem da música brasileira pra tocar qualquer estilo. O que você pode dizer sobre a importância do Forró e do Frevo na sua linguagem?

A Música Universal existe para todos os estilos e o Forró e o Frevo são a alma da música brasileira, sabe? Eles têm uma energia, um ritmo e eu sempre trouxe esses elementos pra minha música, para mostrar ao mundo a riqueza dos sons do Brasil!

9) Hermeto, já vi você citando que trabalhou com o Jackson do Pandeiro. Fui pesquisar pra saber se você fez alguma gravação com ele, mas não encontrei o crédito dos músicos nos LP’s. Queria que você falasse sobre sua convivência com o Jackson, como ele influenciou sua abordagem e se vocês chegaram a gravar alguma coisa juntos.

Sobre o Jackson do Pandeiro: infelizmente, não tivemos a oportunidade de gravar juntos, mas os momentos que passamos e as conversas que tivemos foram inesquecíveis para mim!

10) Mestre, desde o início da sua carreira, você trabalha em diversos formatos, seja no grupo ou em projetos maiores, principalmente Big Bands. Quais características desse tipo de formação lhe atraem? Esse é um traço marcante na sua discografia, presente em diversos momentos. Como exemplo, é possível citar o LP “Hermeto” de 70 e o “Natureza Universal”, lançado em 2017.

Big Bands são como um grande palco pra música. Tem espaço pra todo tipo de som. Eu gosto de brincar com os arranjos, sabe? Cada instrumento é uma voz no coro. Nos discos, usei isso pra mostrar o quanto nossa música é rica e diversa. É como juntar amigos pra uma festa grande, onde cada um combina de trazer um prato diferente. É isso que faz a música ser universal.

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