Filme do OQuadro reúne em si elementos suficientes para transcender a cena musical do rap sem perder sua essência hip hop, pois já é forte!!
Escrevo esse texto ouvindo um dos milhares de discos que não são reconhecidos em sua qualidade e inteireza estética no tempo de lançamento. Sim, não estou ouvindo OQuadro, tô ouvindo outras forças que assim como a banda aqui referida, não encontraram (ainda) em seu tempo o devido reconhecimento. A intenção dessa conversa é trazer à tona um problema que se faz presente pela profusão de informações. Pela preguiça, pelo espírito de rebanho ou antes pelo anestesiamento geral diante do que é recebido pela mídia.
Chegamos a um ponto crítico onde a estupidez compete com sua soberba característica sem se fazer ver, por conta de uma espécie de eleição democrática onde ninguém votou. Os idiotas são sempre maioria. As mídias crescem e se diversificam, a quantidade de produções é abundante e para o sucesso (views) concorrem diversas perspectivas. O que deveria ser algo maravilhoso em nosso tempo, essa liberdade de produção que a tecnologia possibilitou, se tem transformado numa corrida absurda, onde aquilo que é mostrado se torna aquilo que é bom. O número de views no youtube, tem se transformado na medida de sucesso artístico.
O público hoje em sua grande maioria com instrumentos suficientes de pesquisa em mãos, vem se tornando uma multidão de “walkers” da internet. Caminhando em direção ao barulho, sem vontade própria, uma massa descerebrada e faminta. O que obviamente não é um traço particular da internet, mas um comportamento e uma atitude cotidiana diante da realidade que nos circunda.
Esse condicionamento poderia ser atacado de diversos lados, a partir de críticas às posturas identitárias e proselitistas de quem faz a mídia atual e de quem a consome. O próprio ato de escrever sobre a situação atual precisa se encaixar em certos parâmetros limitadores ou quando não, servir a interesses ideológicos que fogem da perspectiva do pensamento. Vivemos a era da informação rápida, do consumo imediato, do ver, compartilhar ou curtir sem pensar.
O fato é que a cineasta Mariana Vitarelli produziu um videoclipe dos mais bonitos a que nos foi dado ver nos últimos anos. Conseguindo plasmar através de traduções intersemióticas certeiras, encontrando signos muito fortes e bonitos, a música Filme da banda ilheense OQuadro. Filmado durante o mês de janeiro, o clipe só veio a luz em dezembro último.
Musicalmente, a banda baiana já a muito ultrapassou as fronteiras – ou as alargou – do rap, cativando públicos de outros gêneros musicais. Nos parece no entanto que esse trajeto, tenha os afastado do próprio público “cativo” do rap, ao mesmo tempo que não se firmou lá com os outros. Tornando-os uma banda fronteiriça, sem estar nem lá nem cá, aqueles views espertos, frutos de reacts (novo indicador qualitativo aos “walkers“) e super divulgações não lhes alcança.
Lembro a primeira vez que ouvi Filme, música que foi lançada num disquinho dos manos, junto com mais dois singles inéditos. Chegando na loja Afreeka – que saudade – o amigo Robson Veio depois dos comprimentos iniciais, disparou logo: Já ouviu a música nova do OQuadro? Ao que diante da negativa, automaticamente colocou-a nos alto falantes da loja. Lembro-me ainda do silêncio reverente que tomou conta do espaço por seus 4:30. Seguiram-se as devidas considerações, resenhas e tudo que sempre acontecia quando se visitava a loja.
A música obviamente permanece em nossa playlist, mas esse silêncio que se fez nunca esqueci. Sobre tudo porque ela possui uma letra muito introspectiva, quase um monologo interior, certamente uma oração em chave existencialista. Onde nossas ações diante desse caos em que vivemos serão os elementos decisivos para nos encontramos plenos em meio a multidão, como diretores nós mesmos, das nossas películas.
A força da obra que Mariana Vitarelli nos entrega está justamente em conseguir colocar uma espécie de narrativa clandestina por entre os quadros fazendo-nos captar a “mensagem”.
Nunca explicitando, nunca gritando aos nossos olhos a progressão que os personagens vão alcançando ao longo do “filme”. Progressão essa que é digamos, o sentido da música e que foi plenamente traduzido no clipe. Acompanhamos essa progressão: do homem negro incapaz de combater os problemas sem o auxilio luxuoso da mardita, passando pelo professor que consegue diagnosticar a realidade em que vive, até a leveza dos passos na praia e o olhar contemplativo às belezas naturais que se escondem na cidade.
Essa possível linha narrativa, entremeada de bonitos “quadros” humanos, com a presença de Dimak e Giovani Sobrevivente, vão construindo uma unidade muito bonita. Que não esconde, nem escamoteia a complexidade de nossas cidades, entre o luxo e o lixo, como as dores carregadas em um lindo sorriso. Tudo isso com uma fotografia linda em preto e branco, da qual Mariana é também a responsável.
Poderíamos continuar a divagar sobre as possíveis interpretações que a película e a música nos pedem. Mas pedimos que deem o play e façam vocês mesmos vossas leituras, e que façam desse exercício o guia condutor de vossa percepção diante do Real.
Atualmente a gang do OQuadro esta se preparando pra gravar o seu segundo disco cheio, através do edital da Natura Cultural, no qual foram contemplados. Certamente mais uma porrada nos espera e já se fazia necessária, passados 5 anos desde o lançamento de seu debut. Enquanto esse disco não ganha as ruas, vão escutando mais essa maravilha da nossa música.
Pois diante da profusão de informações, o OQuadro responde da única forma possível dentro da cultura Hip Hop, produzindo verdadeiro conhecimento.
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