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FEBEM e as Modalidades do Corre em Running

O maratonismo poético do rapper FEBEM no ótimo disco Running. 

A quantidade de bons discos que estão sendo lançados no rap nacional não é pequena, seja de discos cheios, sejam de eps e mixtapes. É muito interessante notar vozes, estilos, ideias e sonoridades que cada um desses trabalhos chega apresentando com uma qualidade bastante própria e que só possui boas características a acrescentar na cena. Falo obviamente, daquilo que tenho escutado de norte a sul do país e que para além do hype, estão verdadeiramente dando o seu recado para a arte e a cultura hip hop.

O rapper paulista FEBEM soltou um disco que é uma espécie de maratonismo poético dentro da cena do hip hop atual. Percorrendo desde características do rap nacional dos anos 90, até as sonoridades, flows, métricas mais atuais, FEBEM, que sempre buscou sonoridades novas, acurou suas linhas nesse álbum numa confluência paradoxal entre forma e conteúdo. Esse acuro, vem certamente de uma nova forma de se fazer arte e politica dentro do rap, e que FEBEM consegue assumir com muita qualidade e um estilo único. O tão referido conceito presente no disco é exatamente isso que acima colocamos, e que está presente no título do álbum Running (2019). Correria, no gerúndio, como é na nossa história, de um povo pobre e preto, que precisa passar a vida correndo e pulando os obstáculos que nos foram e nos são impostos.

Há um paradoxo salutar ao longo do disco, pois ao mesmo tempo em que o conteúdo trabalha poeticamente sobre a longa corrida do nosso povo contra obstáculos historicamente colocados, a forma é de tiros curtos, de pílulas poéticas. Mas que mesmo assim se faz eficaz, uma velocidade que traz no bojo pílulas, frames dessa longa marcha e se adéqua ao espírito do tempo.

Houve um tempo em que eram necessários no mínimo 5 minutos para que a audiência fosse capaz de entender uma longa trajetória de exploração, opressão e genocídio, que constituem a nossa história. Os nossos grandes poetas do Hip Hop necessitavam de longas narrativas para fazer o povo entender-se negro, mulher, pobre, periférico, e sobre tudo para que ele entendesse o sistema como um todo. Hoje, o rap alcançou uma potência de expressão que se adéqua de modo vanguardista às conquistas mais célebres da poesia e da música. Mas do que uma cultura estabelecida ao redor do mundo, é também um frutífero campo de experimentação social, estético e político.

O disco Running (2019) primeiro disco cheio do FEBEM é composto por 10 faixas, e em todas existe esse “correndo” que vai compondo uma maratona intensa e curta, demonstrando em suas diversas modalidades o que o nosso “gerúndio coletivo” reúne. Com participações muito boas, onde nenhuma foi utilizada pelo nome, como algumas vezes conseguimos perceber, aqui as parcerias são de fato o que o termo denota, e sobretudo incluem ao trabalho muita força.

Nomes como nILL, BK, Ashira, Don Cesão e Akira Presidente chegam no trampo, e contribuem, mas nunca superam o artista solo, o que não é pouco. Estamos falando dos maiores nomes do rap nacional hoje, e essa evidência nos mostra que o FEBEM está na corrida pau a pau, e não precisamos recorrer ao recurso da foto, pra saber o quanto ele está bem em seus próprios corres na música, no seu desenvolvimento musical e em sua carreira.

Além da velocidade, um outro aspecto presente no trampo recém lançado do FEBEM é o local e a história. Afinal, o rap é um gênero musical fruto de uma cultura que luta contra opressão, qualquer que seja ela e onde for que ela ocorra. É estranho ter que escrever isso mais é necessário hoje, e é algo muito presente em Running (2019), uma politica condensada em corridas de 100 metros rasos, mas que representam toda a nossa maratona.

A introdução, que conta com a bonita voz da Ashira, é lenta e nos parece uma estratégia muito boa de não queimar a largada e ao mesmo tempo situar a audiência sobre qual será o teor da viagem. Rap politicamente compromissado, racialmente muito bem situado, há uma construção de uma ética individual ou se se quiser do eu lírico que será a tônica daqui em diante na faixa “Quem não pode errar sou eu” ( o título já é auto explicativo).

Além dos diversos perrengues que quem vem da margem da margem, enfrenta para se inserir no mercado da indústria cultural, “Rua (prod. Pizzol)” já acelera no flow para alertar-nos sobre os playboys que querem tomar o rap de quem é de fato e direito. Emulando citações aos Racionais MC’s, punchs pesadas na direção do Matuê e do Zetrê, é uma boa aula de como FEBEM se situa subjetivamente no game.

Dentro dos circuitos de corrida do rap e da música em geral, aprisionar alguém a um dos circuitos é sempre um perigo duplo. O Brasil em especifico carece de um circuito sustentável para os artistas do Underground, enquanto o mainstream ao que parece – são raras exceções – só é habitado por duas espécies. Aqueles que se rendem aos agrados fáceis para o grande público (leia-se brancos) e aqueles que jogam pesado com a força da tradição, sua relevância e um lugar conquistado através muito custo, por décadas de trabalho. A participação do nILL ( um dos maiores do rap nacional hoje) habitante do underground, em “BB (prod. Pizzol)” nos parece um relato melancólico sobre essa posição do underground ao mainstream.

Na metade do disco o ritmo da corrida se firma, aprendemos a necessidade de se manter o fôlego e a diferença entre os cavalos paraguaios e quem realmente é capaz de puxar a fila. Esse beat do Cesvr é um dos melhores do ano sem sombra de dúvida, da mesma forma que BOLT como single de trabalho e a primeira a ganhar clipe, é uma jogada de mestre. Aqui FEBEM esculacha ao saturar as mensagens em frases curtas, utilizando aquele procedimento que acima relatávamos. O clipe também ficou muito chave, e é o correspondente ou tradução do que se trata o disco.

Dirigido e montado por Guilherme Morais, um clipe que ficará na história pela força da mensagem, assim como pela astúcia utilizada para conseguir resumir tudo de modo tão escuro e objetivo. E aproveitando esses takes das corridas em suas diversas modalidade, chega na sequência um revezamento 3 por mil. “Esse é meu estilo” traz o tio e o pai da pequena e linda Nandi, BK e Akira Presidente respectivamente, e é um outro ponto alto do disco. Se você é cuzão e covarde saia da frente, pois essa afirmação de bragadoccios só encontra morada em “gente da gente”.

Mas um beat “simples” e marcante do Cesrv que pavimenta essa estrada onde os três mc’s ao cuspirem os bragadoccios conseguem falando de si, nos mostrar como os preconceitos se constroem, inclusive entre os nossos. Sim, estamos tipo walking dead infectados com o vírus reativo dos preconceitos. As linhas do FEBEM sobre o atendente do McDonalds, é exemplar nesse sentido, assim como com as do Akira e do BK, um bastão passando de mão em mão.

Vamos chegando na reta final da pista imensa que o disco vai percorrendo de modo exemplar. Um excelente flerte com o funk é a cara da faixa “Tudo ou Nada“, que é mais uma produção absurda do Cesrv em parceria com FEBEM, mas um exemplo da versatilidade de trotes desse Mc. Seguindo um pouco o padrão anterior, mas com outro ritmo, um ponto de encontro entre o lifestyle do gueto, “Camisa de Time” trabalha dentro do registro contra os esteriótipos que geram um breque nos corres dos vileiros.

A corrida é também uma rat race, e dentro do game muitas vezes é só preciso um tempinho para vermos que é real e quem tá por views e querendo ser. “Fé de Jó” vai muito nesse sentido e traz linhas que são atemporais, principalmente se notarmos os últimos acontecimentos e a situação real de quem é agressor de mulher, mas curte posar de apoiador das pretas. É triste e esse marcador deveria ser fundamental numa cena, como falamos acima, que nasceu para lutar contra todas as opressões.

Na linha de chegada o mano FEBEM já chega vencedor e fecha seu disco de estréia com uma faixa que tem todos os aromas de rap dos anos 90. Suas linhas nessa faixa, mostram o quanto a força da mensagem é cada vez mais importante numa época em que o rap é assediado por assediadores “fakenews”, um período de confusão onde todos com dinheiro podem comprar um “Tracksuit” da hora, mas poucos tem o treino adequado para seguir nessa corrida.

FEBEM, que faz parte da CEIA ENT. por onde o disco sai, chegar num momento muito especial do rap, um momento de falsidade e indecisão sobre os caminhos que esse gênero musical vai tomar em nosso país. O disco Running (2019), agora em meados do ano, mantém o nível dos melhores lançamentos até então. O corre de FEBEM precisa ser aplaudido e incentivado, mas sobretudo entendido e praticado. Esse é o real hip hop!


FEBEM e as Modalidades do Corre em Running

Por Danilo Cruz

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