A maior parte das músicas atualmente escuto em trânsito, indo de um lugar a outro. Andando pela cidade a observar as correrias e correndo para resolver ou ver algo. Mas na maioria das vezes, parando pra relaxar, esperando o ônibus ou sentado no busão observando a paisagem que desliza pela janela e as pessoas ao meu redor. Faço da música um antídoto, um capacitor de fluxos, ora me dando a deixa para fugir do marasmo, ora para intensificar algum afeto que tenha brotado e precise de ajuda para continuar vibrando.
O EP da Lillian Lessa entrou imediatamente na minha rotina com dia e hora marcados. Terças, quartas e quintas, nas voltas noturnas pra casa, em ônibus vazios de fim de noite após o trabalho. Foi nesse contexto que a delicadeza, qualidade, combatividade, descontração e reflexividade sobre o feminino de Expresso (2015) me tomou, me seduzindo e se apropriando até o último fio de cabelo do meu ser.
Primeiro já conhecia a qualidade e a potência de vocalista e guitarrista da garota na excelente Necro (AL). Depois me bati com a dobradinha: Expresso e Mal pela Raiz, que pareciam dar certa continuidade no formato solo, ao que de algum modo já se fazia na banda. Certo que havia o acréscimo da temática feminista em Mal pela Raiz, fugindo dos clichês e com um balanço pesado delicioso contestando entre outras coisas o opressor mito de Adão e Eva: “Não teve costela – Nem maçã não”.
Tudo bem, essas duas músicas já eram motivos suficientes para uma boa comemoração. Mas foi então que saiu o EP inteiro e quando ouvi Expressão da Liberdade, minha vontade foi atravessar uma das pistas da Av. Paralela dançando. A voz suave e sedutora de Lillian atravessa o inglês, português, espanhol e francês, num balancinho delicioso e mezzo caliente, pregando a liberdade criativa e ressaltando a importância da linguagem sobre a língua. O tempo pode até ser fugaz, mas nesse momento ele para. O complemento das duas canções iniciais, conseguiam mudar os andamentos e temáticas, dando outra diversidade, perspectiva e consequentemente mostrando todo o leque criativo desta artista.
Em seguida um reggaezinho maroto (Ineffable), meio hiponga, com uma letra plena de poesia bonita, floreios de flauta, abrilhantando a mensagem de amor quase que num clima bucólico.
Como dobradinha final Enleio Fatal e Felino Amor aparecem como reflexões distintas mais complementares sobre o amor, gatos e homens. Instrumentais muito bons entre o peso característico da banda de origem e letras com uma poética truncada, ambígua e de certa forma abstrata. Mostrando a potência dessa compositora e multi-instrumentista.
Passadas duas semanas de overdose total nesse excelente EP, minhas noites ainda continuam abrilhantadas por essa excelente artista. Recentemente decidi ir pesquisar sobre a garota e descobri que algumas referências que identificávamos nas audições fazem realmente parte do seu rol. Cilibrinas do Eden (Rita Lee & Lúcia Turnbull), a própria Rita Lee da primeira fase, as meninas americanas do Birtha e do Fanny, a francesa François Hardy.
Enfim, não é pra qualquer uma pegar tantas influências distintas e conseguir plasmar tudo isso num trabalho original. Nos resta agora esperar as próximas novidades, seja no Necro, seja solo, seja colaborando com seu companheiro Pedrinho Salvador em seu trabalho solo. O que temos certeza é que a turma do Necro, e a Lillian Lessa em especial nesse caso, estão em alta, e merecem ser conferidos.
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