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Bufo Borealis: entrevista – O Punk é Jazz ou o Jazz que é Punk?

bufo boreais

Foto: Thiago Paes

Juninho Sangiorgio e Rodrigo Saldanha são o Bufo Borealis. Eles criaram um blend Punk-Jazz e nós entrevistamos o Juninho pra sacar essa saga.

O debutante do projeto formando por Juninho Sangiorgio (baixo) e Rodrigo Saldanha (bateria), a Bufo Borealis, impressiona pela força de um repertório autoral e que caminha pelo Jazz, mas sem perder o aspecto áspero do Punk, o estilo que moldou o caráter da dupla.

O disco “Pupilas Horizontais” – que saiu em vinil pela Zenyatta Records – reúne um time célebre de colaboradores. De Edgar Scandurra até o Rogério Martins (Hurmold), o repertório de estilos – bem como colaborações é variado – mas entrega uma identidade muito sólida.

Dada as peculiaridades do som, nós conseguimos trocar ideia com o baixista Juninho Sangiorgio pra entender um pouco mais sobre os experimentos que envolveram essa interessantíssima gravação.

Se liga na entrevista. Será que o Punk é Jazz ou o Jazz que é Punk?

1) Juninho, pra começar, queria saber como foi a formação do Bufo Borealis e como vocês chegaram nessa sonoridade. Achei o resultado muito interessante e orgânico. A master eterniza uma abordagem que ao mesmo tempo sustenta a aura do it yourself do Punk, sem perder o swing e a roupagem do Jazz-Funk (objetivo principal da proposta). Como foi o processo?

A banda sou eu e o Rodrigo Saldanha. A gente troca ideia já tinha um bom tempo, justamente pra fazer um projeto de Jazz-Funk. Tanto eu quanto ele, bom, nós escutamos Jazz pra caralho, da mesma forma que também ouvimos outras coisas, como rock 70, punk e música brasileira, mas nenhum de nós 2 tinha feito algo nessa pegada até então.

Pensando nisso, separamos algumas das ideias que tivemos, seguindo nessa linha de som e fomos nessa direção. Primeiro ele veio aqui em casa, eu mostre algumas coisas… Alguns sons, claro, nós ouvimos bastante coisa pegar referência e a ideia inicial era uma demo, sabe? Um lance meio caseiro, mesmo.

Mas acabou que essas coisas todas que foram gravadas entraram no disco. O que era pra ser só uma demo virou um play completo. Não tem nada antes disso, foi a primeira coisa que nós fizemos juntos!

Sobre as participações, eu e o Rodrigo já tínhamos ideias sobre quem chamar para o projeto. Desde o início eu pensei no Paulo Kishimoto (Pitty/Forgotten Boys). Ele é um musico bem dinâmico e eu queria que ele participasse de um som desse há muitos anos. Outro cara que pensamos desde o começo foi o Rogerio Martins (Hurtmold), outro camarada que a gente troca ideia de som  e tá sempre no rolê.

Conforme a gente foi gravando e os sons foram tomando forma – por que eu e o Rodrigo deixamos tudo praticamente pronto (baixo e bateria) – só com os buracos em branco – pra justamente chamar essa galera pra preencher essa lacuna.

O projeto foi bem livre nesse sentido, pois todos tiveram liberdade pra tocar da forma que eles quiseram e ai foi um agregado de conhecidos que nos ajudaram a dar forma para esse som.

Foi muito legal trabalhar com cada um dos músicos que está nos créditos, a contribuição de cada um deles foi importantíssima e nós conseguimos até colaborar com pessoas que somos fãs, como foi o caso do Edgard Scandurra que gravou partes de guitarra na “Indecente” e “Escuridão”.

E depois, num segundo momento, chegou a galera do selo (Zenyatta Records) pra lançar o vinil, por intermédio do Carlos de La Fuente (Big Papa Records) por que eles gostaram muito do material. Foi uma grande realização ver esse trabalho nesse formato.

2) Musicalmente falando o Punk sempre foi visto de uma forma limitada, algo que grupos como o Clash desconstruíram, por exemplo. Na cabeça das pessoas, esses músicos estão presos no estilo e é interessante ver projetos como esse ganhando vida justamente por isso, pois mostra novas aspirações e ajuda a descentralizar essa visão artística de que o músico não pode mudar. Queria sua opinião sobre isso, pensando na riqueza de possibilidades desse projeto.

Você usa um exemplo muito bom na pergunta que é o The Clash. Os caras pegaram elementos de música jamaicana pra caralho… Não era uma música simples, era complexo, tinha dinâmica. O que o punk ensina pra gente é que se você tá com vontade de fazer, tem que fazer, independente de possuir conhecimento técnico de fato das coisas.

Eu me considero um músico limitado, não me considero um músico de formação que toca qualquer coisa, mas esse espírito do punk faz a gente criar sem medo de errar. E com o passar dos anos eu acho que isso vem se refletindo no decorrer dos anos dentro da cena. Hoje você encontra várias bandas de punk experimentando bastante, seja indo em direção ao jazz ou até mesmo da música eletrônica, então esse espírito fala mais alto do que só a música, saca?

O “Pupílas Horizontais” foi feito nesse esquema do it yourself (faça você mesmo), só com a plaquinha de áudio do meu computador, tudo em casa, sem um investimento brutal nas coisas. A gente chamou a galera e eles não cobraram cachê, foi um agregado punk, justamente pra gente experimentar com o Jazz de uma maneira contemporânea

3) Em alguns arranjos, uma coisa que eu achei muito interessante pra dinâmica musical foi a escolhe dos instrumentos em formações pouco usuais, como é o caso do clarone que aparece na faixa “Lagos” e também no tema “Guerra”. Como vocês foram montando essas configurações faixa a faixa? Cada um dos músicos tem um papel muito importante em todas as colaborações, além de você e do Rodrigo que são as únicas variáveis que se mantém ao longo do disco.

O clarone em especifico tem uma história engraçada. O Rogerio toca sax, percussão e as vezes clarone. Algumas semanas antes de gravar ele sofreu um acidente de bicicleta. Inicialmente ele ia fazer uma percussão, mas como se machucou, ele chegou no estúdio todo fodido e falou que podia tentar algumas coisas no clarone por que não ia sentir dor.

Como as ideias eram muito livres e ele estava com a mão machucada, acabou rolando uma inversão. Com isso, o Rogério tocou clarone e o Bruno Buarque (Criolo) fez as percussões.

Eu achei que ele chegou lá com umas ideias bem legais com o clarone. Na hora, fiz um acompanhamento no piano elétrico em algumas partes, depois ele foi com o Anderson Quevedo (sax tenor e flauta) fazer umas dobras de sax e depois colocamos uma flauta… O negócio era nunca falar não e sempre sim para as experiências.

Como o disco foi ganhando esse formato mais estranhão, o kit de percussão do Bruno ficou completamente diferente do “convencional”. Na faixa “Lagos” rola bastante percussão, mas tem butijão de gás, pandeiro em pele de surdo, panela… A gente estava mais na vibe do que na onda de seguir qualquer tipo de padrão de instrumento de percussão.

No estúdio do Bruno (Estúdio Minduca), eu falei pra ele: vamos usar coisas que tradicionalmente você não usa, desde efeitos até instrumentos e isso só foi possível em função da abertura que ele teve. Por isso que o resultado carrega um teor meio incomum, por que nenhuma das música segue um padrão, todas vão atrás desse experimentalismo.

4) Como você acha que a sua vivência no Punk agregou na hora de fazer um som mais swingado? Eu senti uma atenção muito especial aos riffs, pensando no papel do baixo. Tem alguns bem insistentes que se mantém como mantras durante alguns sons e a interação deles com os outros elementos ficou bem casada.

Cara, isso é muito louco. Tocando no Ratos de Porão, junto com o Boca (baterista), a gente já fez música do Ratos ouvindo Thelonious Monk. Essa vontade de experimentar, misturando estilos faz com que essas coisas saiam.

Dá pra pega umas coisas até de Death Metal e vice versa. Eu estava lendo um livro do Death (band) e o Steve DiGiorgio ouvia jazz pra caralho, gostava muito de Jaco Pastorious, por exemplo. Tanto eu quanto o Rodrigo ouvimos muita coisa brasileira e africana, coisas da Fania Records, de música latina e a ideia foi pegar esses swings e misturar com a nossa mão mais pesada do punk

Eu fiquei bem satisfeito com os baixos que fiz. Sobre os riffs, tem bastante influência do James Brown e de Miles Davis. Eu fiz bastante coisa com wah-wah… O Rodrigo fez bateria e percussão e eu fiz baixo, piano elétrico e guitarra. Tem som que tinha guitarra pra caralho, do começo até o fim, mas ai conforme surgiram outros elementos eu fui tirando.

Tem bastante influência do John McLaughlin também, principalmente nos discos que ele fez com o Miles que ele usava muito wah-wah.

Sim, tem aquele disco do Miles de 71 (Jack Johnson) que o McLaughlin abusa do wah-wah.

Exatamente! Foi bem nessa onda que eu fui.

Umas horas no disco eu lembrei do “Dark Magus” (1977) também… Tem uns momentos bem psicodélicos, aliás as guitarras daquele disco são sinistras, de um lado Pete Cosey e do outro Reggie Lucas. Tem o Al Foster também, só maestro.

Sim, esse disco também é muito bom. Foi uma doidera criar as faixas dessa forma, foi uma forma de compor diferente no sentido de criar as bases pensando nos buracos.

Acho que o lance de você não ter a visibilidade de todos os elementos deixou você meio inseguro de certa forma.

Sim, eu tocava as coisas 1.000 vezes no baixo, ai depois ia pra guitarra e ai conforme foi chegando as outras partes a gente mexia na estrutura inicial que eu e o Rodrigo criamos. Ai era um exercício né, de cortar, adicionar, repensar certas ideias…. Foi muito interessante.

5)  Juninho, acho que o ponto mais forte desse disco é a identidade que ele entrega, apesar de dialogar com tantos elementos. Tem Prog, Funk, Afrobeat, psicodelia, Punk, experimentalismo, enfim… Qual é o maior desafio na hora de gravar um disco com tantas influências e mesmo assim manter uma unidade tão forte quanto essa?

Eu acho que tudo isso que você citou das influências apareceu conforme foram surgindo as participações. Quando saíram as 6 faixas, bem cru, como não tinha sopro, percussão e tal, não dava pra saber como ia ficar no início.

O material cru não tinha influencia. Era uma coisa mais Jazz com um pouco de Funk e uma linha mais experimental. Conforme pintaram os outros elementos, ai você vê a quantidade de estilos que a parada acabou envolvendo.

Em certo momento, confesso que fiquei preocupado pra não deixa o disco vira uma bagunça, mas o resultado final ficou massa. Você ouve o disco todo e entende a proposta. E lá no começo, quando a gente fez as primeiras baterias e baixos, eu nunca ia imaginar que um selo ia chegar na gente pra lançar em vinil, foi uma linda surpresa.

Depois do disco pronto a gente lançou na internet e nem sabia disso. Ai depois o pessoal da Zenyatta Records veio falar de fazer o disco em vinil. Com isso, surgiu a necessidade de ver a arte da capa, encarte, enfim. Foi muito legal que você sacou isso da identidade do disco, por que a gente foi com humildade pra fazer o projeto e conforme passo o tempo ele caminhou por vários lugares que nem a gente esperava.

Cheguei na humildade e sem querer fui foda?

hahahaha Eu pego o disco na mão aqui, vejo o encarte, olho quem tocou, depois entro no Instagram do Bufo Borealis e vejo o que tá rolando… As interações, o resultado, tudo foi muito gratificante.

6) Juninho, as liner notes do vinil foram feitas pelo mestre Big Papa (Carlos De La Fuente da Big Papa Records). Ele fez o texto do encarte (que vem no vinil) e escolheu a ordem das tracks. Como foi fazer esse trabalho com o Carlos e como foi o corre de desenrolar as edições em vinil com a ZNT Records?

Eu conheço a loja da Katia e do Carlos desde que abriu ali na 7 de abril. A gente acabou criando um laço e tal, já fiz até uns carretos pra Kátia!

Enfim, nós viramos amigos mesmo conversamos bastante. Falava muito sobre baseball com o Carlos por que ele morou em Miami. Eu já toquei em Cuba e ele é cubano, enfim, os nossos encontros eram assim: a gente ficava falando sobre a vida. O Rodrigo também é bastante influenciado por ele musicalmente. Ele é referência quando o assunto é música.

Eu já fiz várias discotecagens com o Carlos na noite, tocando só Blue Note e tal. A ideia de chamar o Carlos surgiu por que nos discos de jazz antigos sempre tem aqueles textos contando a história da gravação, com uma análise faixa a faixa. Por isso, pra manter essa identidade, fizemos as coisas dessa forma.

Quando eu mandei o material pra ele, as faixas não tinham ordem, ai eu disse pra ele comentar as músicas e pensar na ordem pra gente organizar o disco. Foi total na dele, quando ele mandou o original (todo em inglês) nós traduzimos para o português, mas ainda assim o texto passa a mensagem que ele queria passar, a ideia era ser o mais fiel possível ao que ele escreveu em inglês.

E a parte do selo também veio do Big Papa, o Bufo Borealis é o terceiro lançamento da ZNT. O Carlos disse que eles iam gostar do som e ai apresentou a banda para o Thiago e o Marcelo. Eles adoraram e ai entraram em contato com a gente pra concretizar essa ideia. O Carlos tem muita responsabilidade nisso.

7) Pra fechar, Juninho, valeu pela atenção. Máximo respeito. É sempre uma honra ter a oportunidade de elucidar o som direto na fonte. Gostaria de saber qual sua visão sobre o Jazz depois de ter gravado esse projeto. Costumo dizer que a galera do Jazz foi o primeiro núcleo Punk, por que tem foto do Sonny Rollins usando moecano já na década de 50. Você diria que o Punk é Jazz ou que o Jazz é Punk?

Eu acho que a gente tem que falar que o punk é jazz por que os caras vieram muito antes.

Muito loco você falar isso por que até no Instagram da banda tem uma entrevista que eu fiz com o sob influência (eles tem um selo/editora) e tem até uma fita cacete que saiu junto de um livro e umas das músicas do Bufo (“Guerra”) eu fiz um remix e tá exclusivo pra eles no bandcamp. Dá pra compra a fita direto com eles inclusive.

E nesse podcast que eu fiz com eles, falei sobre política na cena do jazz, com foco nessa luta social, misturando o som com a militância. Falamos muito disso, sobre o corre dos caras, carregando instrumento, indo pra gig no perrengue… Tem um berço ali. Claro que quando o punk surgiu ele veio na rebordose dos anos 70 né, quando os grandes festivais apareceram o jazz sumiu, ficou restrito aos bares e acho que o punk – tanto quanto o jazz – tem algo em comum pela crueza e pela sinceridade.

O público do jazz… Eu tô por fora desse rolê – Por que eu ia ver muito show de jazz no SESC, festival e tal, mas a gente entrar nesse mercado pra fazer show, bom, vamos espera 2022 por que tem que acabar a pandemia, mas espero que o disco abra portas pra gente ser recebido de uma maneira positiva em outro cenário caso essa ponte aconteça.

Resenha sobre o álbum Pupilas Horizontais da Bufo Borealis:

O surpreendente e envolvente Jazz-Punk do Bufo Borealis

Outras matérias de Guilherme Espir No Oganpazan:

Soul: a arte imita a vida nos improvisos do Jazz

Festival Barbada 10 anos – mesmo longe parecia que o Aminoácido estava perto

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