Emicida e Alphonsus de Guimaraens – As Duas Ismálias, apontamentos sobre intertextualidade e o racismo no Brasil
No dia 30 de outubro de 2019, o rapper paulista Emicida lançou o álbum “Amarelo”, uma das faixas do álbum é a música “Ismália feat Larissa Luz e Fernanda Montenegro”. A canção “Ismália” é inspirada no poema de mesmo nome, cujo o autor da poesia é Alphonsus de Guimaraens.
O poeta mineiro, Alphonsus de Guimaraens é parte do movimento literário denominado de simbolismo. O simbolismo é uma escola ou corrente poética que ocorreu entre 1890 e 1915 no Brasil.
A questão central da minha escrita não é a análise da poética de Alphonsus de Guimaraens, mas a intertextualidade entre a canção do Emicida e o poema. Em ambas produções, a personagem Ismália projeta uma representação do feminino adoecido por transtornos mentais e comportamento suicida. Lógico que cada representação reflete o seu contexto histórico-social e étnico-racial.
A Ismália de Alphonsus de Guimaraens, traduz o transtorno mental e comportamento suicida de uma mulher branca do início do século XIX, aparentemente motivado por fatores passionais. Tal interpretação ocorre devido ao significado do nome “Ismália” que no grego significa “desejo de amor”.
Emicida ressignifica Ismália, transformando-a numa mulher negra do século XXI, ou melhor, Ismália para o rapper seria a personificação dos transtornos mentais ocasionados pelo racismo estrutural e como isso impacta na saúde mental da população negra. O seguinte trecho da canção, exemplifica esses transtornos quando o rapper rima “ela quis ser chamada de morena/que isso camufla o abismo entre si e a humanidade plena/[…] a dor profunda é que todo mundo é meio tema”.
A Ismália de Emicida corresponde a 52,9% da população brasileira que são negros e negras. A Ismália representa a lugar social e o lugar simbólico da população negra no imaginário da sociedade brasileira, esses dois lugares contribuem para a manutenção e reprodução do racismo.
O racismo cria a Ismália para Emicida. O racismo materializa-se nos índices de mortalidade da juventude negra (80 tiros te lembram que existe pele alva e pele alvo), no encarceramento em massa da população negra, na alta taxa de suicídio de jovens negros (levantamento do Ministério da Saúde e da UnB publicado em 2019). Todos esses marcadores demonstram que “ter pele escura é ser Ismália”. Portanto, ser Ismália está relacionado ao adoecimento físico e psíquico dos negros.
A temática do transtorno mental e do suicídio apesar de promover uma intertextualidade entre o rapper paulista e o poeta mineiro, apresenta também um distanciamento psicossomático na manifestação subjetiva do poeta e do rapper.
Asante Sana!