Elixir (2015) – Pathos

coverÉ sabido que as águas de Minas Gerais sempre nos geraram excelentes bandas e artistas que em geral marcaram a música brasileira. Recentemente nós estamos aqui pela redação do Oganpazan descobrindo várias maravilhas que nos tem chegado de lá.

Pathos e o seu recém lançado Elixir, nos confirmam mais uma vez, o que aos poucos temos falado aqui em nossas páginas, a música brasileira vai muito bem obrigado. O rock nacional vive talvez seu melhor momento, em termos de qualidade e potência, com bandas maravilhosas que só precisam que as pessoas deixem de ser preguiçosas. É fundamental deixarmos de falar merda e que procuremos nos informar sobre o que gostamos.

Esse quarteto de Juiz de Fora formado por João Pedro Vieria (voz), Ricardo Marliere (guitarra), Lucas Guida (baixo) e Hugo Moutinho (bateria) em seu álbum de estreia provam a tese acima apresentada. O nome da banda corresponde com certeza ao sentimento que esses caras nutrem pelo rock 60 & 70’s, pois é notório a forma como os mesmos se apropriam dessa referência para produzir maravilhosamente o remédio que nós, espíritos livres, buscamos para noites loucas de celebração.

O primeiro pathos que eu tive foi com o timbre sujo, distorcido, magnético e hipnótico da guitarra de Ricardo, o segundo pathos que me atingiu foi da base composta pela entrada amaldiçoada da linha dedilhada do baixo de Lucas e da entrada da bateria certeira de Hugo, escancarando os portais que minha cabeça limitada podia almejar um dia alcançar. Aquela flautinha de Hamelin descarada no início eu só me dei conta depois que tropecei e fiquei bailando no abismo das mudanças de andamento desta porrada chamada Portal que abre o disco. Dai por diante, as próximas músicas serão outros tantos portais, como aqueles que o Herman Hesse cita em sua descrição do Teatro que seu personagem encontra. Sim, ou vocês não conhecem o famoso Harry Haller e o Teatro só para os Raros, só para os Loucos? Pois, a sensação que tive foi a de estar como o personagem adentrando no corredor deste Teatro e suas portas que se abrem para diferentes acessos ao nosso inconsciente.

O estrago estava feito. Eu já com duas na cabeça, ouvindo os solos desta pequena e maldita perola de 2:44, trazendo danos inesperados para o meu sistema nervoso e marcando definitivamente isso tudo na memória. Era o prelúdio e a iniciação para uma caminha de perdição e encontro com a verdadeira natureza da potência que o rock’n roll tem a nos oferecer. Dai por diante meus queridos, poderia ser alarmista e medroso e dizer-lhes que fugissem para as colinas. Mas infelizmente esse não é o caso, quem sou eu para uma vez enfeitiçado lançar mãos de subterfúgios, seguimos o fluxo.

Qualquer caçador de visão sabe que a hora é de assegurar a presa lá onde ela se encontra na mira, e isso a segunda canção consegue fazer com qualquer pessoa que ainda não esteja totalmente embotada. A Haunted Vision traz níveis de subversão cavalar à sua percepção, que será guiada pelo assombro com a qualidade do vocal e compositor João Pedro Vieira. O front line mostrando muito alcance vocal e lá pelos 3:35 dessa canção o que me restava era pedir arrego – isso se eu fosse um junkie babaca. Mas como viciado em deliciosos solos de guitarra eu sigo o fluxo dessa benéfica droga, literalmente como um CsO (corpo sem órgão) que reencontra seu desejo, sua potência de desejar nas linhas de baixo swingadas e lentas que lhe mantem na corda bamba, até a explosão final.

Ufa, finalmente um sossego. Violão e teclados num clima mais contemplativo, acompanhados da bateria, num ritmo onde podemos finalmente parar e observar a bela visão que as alturas para onde fomos levados nos possibilita. Sophie (mulher, sabedoria) casa muito bem com a proposta da banda, quebrando um pouco o ritmo, mas forte como todas as outras. Esse bucolismo nos traz um gosto mais agridoce, que aos poucos vai aumentado para alcançar aos poucos uma maior intensidade, revelando as preocupações da quadrilha. O bando possui preocupações harmônicas e melódicas que certamente os categorizam como uns dos seres mais indesejáveis de nosso território.

Aquele wah-wah que a guitarra berra aos nossos ouvidos poderia facilmente ser tipificado e tornado crime lesa pátria. Pois ele, como todo resto, nos engana para o final estridente e sujo que a guitarra vitoriosamente anuncia, numa mudança de andamento que faz o batera mostrar serviço com seu pedal duplo e ao mesmo tempo convoca a força da banda, com o baixo encontrando suas linhas de apoio e condução de forma maravilhosa e a flauta novamente adornando muito bem a canção.

E então, o inominável, aquilo que facilmente poderia ser chamado de trovão dos deuses. A quarta faixa, Untitled (formerly known as The God), é a junção de Yansã e Zeus de mãos dadas emanados por uma guitarra. Peso, distorção, arrojo, apropriação da tradição, tudo na medida certa. FODA-SE quem acha que estamos vivendo momentos de ressaca ou pobreza em nossa música! SAPORRA diz tudo! Essa música resume tudo o que várias outras bandas vem buscando dentro do cenário nacional. Percussão percutindo em nosso peito, na mesma intensidade das baquetas virando sobre os tons, caixa e pratos. Andamentos virando, paradas e retomadas. Se segure na cadeira que a nossa viagem nunca mais vai parar.

Em tempos de pílulas comercialmente prontas para lhe injetar resultados esperados, as músicas longas não serão aqui comercializadas. Ao contrário leva-se a música onde ela quer ir, e nesse percurso passeamos num frenesi  interno, querendo pular e gritar: “É isso!” Mas a audição atenta busca um pouco além. E nessa atenção se é levado com golpes fortíssimos a outro lugar e deixado lá no u-topos. O sintetizador traz um tempero atemporal, ao contrário do que poderia parecer dado o nicho do rock ao qual a banda se dedica.

Mais adiante somos resgatados por um heavy blues com um título que remete à forças, sabedoria ou deuses antigos: Ankh. E novamente somos reenviados a outra transcendência. Milênios passados, a poderosa cultura dos egípcios, sua sabedoria e cosmogonia. Num jogo de ida e volta ao passado mítico, mas também a um passado mais próximo e que nos legou o blues. Sonhamos com negros e negras de todas as idades e procedências, dançando em meio aos campos de algodão com a cabeça de seus algozes em mãos pro alto. Dançasse o mais lindo dos bailados no contraste entre o sol, o campo branco das flores desabrochadas e os seus corpos negros em belo contraste. A deusa Michonne cortando a cabeça do capataz que pinta de vermelho o quadro que admiramos em câmera lenta, manchando a brancura da ignorância. Não sei porque mas foram essas as imagens que me vieram à cabeça.

O triunfo está ao alcance de todos que puderem negociar com a tradição e fazer dela um futuro à base de camadas e mais camadas de esperança. E isso o Pathos tem de sobra. O cultivo pelo pathos da distância, a força de afetar o amor pela música. Isso fica tudo muito claro.

Impressionante o trabalho dos instrumentistas desse clã, The Wanderer se apresenta como uma música de puro contraste com as outras, meio indefinida em sua proposta, mas plenamente compensada e justificada em sua execução. É grunge, é um puro delírio hard ? Não. É música da mais pura qualidade. Uma fusão de varias influências que nessa faixa se deixa apresentar mais livremente. A quantidade de variações e de força que essa música recebe de lugares insuspeitos (pelo menos para nós) assegura seu lugar no disco de forma plena. Como o título sugere, a música se constrói da mesma forma que os verdadeiros caminhantes. Num processo de busca e descobertas inesperadas. O caminho se faz caminhando.

A beleza de Sequel está na reunião de todas as impressões que relatei acima, mas indo além e mostrando a capacidade dos meninos em dialogar com nossas expressões mais próprias; como o baião por exemplo. Forte, bonita, reafirma tudo que ouvimos no disco e aponta que além de sequência é também resultado. Versatilidade maravilhosa, resultado delicioso ao trazerem o trompete de Wagner Souza.

Eu lembro repentinamente do que se cogitava sobre a baixa qualidade da música em tempos de internet, e sobretudo me ocorre aquela cantilena sobre o quanto o rock nacional carece de boas bandas. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Uma risada também mata, mas o mata-rato é esse som. A sequela é grande e puta-que-o-pariu! Que porrada! Riffs excelentes e uma cozinha de responsa.

Se não houvesse rock nacional o Pathos teria inventado. Mas tem! E a muito tempo possuímos sim uma forte tradição roqueira, apesar da alma e da identidade brasileira ainda não o ter incorporado direito. A paixão exercida e a qualidade de execução dessa galera é explícita para quem tem ouvidos e está precisando ouvir esse Elixir preparado para transformar os seus dias, matar o tédio e prometer um futuro pleno. Vocês precisam ouvir isso aqui!

Ficha técnica completa

Voz – João Pedro Vieira

Baixo – Lucas Guida

Bateria – Hugo Moutinho 

Guitarra – Ricardo Marlière 

Flauta – Gabriel Vaz Duque

Percussão – Gustavo Campos

Mellotron/Orgão /Sintetizador – Arthur Damásio

Trompete – Wagner Souza

 

Gravado no Estudio Verde

  • Capa – Herman Faulstich
  • Produção Executiva – Ricardo Marlière
  • Masterização – César Santos
  • Mixagem – Arthur Damásio
  • Produção – Pathos
  • Gravado por – Arthur Damásio, Vinícius Faza (Flautas em Sophie)

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