Edi Rock e Xande de Pilares: O Hip Hop deve ensinar a correr das armadilhas, uma cultura que pode e deve auxiliar na educação dos nossos jovens
A música é parte fundamental da nossa educação sentimental, através da música assimilamos boa parte de nossas ideias e somos levados a pensar ou repensar opiniões, conceitos, impressões que tinham constituído nossa subjetividade. Há muitos relatos de como determinada cultura musical revoluciona mentes, dentro do contexto do povo negro são imensos os casos em que é a arte a responsável por incutir consciência racial, política e social.
Como educador negro da educação básica, é natural que dentro das minhas aulas a cultura hip hop sempre esteja presente, como conhecimento através da qual é possível levantar uma série de problemas que nos afetam cotidianamente. Quem lida com a educação pública no Brasil entende ou deveria entender entre outras coisas, o quanto é parte do nosso trabalho situar nossos alunos em uma perspectiva de construção de horizontes de mudança. Historicamente sucateada por todos os meios possíveis, a educação pública brasileira é feita hoje para desmotivar todos os envolvidos nela diretamente.
Talvez diante de tantos problemas estruturais, nós educadores, pais, mães e responsáveis, devamos buscar construir um ambiente minimamente sadio e motivador, para que alcancemos nossos planos de aprendizagem. E nessa missão, as expressões artísticas do hip hop são elementos fundamentais para criar interesse e engajar nossos jovens no processo de ensino e aprendizagem.
O rap nesse contexto, como uma das expressões da cultura hip hop, é geralmente uma ferramenta muito interessante para trabalharmos a autoestima necessária aos nossos educandos. De modo a conseguir problematizar questões da base curricular e ao mesmo tempo estimulá-los para que sigam numa “correria” rumo a um horizonte que sempre teimará em se afastar.
O rapper Edi Rock lançou recentemente o primeiro single de seu novo disco, com previsão de lançamento para esse ano. Junto com o bamba Xande de Pilares, a música “Corre Neguin” vai muito nessa relação de trazer aos nossos jovens negros e periféricos a sagacidade necessária pra não entrarem para as estatísticas. A força da música está no nosso ponto de vista, exatamente na relação onde dois pretos velhos talentosos(artistas/educadores) e que alcançaram sucesso em suas carreiras, chamam a atençâo do neguin para as armadilhas que o sistema tem montado para ele. Um verdadeiro exemplo de educação sentimental, da possibildade de um despertar da consciência através da cultura hip hop.
Arte e vida não cansam de nos mostrar relações que muitas vezes, quando nos relacionamos com a música apenas como entretenimento, não conseguimos perceber. A carreira solo de Edi Rock é um dos grandes pilares da música rap brasileira, assim como sua caminhada junto aos Racionais MCs, que dispensa maiores apresentações. Em seu primeiro disco solo, Edi Rock lançou uma música: “Correria”, que me embalou nos tempos do meu primeiro trampo como entregador de cosméticos. antes de entrar na faculdade e me tornar um educador. Nessa música, temos um exemplo de como música/arte e educação podem nos servir para pensarmos nos nossos mais novos.
Na faixa “Correria” Edi Rock trazia dois excelentes mcs: Lakers e a jovem promessa Pulga do ABC. O mc de Santo André já tinha feito uma pequena participação em Mágico de OZ, vindo de uma caminhada de sofrimento como morador de rua e dependente quimíco. A tentativa óbvia ao reconhecer o talento do moleque, foi o de oportunizar um espaço de regeneração e progresso.
Infelizmente, apesar de ter lançado alguns singles solo depois dessa visibilidade alcançada, o corre não virou pra ele. Hoje, Pulga do ABC se encontra como Missionário Adílson, proferindo a fé cristã que lhe resgatou dos problemas com drogas.
A música “Correria” trazia exatamente a ideia que utilizamos na introdução desse texto, a necessidade de libertarmos nossas mentes, de “traficar” informações para os nossos mais jovens. De através da educação/hip hop também possibilitada pela música, afetivamente criarmos uma disposição em nossos jovens de vencerem todos os obstáculos que são colocados, propositalmente em sua frente. Da mesma forma que na educação formal é necessário instrumentalizar uma juventude negra e periférica com ferramentas para a construção de um futuro coletivo.
É incrível que hoje, vivendo o tempo da informação online, onde podemos ter acesso aos conteúdos de quaisquer que sejam as disciplinas, muitas vezes as práticas educacionais estão ainda voltadas para um conteudísmo massacrante e anacrônico. Descolado da realidade em que vivem os educandos, tais conteúdos não fazem sentido, pois não se vê em sua absorção uma meta, um horizonte de sentido para tais conhecimentos.
A cultura hip hop, dessa forma encontra na transgressão das normas e nas ideias de subversão do status quo, um ponto fundamental de encontro com o a vitalidade das nossas crianças e jovens, no processo pedagógico formal que operamos nas escolas públicas. Ensinar os nossos meninos e meninas a correr pelo certo, a construir estratégias de fuga das armadilhas que o estado genocida brasileiro nos arma, é esssencial. Uma vez que consigamos demostrar o contexto histórico, social e politico e construir um horizonte comum, em que nos localizamos, as displicinas passam assim junto aos seus conteúdos a ter uma razão de ser.
O jovem rapper baiano Vírus, tem alcançado relevância na cena local, sempre apresentando clipes de seus singles solo, ou junto a sua banca Lápide Rec, com excelente qualidade lírica e abordando problemas importantes. Curiosamente, pouco antes do lançamento da faixa “Corre Neguin“, ele lançou seu novo single “Corre Corre (2019)“. A faixa dialoga perfeitamente com as músicas acima citadas, assim como a ideia de que a vida de um jovem negro precisa estar informada e focada no contexto, na conjuntura e na história em que se insere.
De algum modo, Vírus, jovem rapper negro de Salvador, incorpora num diálogo virtual com as músicas de Edi Rock, “Correria” e “Corre Neguin” todo o aprendizado necessário. Na letra deste no single, o artista canta: “Mano eu sou filho de Kemet, não eu não quero seu Henessy“, uma linha que comprime tudo que é necessário: consciência racial, seriedade e conhecimento histórico para correr pelo certo. Você pode assistir o vídeo clicando aqui.
A correria dentro da indústria cultural, assim como a educação no nível formal, se encontram na obstaculização para os sucesso de jovens negros. É nesse sentido que o clipe apresentado por Edi Rock e Xande de Pilares se faz tão bonito e necessário e comunicam com as expressões mais “novas” do rap nacional. Se não se dialoga virtualmente com a tradição não é novo.
Num momento onde boa parte da produção de rap fala em ganhar milhões, eles trazem um sopro de vida no sentido amplo. A visão e os signos que o clipe nos apresenta, joga muito mais com a questão do aprendizado e da conquista de dignidade, do que com falsas promessas de sucesso financeiro, que bem sabemos, é algo muito díficil para a maioria.
É preciso que aprendamos a correr de uma série inenarrável aqui nesse texto, de obstáculos e armadilhas, que a juventude negra enfrenta. Problemas muitas vezes amplificados tanto pela escola como pela indústria cultural. O trabalho é extremamente árduo, mas os exemplos e as estratégias estão dadas.
A busca pelo conhecimento precisa estar vinculado em um projeto negro de emancipação intelectual, social e politico, e necessitamos hoje mais do que nunca inventar esse movimento. Seja nas escolas, nas comunidades, seja na música, o caminho vem sendo trilhado, mas falta muito ainda, e nossa função segue sendo essa: escurecer o papo, na sala de aula, na internet, por todos os meios necessários.