Um dos DJ’s há mais tempo em atividade no Rap baiano, DJ Gug lançou o disco Scratch Percussivo, embebido no candomblé!
O grande DJ Gug é um dos artistas mais importantes para se entender os últimos 25 anos da música negra baiana. Parte integrante da constituição e dos desenvolvimentos da atual música contemporânea na Bahia, o rap possui uma história subterrânea, pouco conhecida em seus inícios. E desde os seus primeiros passos mais vigorosos em termos de produção, o DJ Gug estava lá, seja como DJ ou como beatmaker e produtor. Agora, toda essa caminhada desaguou no disco Scratch Percussivo.
Primeiro disco, mas que carrega toda uma história de mais de duas décadas de pesquisa e produções espalhadas por diversos clássicos do rap baiano. DJ Gug fez parte de um dos grupos seminais do rap baiano, o grande “Império Negro” com quem lançou um EP e dois discos ainda nos primeiros anos do século XXI. Mas também tem um currículo de produções como beatmaker e DJ com pilares da nossa cultura como Velório Negro, Okaris, Versu2, DaGanja, OQuadro e muitos outros grandes trabalhos!
Junto a essa caminhada pelo rap, existe a atenção e a formação com raízes na percussão e na música baiana de mestres como Neguinho do Samba, Mestre Prego, Bira Reis, Mestre Moa do Katendê, Letieres Leite e Mestre Jorjão Bafafé com quem inclusive trabalhou e se apresenta junto no projeto Candomblackesia. Ora, é deste caldeirão de ritmos afro diaspóricos, poesia preta, flows e batidas que DJ Gug com suas pick-ups rasura e expande criativamente a sua e a nossa história com o seu Scratch Percussivo.
Em sua primeira mixtape que possui o nome de Scratch Percussivo Vol. 1 lançada 4 anos atrás é fácil perceber esse processo de pesquisa. Neste tubo de ensaio o mestre DJ Gug já coloca pra jogo samba reggae mesclado a Batatinha com batidas modernas do trap, timbragens contemporâneas tudo isso em um cuidadoso processo de composição. Não por acaso nesta primeira mixtape a faixa de abertura é uma homenagem ao mestre Moa do Katendê, que tinha naquela altura sido brutalmente retirado de nós e hoje descansa em honra no Orum.
Como o leitor iniciado nas produções e na história da Roma Negra já denota dos parágrafos acima, o trabalho de DJ Gug em Scratch Percussivo (2023) é um caldeirão que reúne tudo acima citado e mais. O disco de estréia desse mestre da cultura hip-hop baiana apresenta uma marca própria que dialoga com a originalidade do rap baiano que foi o primeiro a produzir bases de rap transportando os toques do candomblé para os beats. Mas obviamente vai além, reunindo veteranos construtores ativos do rap e da cultura hip-hop local e uma parte da nova geração.
A música que abre os trabalhos como não poderia deixar de ser pede caminho a Exú, “Início do Fim” com samples de Opanijé, batidas fortes dos atabaques, do agogô temperados na produção de Gug. Sob a batuta do maestro DJ Gug, “Ijexás” reclama rítmica e discursivamente, através da inserção de samples contra a exclusão do protagonismo negro na música brasileira. Trabalhos como esse, e sobretudo artistas como DJ Gug são em seu fazer estético responsáveis por nos fazer lembrar – para os que estão desatentos – da importância de estarmos sempre ligados nas iniciativas e produções culturais que são as formadoras de uma tradição de resistência aos pagamentos, às exclusões que vão se operando ao longo do tempo. A história é sempre contada pelos vencedores.
Seguindo uma ordem importante e que pode passar batida, os disco que começa com um pedido de benção a Exu, segue com a segunda faixa afirmando a negritude através do Ijexá, tem no seu terceiro ato a participação das N’Sabás. O coletivo de mulheres negras artistas baianas formado por Amanda Rosa, Má Reputação Pretta Letrada, Ludmila Singá e DJ Belle, são as responsáveis líricas e pelo flow do trap pesado de “Folhas Sagradas”.
“Eu olho pra lua e caio no pensamento, Eu salto pra rua e piso no contratempo, a procura da cura eu amarro meu corpo no cipó do pertencimento” Nelson Maca
Parceiro de inícios de sua trajetória, Xarope MC com quem formou o Império Negro, se junta a Tauamin Kuango e Sérgio Akueran na faixa “Uma Flecha Só”. Bonita e forte homenagem a Oxossi, a faixa se destaca pelas viradas rítmicas mesclando batuques e beats, produzidos por DJ Gug e ao mesmo tempo pela reverência ancestral atualizada aos nossos problemas atuais.
Em seguida, “Saúde Obaluaê” traz o poeta Nelson Maca (com quem Gug e Jorjão Bafafé fecham no projeto Candomblackesia) e o Mano Teko. Aqui DJ Gug, abre o leque e para receber bem a dupla de poetas mete um funk mesclado a samples de cantigas ancestrais, uma aula onde DJ, poeta e funkero mostram a potência de uma saúde que não separa estilos musicais e culturas pois entende a origem comum.
Com os panafricanistas do Fúria Consciente, DJ Gug solta o “Grito de Liberdade”, música que traz a história de lutas do povo negro que estão sendo esquecidas, como a Batalha do Joanes. Um ponto a se destacar em Scratch Percussivo é a integralidade do DJ Gug enquanto produtor musical, beatmaker e DJ, e a passagem para a faixa seguinte “Humanitude” que traz o grande MC Gaspar (Z’África Brasil) mostra isso, através dos riscos percussivos que fazem a transição de uma música para outra, mixando com perfeição mantendo a batida e inserindo samples pesados, apesar do “youtube”.
Trabalhar as práticas rítmicas que atravessam sua cidade e consequentemente sua vida, o seu trabalho, seus estudos, mostra a expertise e a criatividade acurada de DJ Gug. Em “Aroma Remix” o maestro recebe Issa, artista local que tem trabalhado dentro da sonoridade do reggae e da música preta, produzindo uma faixa que traz um sabor reggae, dub style para o álbum. Na sequência, uma bela homenagem poética ricamente ornada de texturas sonoras oceânicas para Iemanjá, na experimental “Presente Odoya”.
O disco se encerra em uma sexta feira ancestral, e como tal com a saudação a Oxalá: “Ajayo”. Tal escolha demonstra o apuro conceitual presente na construção de Scratch Percussivo (2023) que coloca os elementos musicais, ancestrais, a força da criação e as mensagens em uma ordem que respeita a tradição e que se quer radicalmente contemporâneo. Nesta última faixa, o Opanijé (Lazaro Erê e DumDum Afolabi) rimam pesado enquanto DJ Gug produz um beat cabuloso, no groove e no peso, nos ornamentos e nas quebras rítmicas. Uma belíssima homenagem ao criador da vida humana e símbolo da paz.
O ouvinte atento e que possua os ouvidos abertos a outras produções, a criações originais e não a meros pastiches de sonoridades estrangeiras, encontrará em Scratch Percussivo não apenas um disco recheado de música criativa. Encontrará aqui um caminho, uma seara cultivada pela história da música preta baiana e mundial e colhida de modo magistral por DJ Gug, ele também um dos plantadores. Aqui o movimento é dialético, pois encontra-se no mesmo plano produto e produtor.
Em sua caminhada DJ Gug, um jovem negro e periférico do Cosme de Farias, encontrou na cultura Hip-Hop o seu lugar no mundo, fez das suas raízes ancestrais presentes no candomblé e na música afro baiana, elemento de estudo, devoção e diálogo com a cultura afro-diaspórica das Américas. Hoje, aquele jovem que encontrou na música uma linha de fuga do genocídio e das violências do estado supremacista branco brasileiro, nos oferta um trabalho importante. Aqui ele soube bem juntar e expandir toda a nossa herança e a sua construção em um potente Scratch Percussivo.
Um trabalho de relevo, mais um para o currículo do mestre DJ Gug, sim um mestre!
-DJ Gug um dos maiores DJ’s do rap baiano lançou o seu Scratch Percussivo
Por Danilo Cruz