DaGanja MC lança “Um Quarto do Mundo”, trazendo diversos feats e uma gama de novas sonoridades, apresentando um artista sempre atual!
“Quem não respeita o Groove, não alcança a glória” Max B.O
Em seu quarto álbum, DaGanja nos apresenta um trabalho sólido e atual esteticamente, reunindo amigos de longas datas e parcerias novas. O que seria um despretensioso EP, na medida em que foi sendo produzido na Aquahertz fez emergir um vulcão criativo de letras, rítmicas, vontade de experimentar e o resultado chegou com as 12 faixas que compõem “Um Quarto do Mundo”.
Após mais de duas décadas de plena atividade no cenário do rap baiano, com uma atuação que ajudou a moldar o cenário atual, DaGanja segue sempre atual. Verbo de Malandro, Afrogueto e Testemunhaz são grupos que fazem parte de um dos currículos mais pesados da nossa história. As origens no samba duro/junino, o diálogo com o pagodão baiano como compositor e MC, são outras vertentes que sua generosidade criativa nos legou.
Observar a caminhada de DaGanja é colocar a própria história da música baiana no século XXI em perspectiva. Um dos nossos mestres, um artista rico de vivências e sobretudo de produções que ajudaram a consolidar a linguagem original do rap baiano, seja com as experimentações com banda no Testemunhaz, seja com o prêmio Hutuz de melhor grupo nordestino junto ao Afrogueto, seja com o seu pioneiro envolvimento no cenário do pagode com composições gravadas por Psirico e Igor Kannário.
Com a família UGangue ajudou na manutenção criativa e no endurecimento de uma pegada mais gangueira e direta, numa aliança que nos presenteou com duas mixtapes. Como produtor cultural foi responsável por trazer nomes de peso para apresentações na cidade. Hoje um artista que aos 42 anos, pai de uma linda menina, segue atualizado, com a chama da criação acessa e muito respeito à cultura hip-hop da qual é um dos nomes mais fundamentais do país, independentemente do desconhecimento dos MC’s fake da nova geração.
É toda essa trajetória que encontra nas produções de Marcelo Santana (Aqua Hertz) junto ao próprio DaGanja, com beats também do Raonir Braz e do Raffa Munhoz, os territórios sonoros diversos por onde o MC desfila suas líricas e flows. Um aspecto dessa diversidade criativa do artista que se faz presente em porções diferentes ao longo de sua discografia e que em “Um Quarto do Mundo” é encontrado em sua forma mais bem acabada é a capacidade de Daganja de rimar assuntos da rua e temas mais leves e positivos.
Ao longo das 12 faixas deste novo lançamento, o ouvinte vai do drill ao pagodão, do funk ao trap e ao trap pagodão. Construindo desta forma uma paisagem sonora que mescla peso e leveza, que encadeia rítmicas diversas e adequadas a pista e ou a reflexão. Abordando temas amplos em um quadro que dialoga e expande a capa do disco, produzida por seu parceiro de longa data, o design gráfico Rangel Santana que utilizou as novas tecnologias de IA (Inteligência Artificial) como recurso criativo.
Aquele moleque sentando com a favela de fundo e os fones de ouvido, recebe aqui um manual, de como envelhecer sem se tornar um otário reaça, de como enfrentar a violência racial na Roma Negra, de como amar, de como se portar, enfim de como viver bem e focado em objetivos de crescimento pessoal e coletivo. Porém, aquele moleque um dia foi também o próprio DaGanja e de certo modo ainda o é, pois artista que segue criando com o prazer da “brincadeira” com as palavras e ritmos, sem preconceito, sem se endurecer.
“Na fé tô preparado para o que vier, nunca foi fácil mas eu tô de pé, minha liberdade faço o que eu quiser” DaGanja
Longe do discurso meritocrático ou de luta para alcançar o topo, DaGanja abre o disco com um drill cortesia do Marcelo Santana e em parceria com Ravi Lobo – parceiro de vida e da UGangue – refletindo sobre a retidão necessária para resistir a um mercado cultural alienante. Há a consciência de que fazer arte enquanto homem preto e periférico no Brasil é uma profissão de fé, independente de qual o gênero musical. “O Que Eu Quiser” é uma afirmação de tudo vivido até aqui, e Ravi complementa essa visão com rimas que exaltam a vida, a família, a luta, a renovação do ser humano e a ideia de que um “preto vivo é a voz de um milhão”.
A música após o interlúdio de uma oração – feita por uma mais velha – “O Amor Primeiro” é um outro drill e segue a linha de escurecer as ideias, onde o dinheiro é resultado de trabalho, não objetivo final. O interlúdio seguinte na voz do grande Milton Gonçalves, é uma exortação ao jogo da vida, uma metáfora poética que resume bem o que é de certo modo a trajetória do DaGanja até aqui. A chama criativa que nunca se apagou apesar dos poderosos sopros com o qual o sistema tenta lhe apagar física e espiritualmente.
O beatmaker, MC e produtor Raonir Braz é o responsável pelo beat de “Vai Subir” onde o groove do pagodão aliado ao trap cadencia a letra que segue agora para o alerta agora para as estratégias da branquitude supremacista para o prosseguimento do genocídio negro em nosso país. Blequimobiu aka Mobbiu aka Rangel Santana, cola com DaGanja na faixa dos coroas apreciadores da flor e da transgressão sexual na música “Praia e Maconha”, música auto explicativa e com o beat funk do Raffa Munhoz.
As boas energias, vibrações e as ideias de paz – que não estão aqui como representantes de uma alienação good vibe, namastê – prosseguem na música seguinte “Vem Tranquilo” que conta com a participação do Pump Killa. Aqui a erva sagrada é utilizada como substância capaz de fazer com que a auto reflexão nos leve a uma outra ética, a uma outra política. Jorginho Barbosa (Psirico) é o responsável pelo refrão desta música e da faixa “Tá Bagulho Louco”, parceiro de longa data do DaGanja que entrou muito bem na sintonia e mandou o: “Vem tranquilo, vem leve, com amor no coração”….
Neste trabalho, além de velhos parceiros como Ravi Lobo, Mobbiu e Pump, DaGanja traz um novo valor da música soteropolitana, o jovem ÉL MK. O interlúdio é uma espécie de apresentação do contato entre DaGanja e o jovem ÉL MK, que é cria de São Marcos e é um funkeiro de Salcity. DaGanja recebeu a dica do jovem talento através de um amigo do trabalho “oficial” na área industrial que o artista exerce, e de acordo com DaGanja assim que o amigo lhe mostrou o trampo do ÉL MK lhe veio a vontade de gravar com o jovem.
Essa parceria talvez uma das mais significativas do trabalho exatamente por essa conjunção de gerações aparece na música “Só Fé”, a dobradinha tá fina e o ÉL MK além de uma voz que pega, apresenta rimas e um flow muito bons. A 9º faixa de “Um Quarto do Mundo” apresenta uma excelente e nova parceria entre DaGanja e Marcola Bituca com a música “A Música, A Chama”, onde a dupla dá razão a quem entende esse novo disco como mais alguns passos com a tocha da criação acessa.
“Hoje eu não perco sono, minha morada é Netzach, Amor eu tenho alma, com a canção eu vou lá buscar” Marcola Bituca
O beat criado por Marcelo Santana (Aqua Hertz Corporation) cria um clima muito envolvente com a batida do trap cadenciando para os MC ‘s versarem. Os dois MC ‘s fazem críticas muito profundas às relações entre música e dinheiro, e consequentemente a indústria cultural fruto do capitalismo racista em que nós vivemos. Partindo de pressupostos diferentes eles encontram-se na força da poesia e da verdade de conceitos que se provam pela conduta e sobretudo pelas suas próprias obras.
Com a música “Tá Bagulho Louco”, DaGanja batiza Max BO em sua residência atual em Salvador, amigos de longa data, a dupla “rivaliza” na potência de dois nomes que diante de quaisquer que sejam os grooves metem a louca. Max BO – um dos MC ‘s mais importantes do rap nacional – mostra total condição em transitar por uma Salcity no beat trap pagodão envenenado do Marcelo. A faixa seguinte “Gueto”, que recebeu um excelente audiovisual, DaGanja mostra muito bem que sabe como funcionam as substâncias, os modos e os atributos que constituem os guetos de Salvador.
O disco se encerra com uma das músicas mais gostosas e corajosas do discos, o remix do Marcelo Santana leva a música “Até de Manhã” de um reggae – lançado quando o projeto ainda era um EP – para um pagodão carinhoso e onde DaGanja abre o peito para a sua companheira. Em um momento onde o pagodão trabalha em 99% dos casos em uma lírica de putaria – o que não tem nenhum problema além do caráter monotemático – ele que foi o verdadeiro pioneiro a abrir um diálogo com o pagodão, faz um bem romântico.
É bom que se diga que nessa faixa DaGanja canta e muito bem, sobre o cotidiano de um casal comum, ele que é casado com uma das pioneiras e uma das primeiras artistas a lançar um disco no rap nordestino: Mahara. Atualmente, Mahara exerce a função de professora e o casal possui uma filha linda. Isso aqui é um breve retrato do que “ Um quarto do Mundo” representa muito mas muito além do hype, a vida de um homem negro fundamental para um cultura, que retira de suas vivências, do seu trabalho “off arte” a força e as condições para continuar produzindo.
Em “Um Quarto do Mundo” eu desconfio que Daganja tenha executado talvez o seu melhor disco até então, neste álbum o artista conjugou o lado pista de Bonde 36 (2017) com o lado rua de Entre Versos e Prosas (2008) e sua pegada pagodeira. Aqui ele atualizou de certo modo o projeto que nunca saiu onde ele iria trabalhar com banda, pois encontrou um homem One Man Band – Marcelo Santana – que lhe deu um disco todo produzido sem sampler.
Dia 16/06 tem show de lançamento do disco no Pelourinho com todo o elenco do disco completo e em um evento gratuito. Vai ser meteção de dança e bate cabeça, como é o rap da Bahia, graças também a DaGanja!
-DaGanja lança disco novo: “Um Quarto do Mundo” e segue permanecendo atual!
Por Danilo Cruz