As Cigarras continuam em seu ritmo alucinante de novos lançamentos em 2020, enquanto os Ovos Presley lançam um clipe de uma de suas músicas mais conhecidas.
Desde que me entendo por gente estou constantemente pesquisando sobre novos sons. Conhecer novas bandas, novos álbuns, novos filmes e documentários sobre música sempre foi uma constante e a quantidade de novas “descobertas” sempre esteve condicionada aos recursos disponíveis para realizar essas pesquisas.
Com o advento da internet e a migração da produção musical para ela, permitindo o acesso a um volume de materiais humanamente impossíveis de serem conhecidos em sua plenitude, passamos a ter a falsa ilusão de poder conhecer o que quiséssemos. Ledo engano, pois existe a mão invisível do algoritmo direcionando nossas buscas. Além disso, em meio a esse oceano de informações, a dificuldade de encontrar bandas que despertem nosso interesse acaba sendo mais difícil, por incrível que possa parecer.
Por isso mesmo conhecer algumas bandas, muitas vezes, é obra do acaso, depende de estamos navegando pela net e esbarrar bandas, músicas, álbuns, clipes, etc. As Cigarras conheci nesta matéria feita por nossa colunista Déia Marinho. Bateu onda de imediato, desde então venho acompanhando o trabalho das minas.
E olha, precisei ficar ligado, porque 2020 foi o ano das Cigarras. Lançaram o EP homônimo no início do ano pela Zoom Discos, que também fez uma edição limitada desse trampo em 7 polegadas. Nos primeiros meses da quarentena lançaram o clipe de Horizontal. Em setembro lançaram o clipe do single Paranóia de Fumo, que foi lançado oficialmente numa live do Oganpazan, transmitida via Instagram do site no dia 24 de setembro, confira aqui. Recentemente lançaram o single Etnocídio, um grito de guerra contra o extermínio dos povos indígenas na América Latina.
Confira a matéria do Oganpazan sobre Etinocídio aqui. Ainda tiveram fôlego para mais um lançamento antes do fim de 2020. Em dezembro lançaram o clipe da música Gato Bagual, que faz parte do primeiro EP da banda lançado em 2018, intitulado Alma de Nóia. O termo bagual é usado para definir um animal domesticado que teve sua natureza selvagem despertada por algum evento vivenciado, que destrói as amarras condicionantes da domesticação, dando vazão aos instintos primitivos, liberando os desejos das grades morais que os retinham.
O habitat das Cigarras é a noite, sua filosofia de vida a Boêmia, por isso mesmo a liberdade experimentada pelo Gato Bagual, significa essa inserção neste território selvagem, no qual os desejos prevalecem por completo sobre a razão. Tudo isso nos é apresentado numa música cheia de tensões, fortemente alimentadas por uma balada de apelo emocional, cantada de modo a lembrar as cantoras gitanas da Andaluzia.
O clipe segue uma estrutura bem simples, mas que funciona muito bem como experiência audiovisual. Isso porque as cenas alternadas entre as minas reunidas diante de uma casa, com as imagens sob efeitos psicodélicos, closes nas bocas cantando e cenas de gatos em seus roles noturnos. Esse comportamento típico de gatos é bem captado pela música. São animais que por mais domesticados que sejam, curtem sair pela noite pra aprontar das suas e voltar para casa pela manhã, naquela condição típica de quem passou a noite toda trocando a saúde por momentos deliciosos de prazeres etílicos e carnais. Confiram o clipe:
Já a Ovos Presley conheci faz um tempo. Na segunda metade dos anos 2000, Marcelo, um amigo completamente imerso no universo punk/ hardcore botou pra rolar, num desses roles de birita, tira gosto e conversa fiada, o álbum A Date With Ovos (2004). Eu, já fã de The Cramps pirei imediatamente com o som. Foi a partir da Ovos Presley que tomei conhecimento da existência de toda uma cena psychobilly no Brasil, tendo em Curitiba seu celeiro.
Em atividade há quase três décadas, a banda estava mais concentrada em fazer shows e agitar em cima do palco. Contudo, a pandemia impôs a todos nós o isolamento social, o fechamento de casas de shows por tempo indeterminado, as que abriram operam com número aquém do ideal, importante determinação para evitar aglomerações, e ainda há os protocolos sanitaristas que exigem o distanciamento. Quem está fazendo shows evita que o rombo no orçamento seja completo, porém, não encontra a satisfação de tocar ao vivo.
Assim, os caras decidiram produzir e lançar algo novo, um videoclipe de uma de suas músicas, trata-se de A Maldição do Lobisomem, do álbum Psychopunk’a’billyboogie (2012). O clipe usa como referência visual o cinema de terror das primeiras décadas do século XX. Período em que o visual do cinema era mais sombrio, também por conta das limitações técnicas da época.
O clipe funde o universo do Frankenstein e do Lobisomem. Vemos um médico insano preparando uma substância para ser aplicada a uma pessoa presa a uma mesa. Eletrodos estão ligados às suas têmporas, o chapéu no formato de casca de ovo indica ser um dos membros da banda. O vocalista, Ademir Wisbeck , pois quando aparecem as cenas da banda tocando em um cemitério, o vocal é quem está caracterizado como a fera.
Uma vez que a letra é um lamento sobre os infortúnios de viver sob os desígnios de tal maldição, fiz a leitura de que encenação no laboratório mostra a tentativa de livrar o homem da maldição que o perturba. Confesso, entretanto, que demorei por me decidir por esta versão, já que também é possível considerar que a intensão do médico louco é conduzir um experimento que transforme sua cobaia no lendário monstro.
Seja qual for sua interpretação do roteiro, o importante é que ambas ilustram bem a letra da música. Esse psychobilly veloz, dançante e cheio de energia.