Buster – Still On The Road (2018)

Desde 2003 se mantendo na estrada, a Buster, banda de skate hardocre soteropolitana, lança o primoroso Still On The Road, álbum feito para deixar sua marca noa anais do underground nacional. 

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Minha adolescência transcorreu ao longo dos anos 90 em Ponte Nova, cidade do interior de Minas Gerais, que oferecia pouquíssimas opções de lazer para adolescentes interessados em mais do que fazer parte de grupos de jovens das paróquias, ir para festinhas caretas dos colegas da escola, animadas, se é que isso é possível, por aquele monótono ‘rock nacional’ cujo centro nevrálgico estava em Brasília.

Lembro que num determinado momento o skate foi introduzido nesse micro universo interiorano, expandindo os horizontes de parte da massa de jovens da cidade em termos de opções de curtição realmente pungente. Junto com o skate veio o rap e um seguimento do hardcore pouco difundido por aquelas paragens.

Conheci bandas como NOFX, Pennywise, The Adolescents, Descendents, Bad Religion e Agent Orange quando estreitei laços de amizade com a galera que se interessara pelo skate. Confesso que a aproximação foi motivada mais pela música do que pelo skate.

Isso criou um novo nicho sociocultural na cidade e as reuniões para os roles de skate sempre levavam a interações as mais diversas, havia festas, troca de ideias sobre as bandas, sobre a prática do skate e mais tarde o surgimento das primeiras bandas de rock ligadas a estas interações.

Particularmente, trago comigo até hoje a memória afetiva daqueles tempos, sempre reavivada quando ouço bandas diretamente influenciadas pelo hardcore californiano de meado dos oitenta, estendendo-se ao longo dos noventa. Essa sensação veio eruptivamente quando escutei o álbum Still On The Road, da banda soteropolitana Buster.  

O álbum, lançado oficialmente no dia 08 de agosto, possui qualidade técnica impecável. Podemos constatar o cuidado em todos os processos de elaboração do álbum, desde a composição das estruturas musicais, das temáticas abordadas nas letras, passando pela gravação, até a mixagem e masterização. Tal apuro reflete na sonoridade clara e limpa da banda, que realça o elemento melódico, cerne do segmento do hardcore praticado pela Buster.

Essa clareza se reflete também na capa do álbum, o que nos leva a inferir a intenção da banda em subliminarmente presentificar na imagem da capa o teor por ela envolvido. A escolha de cores quentes para preencher a arte denota essa intenção. As pistas acerca da identidade sonora da banda se fazem presentes desde a capa, um radiante por do sol californiano.

Nas letras a banda faz crítica social, política e cibernética, porém a ênfase fica no modo como  encarar a existência, seguindo por uma vertente mais cronística. Do ponto de vista conceitual, o álbum ganha uma dimensão abrangente, no que diz respeito ao teor das faixas.

Comecemos pela forte crítica à forma como a existência virtual contamina, e mesmo vem substituindo, a vida real. Fake Profile trata em detalhes essa temática, mostrando o processo de controle social ao qual somos submetidos através das redes sociais. Acorrentados pela sensação de participar ativamente nos rumos da sociedade, compartilhamos, curtimos, acreditando na eficiência dessas “ações” quanto às transformações sociais. 

In front of the computer 
Slave of the modernity 
You don’t change anything 
Nothing changes sitting 
Everything you said 
Everything you shared 
Caused no real effect 
Not in the real world 

Em  The restless and useless dão continuidade a esta crítica explorando o poder entorpecente da conexão virtual, que aliena, impedindo o estabelecimento do vínculo com o mundo material. Assim, a manipulação  dos indivíduos pelas grandes corporações midiáticas e a potencialização do seu desejo de consumo, subvertendo-os em meros consumidores, ocorre sem que seja oferecida qualquer resistência.

We’re the world you observe through screens
The world you know from summaries
Arrogant idiots, pompous, boot-lickers
You live in a frenzied splendid isolation
Behind you, the shade of your masters
Barely hidden by tv spotlights

                      […]

(They) shut you away, they manipulate you
They advise you, they protect you

Behind the Lies, faixa de abertura expões as cordas usadas para manipular as pessoas sem que essas percebam e terminem por acreditar serem donas das próprias vidas, que fazem as próprias escolhas. Ilusões usadas para manter a exploração, subtrair vidas, usando-as para manter todo maquinário em perfeito funcionamento.

You try to hide behind the lies you spread
You try divide us into losers and winners
You follow me around
and watches every move
You know exactly where I am
and everything I do

As demais músicas formam um bloco temático que trata de distintos aspectos da vida, ligados à postura diante da existência e dos obstáculos com os quais temos que lidar diariamente. Escolhemos Reason to Believe, para representar esse bloco, pois já deixa claro no título qual a mensagem. Trata da necessidade humana de transformar, de deixar a inércia e tornar-se algo diferente do que era anteriormente.

Não podemos nos furtar em destacar a qualidade técnica dos músicos, algo que particularmente chamou nossa atenção. Queremos enfatizar a perfeição com que a bateria é executada em todas as músicas. A precisão e a versatilidade do Gabriel Gomes são fenomenais, além de garantirem toda a base e segurança necessárias aos demais músicos. Ele não cumpre apenas a função de manter o “chão” firme sob os pés da banda, contribui ornamentando as músicas, compondo bem os arranjos elaborados para cada faixa.

Em posse dessa coluna dorsal rítmica os demais elementos instrumentais podem ser executados e encaixados com maior ajuste, formando uma totalidade harmônica, bastante uniforme. Essa coesão permite uma percepção nítida do que é cada música separadamente e do álbum como um todo.

Still On The Road deve ser colocado entre os grandes álbuns lançados em 2018. Mantendo-se na estrada ao longo de 15 anos, a Buster pavimentou sua trajetória pela insistência, própria das bandas independentes, em permanecer na ativa. Colhem com seu primeiro álbum, os frutos do laborioso esforço de manter viva sua música.

O sucesso puramente comercial é efêmero, provas disso não faltam ao longo da história da industria fonográfica. Contudo, a densidade resultante do trabalho motivado pelas ambições genuinamente artísticas, resistem às investidas do tempo e se tornam o legado das próximas gerações. Nossas apostas são de que Still On The Road se consolidará entre as obras desse segundo tipo. 

Ficha Técnica

Produzido por Buster e Marcos Franco 
Gravado em abril e maio de 2018 na Ampera Records e Revolusom Studio em Salvador, BA, por Marcos Franco 
Mixado e Masterizado em junho e julho de 2018 na Play Rec. em Santos, SP, Brazil por Nando Bassetto 
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Thiago Nogueira: Vocais e Guitarra 
Rodrigo Velazquez: Baixo 
Gabriel Gomes: Bateria 
*Vocais em “The Restless and The Useless” por Bruno Picat (The Bushmen) 
Todos os Backing Vocals por  Thiago Nogueira 
Grupo Vocal em  “No Time to Lose” por Thiago Nogueira, Rodrigo Velazquez, Gabriel Gomes and Marcos Franco 
*Guitarra adicional no solo em “No Time to Lose” por Mateus Brandão (Chuva Negra) 
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Todas as letras por Thiago Nogueira e Rodrigo Velazquez (Buster) 
*Exceto em “The Restless and The Useless” por Bruno Picat 
Todas as músicas por Buster 

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