Bixarte em mil Faces (2019) preta trans na Revolução (2019) do Hip Hop

Bixarte em mil Faces (2019) preta trans na Revolução (2019) do Hip Hop, que soltou dois trampos – invisibilizados – num mix absurdo de força

É muito bom ser uma pessoa bem relacionada/atenta, pois foi através de Jupitter que tomei contato com o nome de Bixarte, mas foi com o trabalho resistente do Hominis Canidae que tive o acesso fácil aos mp3 do disco Faces (2019). Se já é extremamente dificil chegar ao público do rap sendo LGBTQI+ estando no eixo, vindo da Paraíba, a missão fica bem mais inglória. Final de ano, vida de professor que se mete a escrever sobre música é mais loka que a vida do Batman. Estava esse que vos escreve passando nota e eis que depois de muitos plays em diversos discos, nos ocorreu de turbinar o bater cadernetas com esse disco. Excelente ideia!

Preta trans não binária, Bixarte soltou o seu segundo trampo: Faces (2019), contando com 8 faixas por onde a mc passeia muito bem por sonoridades da favela. Criando um clima sonoro e poético ao longo das tracks, onde a diferença se afirma dentro de uma diversidade musical que só encontra unidade ao se ligar a cultura periféria e do hip hop. Mas se você já ficou curioso, se segure, Bixarte já tinha soltado um EP Revolução (2019) onde já deitava com rimas muito fortes, e contando também com uma sonoridade e rimas que fogem às léguas do senso comum.

Encontrar artistas como a Bixarte abre para qualquer pessoa que não estiver completamente embotada, um horizonte de sentidos e de lutas que são fundamentais. Ao mesmo tempo em que nos impulsiona a refletir sobre a necessidade de pensarmos a diferença e a alteridade. Ao mesmo tempo, pensamos o quanto por pouco não chegamos a esbarrar em dois trabalhos desse nível produzidos em um reduto nacional de vários artistas mega talentosos, mas onde os holofotes da mídia nacional, preocupada com os melhroes do ano não chega.

Não é pouco, em um EP e um mixtape, a rapper paraibana emula em suas linhas diversas problemáticas que aos poucos e de modo pedagógico vai interseccionando campos fundamentais, atravessados por anos de opressão. A rapper parte da sua condição de trans não binária e negra para alcançar a ancestralidade, descortinar o ódio contra a diferença construído pelas famílias de bem do nosso país, desde a mais tenra infância. Chama-nos a atenção para os problemas do nosso racismo estrutural e ao mesmo tempo, firma um discurso que conclama a revolução: pretos, LGBTQI+ e periféricos.

E todo esse movimento está ali condensado em pouco mais de 20 minutos de seu EP Revolução (2019). O extended play conta com beats de Dannyebtrack e Psicico Mc, que também participa de uma faixa, além das participações de Bione e da Hyrla Mc.

O discurso é afiado como a navalha escondida debaixo da língua. e tudo isso embalado na excelente e diversa produção do Daniel Jesi (Big Jesi), que assinou quase todas as produções da mixtape Faces (2019). Aqui Bixarte segue mandando muito bem ao longo de todo o disco, a bixa canta e rima com uma força imensa e ao mesmo tempo como é comum na comunidade LGBTQI+ a afronta muitas vezes ganha cores muito bem humoradas em suas linhas como micro gongadas.

A mixtape se abre com uma poesia muito forte, motrando as mil faces mortas, que estão na luta, que são humilhadas e mortas por preconceitos. E ao mesmo tempo, Bixarte deixa muito escuro, que estamos diante de uma das faces que a compoe, estamos diante de uma rostidade forjada para a luta estética. Sua poesia nos marca muito pela direção reta e a qualidade afiada que lhe dá cores simples, mas de uma simplicidade que foge ao simplório. É a força de uma comunicação com os nossos iguais, aquilo que nos mostra a força da Bixarte.

Em termos técnicos, a sua mixtape vai um pouco mais longe que o EP apesar de ser uma solução de continuidade. Ela aqui amplia e finca sua sonoridade em ritmos periféricos mais populares como o trap e o funk, e afia expandindo as problemáticas expostas no trabalho anterior. “Gordo Week” traz uma crueldade e um bom humor mais do que necessário. ao tratar da homofobia e ao mesmo tempo afirmar a identidade das travas. O bonde das obesas é divertido mas também não bata de frente viu desgraça, se não é bala e fogo, as travas no bate cabeça é treta!

Esse chamamento para luta percorre todo o trabalho da Bixarte, e ela sempre se coloca no front para o combate. “Rap de Favela” é um faixa curada no boombap mais raiz possível, onde junto a Rafa Rasta, Bixarte bagaça em linhas com muita lírica e flow, sem esquecer referência da luta negra, como Chica Manicongo, Mandela e Marielle Franco. Em meio a tanta luta, “Refém”, a paraibana rima numa lovesong, que nos apresenta o dengo do sotaque, e ao mesmo tempo nos comunica a humanidade que habita a todos nós desejosos de amor. 

Hip hop até o tutano, a luta encampada por Bixarte é contra todas as formas de preconceito e opressão, sejam as de classe, raça ou gênero. Sua poesia é reta e não perde o bom humor, vai da ancestralidade até o amor, é capaz de afago e carinho, mas também de facadas se vier bater de frente. Contra qualquer forma de normatização, a gordofobia também se encontra no campo de batalha musical da paraibana, que se identifica como trans não binaria, é um preta responsa e demonstra isso com muita qualidade nesse trabalho.

O trampo conta também com as participações de A Fúria Negra, Rafa Rasta, Pretinha e Gabrunca. As produções de Faces ficaram por conta de Daniel Jesi (Big Jesi) com uma colaboração da Gabrunca. A faixa “Campo de Batalha” traz um beat com sample ancorado em música de tradição nordestina e ao mesmo tempo, e ai mesmo, Bixarte bagaça no flow, mas quando falamos bagaça, é real. Ela preenche seu campo musical dessa forma numa respiração que é capaz de enfrentar o Brasil bolsonarista com um folêgo invejavel, forjado porque cresce e se expande apenas pela força da luta. Luta para produzir, para ser quem é, para se expressar, para se entender, para amar, enfim para existir.

Preta, Gorda, Trans, Macumbeira, Maconheira, Freestayleira, Socialista, cê quer mais interseccção revolucionária que isso? São as mil faces da revolução que o hip hop precisa incorporar e que Bixarte vive… Escute e aprenda!  

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