Aganju Uh Anti Influencer, MC e Beatmaker baiano apresenta o personagem Tiamath, junto ao coletivo Universo 75 com o EP Cuspindo Fogo na Cidade!
A negritude de excelência que nós amamos!
O nível de produção e sobretudo de ação de Aganju Uh Anti Influencer é algo para o qual poucas pessoas estão preparadas no que tange ao cenário rap no Brasil; Pai, teórico, MC, Beatmaker, militante comunitário e anti genocídio do povo negro – Coletivo Reaja ou será morto, Reaja ou será morta do qual fez parte até 2018 – , professor Doutor em História. É um currículo que para além dos títulos e das nomenclaturas se define por uma ação intensa e criativa dentro de uma perspectiva pan-africanista, seja com seus livros, seja com sua arte, seja em suas ações.
Enquanto parte fundamental para o hip-hop e o rap no recôncavo no século XXI, Aganju possui uma ampla discografia como MC e beatmaker, iniciando-se com o grupo Us Pior Da Turma (DJ Felipe e ALendasz) com quem lançou os EP’s Cataclisma (2019), os EP’s Nas Margens do Fim do Mundo Tomo I, II e III (2017 – 2020). Trabalhos muito calcados no Boombap de lírica suja e pan-africana, onde os temas giram em torno da Guerra de Alta Intensidade Racial (conceito forjado por ele) e que dá conta do extermínio do povo negro na Bahia dos governos do PT.
Como artista solo, Aganju possui dois EP’s Supremacia (2018) e Sociedade do Cansaço (2020), neste último trazendo temas trabalhados pelo filósofo coreano Byung-Chul Han e atualizando-os à realidade negra em diáspora. Aqui vale deixar registrado o quanto o apuro teórico e acadêmico deste jovem Doutor negro, não possui o pedantismo anti-rua de boa parte da classe média negra que utilizam referências teóricas como mero capital simbólico. Aganju rima e nos transporta para as ruas de Cachoeira com toda sua força, beleza, sujeira, que pode com certeza ser percebida em um passeio na Rua do Brega ou na Rua da Feira!
Ouvir Tiamath, Cuspindo Fogo na Cidade (2023) o mais recente EP do Universo 75 pode se configurar numa abertura pedagógica da qual os ouvintes de rap, da música preta e sobretudo da Cultura Hip-Hop, estão cada vez mais necessitados. Tiamath é o terceiro personagem encarnado por Aganju Uh Anti Influencer dentro do Universo 75, ele já tinha se apresentado como beatmaker e produtor da mixtape Boom Classics do Big Troll. Já tinha sido o Yasuke O Samurai Preto junto a Ratori Ranso e já tinha encarnado o Agandoom em parceria com o Urso D’Água. Porém, agora a “fera” encarna talvez não a sua faceta mais verdadeira, mas sem dúvida alguma a mais importante.
Baseando-se na origem histórica e mitológica de Tiamath dentro da civilização mesopotâmica e passeando pelo caráter anti-heróico da representação deste dragão no clássico desenho e no RPG Caverna do Dragão, as cinco cabeças “Cuspindo Fogo na Cidade” nos revela a potência deste homem/artista/teórico. Muito além de meras palavras de ordem, como bom poeta/teórico/militante de rua, Aganju Uh Anti Influencer possui uma atuação que realmente bota fogo na Babilônia, mais especificamente na cidade de Cachoeira no Recôncavo baiano.
A expressão conhecida na Bahia: “Né de boca não”, certamente poderia ter uma foto de Aganju como o desenho representativo de sua verdade. As cinco possíveis rajadas que partem das cinco cabeças do Tiamath são constantemente desferidas pelo artista na conjuntura e na potência disruptiva de sua obra. Seja ela comunitária, teórica, artística ou profissional, estamos sempre diante de uma figura que não joga o jogo da branquitude, se mantendo no limiar mínimo de distribuição das plataformas de internet.
Com o Baile pelo Certo, evento fundamental da cultura hip-hop baiana, Aganju junto aos seus parceiros, como DJ Felipe, por exemplo, fundaram o Ibori Studio, o Centro Comunitário Luiz Orlando e o Cineclube do Povo. São essas ações que junto às suas atuações em escolas e a sua escrita teórica com os livros já publicados: Terra Preta – Raça , racismo e política racial no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (2020), Editora Filhos da África e a coletânea de ensaios Dias Piores Virão – Política racial comunitária e práticas organizativas subterrâneas na Bahia contemporânea, formam as expressões fundamentais que precedem e procederão este Tiamath que agora chega às ruas.
Cuspindo Fogo na Cidade, um homem negro consciente de si!
Em seu novo EP, uma das primeiras impressões é a de mudança nas produções e o aprofundamento das repetições, que servem tanto ao aspecto pedagógico, quanto a um processo de transe, que também não nos deixa de ensinar. Composto de 5 faixas e 1 interlúdio, Tiamath abre os trabalhos com um beat raggamuffin, adequado às reflexões sobre o seu masculino em relação às possibilidade de afeto, de sexo, de racionalidade. Cuspindo verdades, consciente de si mesmo, na medida em que busca a liberdade do seu corpo, Tiamath só nos pede, pureza, para aí podermos acessá-lo!
A música abre o trabalho bem pra cima e nos dá uma das facetas presentes na maioria dos trabalhos do Universo 75, o seu caráter visual. Não é difícil e nós diríamos que é até evidente o caráter de um baile em meio a distopia deste universo, onde podemos visualizar os corpos negros se tocando, dançando, conversando, se drogando. Aqui o MC também assina o beat.
Rappers aplaudem qualquer merda, é o império da caretice descolada ou drogada!
A influência jamaicana permanece firme nesta segunda faixa, e aqui como disse em entrevista ao pesquisador Sávio Oliveira: “A ideia é pensar um anti-cena, um subterrâneo do que é produzido no rap”. Ora, seria impossível para o mercado, para a indústria cultural branca acostumada como estar em capitalizar sobre uma fatia importante da negritude, abraçar Aganju Uh Anti influencer. Suas construções teóricas e artísticas não possuem a capacidade de ocupar esses espaços predeterminados de controle e submissão ao game life branco.
Sem discurso redentor ou de auto cuidado coach, o Tiamath assume o caos, assume os problemas que homens negros enfrentam para do seio deles, tecer uma série de criticas e observações que desmontam as teorias e as falas condescendentes, que servem apenas para no máximo criar subterfúgios e ou remédios de controle. Enquanto real MC, Aganju Uh Anti Influencer apresenta-nos a cada vez questões fundamentais para os homens negros em diáspora, neste caso, poderíamos localizar esse apontamento a cultura dos MC’s cada vez mais rendidos ao mercado branco e a fórmulas faceis de sucesso, seja na lírica, seja no comportamento das redes sociais..
“Tem Black Power mas tem nojo dos viciado em crack!”
O único beat que não foi produzido por Tiamath, a faixa “Meus manos não são Niggas” é desde já um clássico do rap nacional para pensar homens pretos. As masculinidades negras adoecidas em diáspora através de um longo processo efetuado pelo colonialismo e do qual Aganju Uh Anti Influencer não se esquiva. Ao mesmo tempo, mira suas linhas em visões muito firmes nas romantizações e nas falas que buscam perpetuar exclusões. Pode até parecer, mas não é rap de mensagem, e essa é uma afirmação importante, a liberdade!
Uma das coisas mais interessantes presentes na música é a afirmação do refrão sendo repetido à exaustão seguido dos versos. É importante lembrar que as palavras são os “objetos” linguísticos através dos quais pensamos o mundo, deveria ser óbvio mas não é. A reafirmação de palavras de origem escravocrata feitas sobretudo por preguiça ou por mera aceitação subserviente a uma outra cultura, apenas reafirmam toda a carga negativa originária. Na medida em que repete o refrão, seguido de descrições realistas e fruto de uma vivência de rua, Tiamath consegue evidenciar o fato que nenhum homem preto é um nigga, um neguinho, um garoto, monstros, são sim, seres humanos sofrendo e vivenciando toda a herança fruto da escravidão, ainda hoje.
O interlúdio que se segue a faixa é um excelente comentário ao EP como um todo e a essa faixa em particular que se ouvido já dispensa boa parte desse texto!
Um Homem Preto Insurgente e Groovador!
Aqui não tem acordo, é poucas ideias quando se trata de branquitude, de indústria cultural supremacista branca, e o ritmo escolhido pelo Tiamath foi o afrobeat, em um dos melhores beats do EP. O Hip-Hop busca mas aqui no Brasil o mercado cultural é feito para esvaziar a produção negra, selecionando alguns poucos para estar no topo, mas com a condição de que estar geralmente repetindo clichês, fazendo o jogo da branquitude e devidamente controlados pelos donos reais dos meios de produção. O mesmo acontece com os EUA, porém lá existe um mercado digamos assim mais aberto a outras expressões.
Na faixa “Sou Uh Dragão Tiamath”, Aganju Uh Anti Influencer deixa escuro o que pensa sobre o game, como de resto tem feito ao longo de todo o EP. O disco se encerra com a melancólica “Lágrimas de Likes”, um boombapão mais reto, pontuado com um potente baixo. A faixa tem como ponto focal a internet e suas implicações na vida de homens, mulheres e crianças negras, questionando a “solidariedade algorítmica” e os seus limites.
Nesta música em questão, o Tiamath coloca gelo na espinha dos: “Pretos fingidos e dos brancos retintos”, nos mostrando a impotência presente nos discursos de internet e em sua militância lacradora, em uma terra onde “se mata criança a tiros”. Fazendo com que a linha auxiliar se petrifique ao entrar em contato com esse magma poético e sonoro. Reafirmando sua perspectiva anarquista pan-africana e nos chamando a refletir sobre o papel da classe média negra nas disputas narrativas e de poder. Uma pedrada que fecha/abre o disco de modo primoroso e com o máximo de radicalidade possível!
O fato que nos resta é ouvir, ler, observar e refletir junto a Aganju Uh Anti Influencer e o seu Tiamath, ou seria melhor dizer: Aganju o Tiamath? Pois, por todos os motivos expostos acima e sobretudo pela audição deste seu novo trabalho, a atenção diante da sua obra é algo essencial para jovens, homens e mulheres pretos no século XXI. Estamos diante de um artista, de um pensador, de um professor que nos escurece com uma radicalidade pouco vista em seus pares contemporâneos e que honra e eleva a herança de nomes como Abdias do Nascimento, Malcon X, Mumia Abul Jamal, Cheik Anta Diop e tantos outros mestres!
-Cuspindo Fogo na Cidade, Aganju Uh Anti-Influencer é o Tiamath!
Por Danilo Cruz