A Música mais Subversiva de Todos os Tempos: quando a arte catalisa o processo do apocalipse final.
Fiquei um bom tempo sem escrever publicamente, reticente em relação a muitas coisas que se passavam por minha cabeça. Dramáticas mudanças ocorreram nos últimos anos, tanto no espaço social, quanto em minha vida pessoal. Parecia que os mundos objetivo e subjetivo haviam ficado de cabeça para baixo. Tive grandes perdas. Enquanto isso, a humanidade se entorpecia com discursos odiosos e cada vez mais preconceituosos. E, no Brasil, a estética do tosco, do obsceno e do insulto ascendia como arma de combate ao chamado “politicamente correto”.
A caretice e o conservadorismo fundamentalista haviam retornado à moda em nível global. Belicismo, armamentismo, fanatismo religioso, combate ao comunismo espectral, dancinha do impeachment, Donald Trump, Jesus na goiabeira, ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa, terraplanistas, negacionistas do aquecimento global antrópico, família Bolsonaro, filosofia patrística medievalista, monarquistas tardios, revisionistas históricos desmiolados, perenialismo cristão e teóricos da conspiração se tornaram iguarias tóxicas do momento.
Então, pensei que uma determinada música que estava há dias na minha cabeça seria considerada por esta atual geração reacionária como A Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. Precisava refletir, pesquisar e comprovar a veracidade de minha intuição. Sigamos o raciocínio.
– Falar sobre a paz sempre foi perigoso
Muitos que pregaram a paz ironicamente morreram pelas mãos da violência. Jesus Cristo talvez seja o exemplo mais conhecido em nossa cultura ocidental de tal destino inglório. Mas Mahatma Gandhi, Martir Luther King, John Lennon e Irmã Doroty também foram assassinados por sonharem com o fim dos conflitos e por defenderem a paz fundamentada no amor incondicional. Não vamos esquecer também a multidão de anônimos que diariamente mantém a chama pacifista acesa na alma e mente de nossa coletividade. E como costumo dizer, a paz é o estágio mais avançado da consciência humana e isto está além da compreensão daqueles que não acreditam na humanidade, que não vislumbram sonhos e que rechaçam as utopias em prol da subordinação cega e servil das regras ditas como sagradas por aqueles que estão no topo da hierarquia social. A paz, para esse grupo de pessoas, significa o maior de todos os perigos. Literalmente, em sua visão teológica e teogônica, a paz acena para o fim do mundo.
“Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores do parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão”. Está escrito na sagrada bíblia cristã, em I Tessalonicenses capítulo 5 e versículo 3. Estas palavras proferidas pelo apóstolo Paulo aos primitivos cristãos de Tessalônica servem como epítome para muitos que acreditam na profecia do apocalipse e nos sinais reveladores que antecederão os fenômenos escatológicos que “estão por vir”. E há muita gente desesperada ou louca acreditando piamente na profecia ou se utilizando da credulidade alheia, disseminando ideias estapafúrdias e grotescas com tons de seriedade mesclado a deboche, que tentam fragilmente se sustentar na premissa de que se a paz mundial fosse hoje proclamada pelas autoridades estatais tudo não passaria de um engodo – uma estratégia do tinhoso – e este acontecimento ensejaria o início do fim dos tempos, assim como pretende a providência divina.
Neste sentido, o simples fato de uma música mundialmente famosa fazer apologia da paz seria o reflexo de acontecimentos proféticos, o indicador de que pessoas influentes e formadoras de opinião deliberadamente estariam a serviço do príncipe das trevas na missão de encaminhar o mundo o mais rápido possível para o apocalipse final. Já que o Capeta está condenado ele quer levar o máximo de pessoas consigo e apressa-se no intento, contando com a ajuda de servos diligentes e bem treinados aqui mesmo neste plano que habita o autor destas palavras.
A música que tocara dias na minha cabeça parecia transformar-se de uma ingênua, sonhadora e voluntariosa canção para algo diabólico, instrumento partícipe de uma trama global de controle do mundo e desencaminhamento de almas. Vocês podem rir agora, caros leitores. Não nos enganemos, o vizinho ao lado pode neste momento estar fazendo um vídeo para o Youtube sobre como proteger a família dos males espirituais do rock and roll, ou denunciando, em alguma live, que crianças de creches públicas paulistanas estão sendo aliciadas sexualmente com “mamadeiras de piroca”.
– O homem mais perverso do mundo e os meninos mais famosos que Jesus
Aleister Crowley foi um dos magos mais influentes do mundo. Por seu estilo de vida exótico, por suas performances histriônicas e por suas crenças ocultistas e misteriosas despertou em seus contemporâneos uma curiosidade e ojeriza sem precedentes. O homem, que morreu aos 72 anos de uma infecção pulmonar após uma vida de aventuras, indecências e excessos, se auto intitulava – de forma bastante pretensiosa, é preciso ressaltar – como o profeta que havia sido “escolhido para proclamar a Lei que determinaria os destinos deste planeta por uma era”; o que foi registrado em The Confessions of Aleiter Crowley. Nada mal para um ocultista que, anos depois de seu desencarne, se tornou a celebridade das celebridades, o que finalmente popularizou seu pensamento.
Os Beatles foram os primeiros artistas da cultura Pop que divulgaram a imagem de Crowley em larga escala a partir do lançamento do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, em 1967. Mais tarde voltaremos a falar dos garotos de Liverpool. Agora precisamos falar sobre o caldo sociocultural em que foi gestada A Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. É preciso recordar que a virada do século XIX para o XX foi marcada pela proliferação de doutrinas messiânicas e proféticas. Só as Testemunhas de Jeová proclamaram diversas vezes a volta de Jesus Cristo desde a sua fundação na década de 1870. Havia certo frenesi em relação ao fim dos tempos, o retorno do messias para seu reinado de mil anos ou o início do apocalipse. Seria a consolidação da era industrial, o crescente movimento operário e as revoluções socialistas, o cientificismo, a urbanização e o surgimento da sociedade de massas indícios da proximidade do Armagedom?
A bíblia alerta através – novamente – das palavras do apóstolo Paulo, agora em sua Segunda Epístola a Timóteo, 3:1-5: “Saiba disso: nos últimos dias sobreviverão tempos terríveis. Os homens serão egoístas, avarentos, presunçosos, arrogantes, blasfemos, desobedientes aos pais, ingratos, ímpios, sem amor pela família, irreconciliáveis, caluniadores, sem domínio próprio, cruéis, inimigos do bem, traidores, precipitados, soberbos, mais amantes dos prazeres do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando seu poder. Afaste-se desses também”.
Embora eu sempre tenha desconfiado de que a lista acima se refira a aspectos inerentes a condição humana desde sua origem histórica; acredito que os mais fervorosos na palavra divina sempre procuraram relacionar os sinais apocalípticos – e seus responsáveis – à sua própria geração.
Aleister Crowley foi um exemplo de alvo, espécie de bode expiatório de seu tempo. Foi acusado de ser o Anticristo, a Besta do Sinal 666, o Homem Mais Perverso do Mundo. Sem dúvidas, Crowley parecia perante a sociedade conservadora britânica como uma aberração e, para os desconfiados carolas de plantão, uma síntese de tudo que o apóstolo Paulo advertira até aqui. Não é de se espantar que de fato isso acontecesse, e também não é nenhum segredo que Crowley estava pouco se fodendo pra isso tudo. Ele era um drogado, dado a orgias rituais, um bissexual e um iconoclasta quase insubordinável.
Digo quase insubordinável porque é necessário ressaltar a relação da Besta 666 com o Serviço Secreto Britânico e suas ações de espionagem e contraespionagem em favor da Coroa Britânica. Exatamente, caríssimo e caríssima leitora! Richard B. Spence conta, em seu livro Secret Agent 666, as relações de Crowley com a Inteligência Britânica, com o primeiro ministro Winston Churchill e com o agente secreto e escritor Ian Fleming (criador do icônico agente 007, o galante James Bond).
Crowley poderia inspirar os mais fanáticos, ao lerem as matérias sensacionalistas dos tabloides londrinos da época dedicados a ele, a pensar que aquele senhor de bizarros hábitos e pensamentos incompreensíveis era a manifestação do próprio Anticristo. Portanto, poderiam supor que ali se assinalaria a indelével marca da chegada do Apocalipse. Mas muitos desconhecem que a Besta 666, nos bastidores da geopolítica da II Guerra Mundial, em uma batalha telepática e mágica, contribuiu para que os aliados, liderados por conservadores cristãos em sua maioria (excetuando a ateia União Soviética), derrotassem o “eixo do mal”. Nessa beligerância ocultista entre as forças malignas do III Reich e a magia branca britânica de Crowley e Dion Fortune (célebre ocultista galesa), o Homem mais Perverso do Mundo criou um ritual simples que poderia ser feito sem esforço por qualquer pessoa, em qualquer lugar e a todo momento. Um ritual mágico que pudesse rivalizar com as forças malévolas emitidas pela suástica nazista.
Sim, não é novidade histórica para ninguém que por de trás do palco público das grandes Guerras Mundiais, na coxia escura dos rituais mágicos, ocorria a batalha oculta, onde a cena se desenrolava em embates parapsicológicos. A ideia é de que não apenas o “sobrenatural” seria invocado como reforço às tropas, mas que o estado psicológico do coletivo dos aliados deveria ser fortalecido enquanto o moral do inimigo deveria ser abatido.
Para tal empreendimento foi criado um símbolo ritual com a forma “V”, mais conhecido como o “V” de vitória, feito com dois dedos da mão erguidos, que tantas vezes foi utilizado por Winston Churchill durante o período da II Guerra Mundial. Em imagens que circulavam o mundo através do cinema, a forma do “V” deveria chegar até seus inimigos de maneira a minar psiquicamente suas forças de articulação e combate. Contrariamente, deveria fortalecer aqueles que pertenciam a cultura da qual o símbolo ritual havia emergido, sendo necessário que a população fosse estimulada a fazer o gesto ritual de forma natural e repetitiva. Crowley dizia que a suástica representava, na tradição iniciática da Aurora Dourada (ordem hermética da qual fizera parte), a deusa egípcia Ísis em estado de luto pela morte de Osíris, e portanto, a força que neutralizaria o poder emanado pela suástica estaria na imagem do assassino de Osiris, Apófis ou Tífon – simbolizado pelos dedos indicador e médio erguidos. Eis o poderoso truque.
Se isto tudo aconteceu de fato, há controvérsias. Crowley, porém, reivindicou a autoria do gesto e deu sua explicação, mas esta não é a história oficial. Para nós pouco importa, pois mais a frente estas informações nos serão útil. O pitoresco desta história é que há o folclore acerca de um grande problema que deveria ser solucionado rapidamente para que o gesto ritual coletivo funcionasse. Naquela época, o principal meio de comunicação era o rádio. Embora os jornais e o cinema pudessem expor o gesto ritual ao grande público, e o governo já o utilizasse em suas propagandas políticas; era necessário fortalece-lo na alma coletiva, de forma intensa e inconsciente.
Utilizando uma técnica – até onde eu sei – pioneira de mensagem subliminar de massas, o Homem mais Perverso do Mundo teve a seguinte iluminação ao estilo luciférico: se era necessário acessar o íntimo das pessoas de maneira ampla através do meio de comunicação de massas mais eficiente da época – o rádio. Então era necessário transformar o símbolo “V” em sinal de áudio, e nos tempos de guerra na primeira metade do século XX, a mais popular forma de transformar símbolos gráficos em sons era através do código morse. Neste sistema de linguagem, o “V” é representado por três sons curtos e um som longo (… -). Logo, genialmente Crowley pensou em Beethoven e sua famigerada Sinfonia nº5. Que já de início apresenta os impactantes quatro registros de som de acordo com as bases do código morse. Tam Tam Tam Tammmmm.
O mago utilizou sua influência para convencer importantes rádios do Reino Unido a transmitir todos os dias esta sinfonia. Sugiro a audição de todo o movimento. Mas vale ressaltar que ainda não estou me referindo A Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. Precisamos falar dos meninos mais famosos que Jesus antes de chegarmos lá. É necessário seguir estritamente o caminho para se alcançar o destino. Paciência é uma virtude, leitor e leitora.
Em 04 de março de 1966, o jornal inglês “The Evining Standard” publicou uma das mais polêmicas e famosas declarações de John Lennon: “O Cristianismo irá acabar. Irá diminuir e sumir. Eu não preciso de argumentos para provar isso. Eu estou certo e será confirmado que estou certo. Nós somos mais populares que Jesus hoje em dia; não sei quem será esquecido primeiro, o rock and roll ou o Cristianismo. Jesus era bom, mas seus discípulos são cabeças-duras e ordinários”. Esta declaração gerou grande alvoroço na sociedade americana da época, principalmente no sul do país onde o conservadorismo cristão sempre esteve muito presente.
Não era a primeira vez que as declarações ácidas de John Lennon causavam tanta repercussão, porém, dessa vez a comparação da popularidade dos Beatles a de Jesus, mais a previsão do fim do cristianismo incomodou muita gente importante. Todos sabemos que as palavras de um astro Pop ou qualquer outra figura pública, que transmite suas mensagens pelos meios de comunicação de massa, tem grande penetração no imaginário popular. E com certeza os intelectuais, professores, artistas e comunicadores também estão cientes disso.
Antes de observarmos atentamente a mensagem de John Lennon, recordemos a frase marcante de Nietzsche em seu livro O Anticristo: “Eu volto atrás. Conto a autêntica história do Cristianismo (des Christenthums). Já a palavra ‘Cristianismo’ (Christenthum) é um mal entendido – no fundo houve um único cristão, e este morreu na cruz. O ‘Evangelho’ morreu na cruz”. É preciso entender que, assim como o pensamento do Filósofo do Martelo em O Anticristo, John Lennon também distinguia claramente os ensinamentos de Jesus Cristo das imposições morais promovidas pelas instituições cristãs.
Para Nietzsche, a palavra Christenthum (cristianismo) se difere de Christlichkeit (cristanicidade) e Christ-sein (ser-cristão). Ou seja, enquanto o cristianismo estaria ligado aos estatutos, institucionalização religiosa, cerimônias, hierarquia e rituais, a Cristanicidade e o ser-cristão refletiriam uma práxis natural – um fazer e se abster, um estado psicológico saudável do indivíduo. Por isso a afirmação de John Lennon de que “Jesus era bom” é a mais importante mensagem da sua declaração. Pena que ela é ofuscada pela polêmica. Mas este é o ponto fundamental!
Em uma perspectiva psicológica, os ensinamentos de Jesus levam a uma prática e estados de consciência saudáveis, enquanto a instituição cristã, e principalmente o cristianismo da igreja Católica Apostólica Romana historicamente tem se envolvido com a promíscua política temporal e parece que não soube, durante o século XX, capitanear a atenção do público religioso da mesma maneira que no passado. Quando Lennon constata que os Beatles são mais populares que Jesus ele apenas indica que a própria cultura ocidental industrial havia se submetido a glorificação das personagens temporais, ao culto da personalidade mercadológica e a idolatria do consumo.
De fato, a imagem dos quatro rapazes de Liverpool circulava o planeta, chegando até mesmo em lugares onde a figura de Jesus não é tão popular, como o Japão, por exemplo. Essa frase de John Lennon também reflete sobre a perda da hegemonia da igreja Católica na Europa e América para a vertiginosa ascensão das igrejas cristãs protestantes e pentecostais, fora o clamor da juventude da época por mais reverência às tradições africanas e orientais.
A marca “Beatles” é um exemplo do sucesso de produtos culturais de massa que se infiltraram na alma e no consumo do mercado mundial, ao mesmo tempo que nos mostra a contradição em que viviam seus protagonistas. Com certeza, John Lennon sabia muito bem o que significava ser uma celebridade e a grande amplitude e impacto que suas atitudes e declarações teriam. Desde jovem ele fora estimulado a argumentar esperando algum tipo de repercussão e refutação. Era necessário continuar a ser artista e combater o obscurantismo e caretice em todos os aspectos. No cotidiano doméstico ou no palco das aflições coletivas.
Em 1967, com o lançamento do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Aleister Crowley voltou à cena, desta vez como uma figura entre tantas que compunham a capa do lendário disco do Fab Four, representando as influências da banda. É notório que o público sempre relacionou o rock ao sexo desregrado, consumo homérico de drogas, propaganda satanista, entre outras excentricidades. Os Beatles não deixaram de ser fonte de tais especulações, ainda mais após a já citada declaração polêmica e a repercussão do caso nas rádios americanas, que em muitas ocasiões estimularam a queima de discos dos Beatles porque estes eram considerados perigosos representantes illuminates e satanistas disfarçados de Boy Band. Mesmo com todo controle que havia em torno da manutenção da imagem de bons garotos, quanto mais os Beatles se tornavam um fenômeno midiático avassalador, mais teorias malucas e conspiratórias eram criadas em torno da banda e de seus elementos.
A morte de Paul McCartney em 66 e sua substituição por um sósia, a polêmica em torno de Lucy and Sky with Diamonds e sua suposta apologia ao uso de LSD ou mesmo a presença de Aleister Crowley na capa do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (o que supostamente denunciaria a ligação dos músicos com o ocultismo e satanismo) eram notícias veiculadas pela imprensa como verdades. Tudo isso colaborou para que fosse criada uma imagem paralela e não oficial dos Beatles que os relacionava aos quatro cavaleiros do apocalipse e aos sinais dos últimos tempos.
Mas não seriam os Beatles a lançarem A Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. O pano de fundo para o acontecimento de tal música foi aqui descrito, agora é preciso apresentar aos leitores e leitoras a ideia de globalismo para finalmente refletirmos sobre a tal arte capaz de catalisar a chegado do fim do mundo.
Fim da parte 1
Quer saber qual a música mais subversiva de todos os tempos? Clique aqui e leia a segunda parte do artigo.
– A Música mais Subversiva de Todos os Tempos (Parte 1)