A Música mais Subversiva de Todos os Tempos – Parte 2

André de Castro Pereira conclui artigo sobre A Música mais Subversiva de Todos os Tempos nessa segunda parte de seu retorno épico.

a música mais subversiva


ATENÇÃO: Esse texto é a parte 2 do artigo. Para ler a primeira parte é só clicar aqui


– O globalismo da Nova Ordem Mundial e a estética belicista do tosco

Não esqueçamos o alerta bíblico, em I Tessalonicenses 5:3, de que quando declararem a paz universal então o fim dos tempos virá. Este é o maior dos sinais das grandes aflições que se sucederão. Mas quem conclamará a paz? Como ela poderá ser estabelecida de modo a convencer as pessoas? Qual o verdadeiro interesse por detrás disso? Iremos apelar à bíblia mais uma vez. Aqui é necessário fazer um esforço de interpretação teológica, mas estas preliminares são fundamentais para o entendimento de como o conceito de globalismo se sustenta e influencia as decisões políticas de nosso atual cotidiano, e qual a relação disso com a tal Música Mais Subversiva de Todos os Tempos.

Voltemos ao raciocínio. No livro de Apocalipse, escrito por outro apóstolo de Cristo, João, é descrito – segundo interpretação corrente em várias linhas cristãs, esotéricas e exotéricas – o governante de um vasto império, o que sugere a ideia da existência de um tipo de “governo mundial” (termo não existente na bíblia). Este líder mundial seria o Anticristo, que pelo poder e autoridade recebidos do próprio Satanás teria condições de subjugar toda a humanidade. Em Apocalipse 13:4 lemos: “E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e adoraram a besta dizendo: quem é semelhante à besta? Quem poderá trabalhar contra ela?”. Seguindo a lógica da coisa, a paz será estabelecida por um governo ou governante mundial que deterá o poder satânico de influenciar mentes e corpos a serviço do príncipe das trevas. Enfim, o capeta mor poderá desencaminhar o máximo de pessoas de uma só vez.

Como Satanás quer “ver o oco”, esta será a grande oportunidade de criar sua magna obra: o caos mundial! Calma, caro leitor e leitora. Sei que este texto está quase parecendo um artigo conspiratório de internet, mas não é. Dito que o fundamentalismo cristão tende a correlacionar literalmente os textos bíblicos aos acontecimentos históricos, e analisando o tipo de pensamento conservador em voga no Brasil atualmente, misturar interpretações proféticas da bíblia, política, filosofia e cultura Pop faz muito sentido. Explico.

Um dos autores mais comentados atualmente no Brasil é Olavo de Carvalho. Não tanto pela obra, mas sim pela forma como se comunica na internet e também pela influência que este pensador reacionário de extrema-direita exerce sobre o governo “teocrático, tuiteiro e fanfarrão” da família Bolsonaro. Olavo de Carvalho é um estudioso de questões esotéricas e ocultistas. Ele já foi místico islâmico sufi e astrólogo, mas diz que encontrou seu caminho na filosofia da escola Perenialista de Renné Guénon e Frittjof Schuon. Segue o interessante depoimento do próprio Olavo – que ajuda no entendimento do pensamento dos chamados olavistas, que, segundo a mídia, dominam alas importantes do governo, como o ministério da educação, por exemplo – relatado no texto As Garras da Esfinge, publicado em 2016 em seu site:

(…) temos aqui um universalismo no sentido forte da palavra, uma visão abrangente e ordenadora que não somente apreende com extrema agudeza os pontos comuns entre várias cosmovisões espirituais, mas dá razão e fundamento de sua diversidade, de modo que essa articulação do uno e do múltiplo se subordina, na verdade, toda a história universal das ideias e das crenças, das teorias e práticas, numa palavra: tudo que o ser humano fez e pensou na sua caminhada sobre a Terra. Não há praticamente nada, nenhum fenômeno, nenhum pensamento, nenhum acontecimento fausto ou infausto, que de algum modo não encontre alguma explicação ‘perenialista’ eficiente e persuasiva, quando não irrefutavelmente certa.

Olavo de Carvalho demonstra aqui sua grande reverência ao perenialismo, que para ele, quando não está absolutamente certo, oferece sempre a melhor resposta. Com a permissão do Leitor e da leitora para utilizar uma forma de expressão literária consagrada pelo autor em questão, Olavo de Carvalho praticamente dá o cu para a filosofia perenialista. Segundo ele, o “tradicionalismo de Guénon e Schuon é um upgrade intelectual formidável, um impacto desaculturante, quase uma transfiguração interior”. Ou seja, o perenialismo é tudo de bom. E o que é a Escola Perenialista?

A Escola Perenialista também é conhecida como Escola Tradicionalista. Grosso modo, seus pensadores defendem a existência de uma sabedoria imemorial e eterna que acompanha a humanidade através dos tempos. Uma verdade primordial e universal que sempre esteve sob a guarda das grandes tradições religiosas. Porém, muitos de seus valores essenciais se perderam, mais precisamente a partir do iluminismo e do estabelecimento da modernidade, o que tem causado a degradação da espécie humana. Para pensadores como Olavo de Carvalho, a verdade absoluta é a sabedoria perene. Os seguidores da filosofia tradicionalista acreditam que ao se filiarem a religiões ortodoxas tradicionais banham-se nessa verdade universal.

Olavo de Carvalho escolheu o cristianismo católico pois acredita que os sacramentos do catolicismo são de âmbito iniciático e possibilitam o acesso “ao conhecimento mais íntimo da realidade Suprema a que um ser humano pode aspirar”. Não à toa, que antes de iniciar suas aulas de filosofia, ou o ato filosófico propriamente dito, o chamado guru do governo Bolsonaro reza pedindo a intercessão do senhor Jesus Cristo e as bênçãos de Nossa Senhora para que o ilumine. Quais os impactos da filosofia perenialista em nosso cotidiano? Não podemos esquecer que, no caso de Olavo de Carvalho, a filosofia tradicionalista é somada à filosofia patrística e escolástica, mais teorias da conspiração e anticomunismo patológico. Muitas questões derivam deste fato. Uma delas é o surgimento do conceito de globalismo e suas implicações no posicionamento ideológico do governo brasileiro atual.

Ultimamente muito tem se falado em globalismo, mas no início da internet este era um assunto obscuro, que interessava a poucos, sendo propagado basicamente por sites de orientação religiosa fundamentalista cristã. Antes de mais nada, vale ressaltar que o termo nunca foi considerado um conceito sociológico. Continuemos. A ideia fulcral do globalismo é de que uma elite global de poucos poderosos estaria articulada desde o início da era do petróleo e do capitalismo financeiro para dominar o mundo, através da criação de uma organização política sem fronteiras, capaz de exercer poder absoluto sobre todos os seres humanos do planeta. Isso seria assustador, pois como já vimos, a bíblia alerta sobre os sinais do fim dos tempos e o enredo passa por aí.

Hoje, porém, o termo globalismo viralizou nas redes sociais a partir dos tuítes do presidente do Estados Unidos, Donald Trump, e faz parte também da verborreia do presidente Bolsonaro – mais uma importação lacaia de produtos culturais americanos feita pelo chefe do Estado brasileiro. Neste caso, é bom compreender melhor como o termo se encaixa nos discursos de Trump e Bolsonaro, embora veremos que ao final tudo volta para o mesmo balaio tosco da superstição e misticismo propalados pelo conservadorismo reacionário religioso.

Em primeiro lugar, é necessário diferenciar globalismo de globalização. Na literatura das ciências sociais e econômicas o termo globalização é deveras estudado. A intensificação do comércio mundial, os blocos econômicos e as relações exteriores contemporâneas derivam do processo de globalização econômica. Neste caso, é importante frisar que a soberania dos Estados nacionais jamais é questionada. Porém, no conceito de que se apropriou Steve Bannon (estrategista da campanha de Trump) e a chamada direita alternativa dos EUA, a alt-right; o conceito de globalismo se refere a ideia de que grupos de burocratas governamentais aliados a uma elite econômica progressistas estariam dispostos a colocar sua agenda de controle mundial e enfraquecimento das soberanias nacionais através da criação de instituições supranacionais que teriam condições de legislar sobre os países ou Estados Nacionais em questões econômicas, do meio ambiente e direitos humanos.

A existência da ONU e dos blocos econômicos, como a União Europeia seriam a materialização do fenômeno. O mundo, enfim, estaria apresentando sinais definitivos da chegada do fim “deste sistema de coisas”. A respeito da Música Mais Subversiva de Todos os Tempos, devemos apenas esclarecer um último ponto antes de finalmente podermos analisa-la.

Para um perenialista, como Olavo de Carvalho, as forças do bem e do mal travam uma grande luta e existem em essência no plano metafísico, mas de alguma forma os resultados desse embate refletem em nosso mundo material. A cosmogonia bíblica é vista de maneira literal. O pano de fundo místico-religioso ampara todo o construto intelectual desse guru pensador. E portanto alguns pontos são fundamentais para a compreensão da estética belicista do tosco que reina atualmente em nosso país.

Como já foi mencionado acima, a família Bolsonaro se identifica muito com as ideias de Olavo de Carvalho, um autor de livros registrado nas listas dos mais vendidos no Brasil, com grande repercussão nas redes sociais. Não podemos desmerecer sua influência, ainda mais quando o obtuso ministro da educação, Abraham Weintraub, publicamente se define como discípulo do mesmo. Quem já leu o guru autor conhece a espinha dorsal de seu pensamento. Como ele mesmo diz, sua obra é basicamente de “combate”. E combate contra o que? Contra quem? Olavo de Carvalho importou muitas de suas teses dos Estados Unidos e as adaptou ao solo tupiniquim.

Dentre as mais importantes de suas defesas é de que há um projeto de implantação do comunismo no mundo através de uma tática gramsciniana de subliminarmente e por meio de técnicas de lavagem cerebral (pautando-se na questionável eficácia da Programação Neuro Linguística) manipular as massas para o levante proletário sem que as mesmas tenham consciência do que estão fazendo, com que objetivos e para quem estão atuando. Segundo esta linha de pensamento, há pequenos e poderosos grupos que se articulam para que o Socialismo Fabiano (espécie de menchevismo adaptado à pós-modernidade) – forma suave e quase invisível de implantação do comunismo – seja efetivado no mundo.

Uma classe de burocratas, magnatas, governos socialistas e a cúpula islâmica avançam contra os valores tradicionais da sociedade judaico-cristã, camuflados de ONGs, instituições estatais e empresas privadas atuando na mídia, nas universidades, escolas e dentro dos governos propagando a idolatria cega do “politicamente correto”, da “ideologia de gênero”, do multiculturalismo, das questões ambientais e das culturas minoritárias. Para o guru do presidente Bolsonaro, a civilização ocidental se estabeleceu a partir de instituições como o patriarcalismo, a propriedade privada, a família, exército, o livre-comércio, a cristandade e os Estados nacionais. E exatamente estas instituições estariam neste momento sob o ataque cultural, uma espécie de terrorismo cultural, que teria por objetivo minar as estruturas da civilização e engendrar a necessária instabilidade para a legitimação da criação da Nova Ordem Mundial.

A busca pela verdade absoluta é essencial para essa gente. Nosso tosco presidente gosta muito de um versículo da bíblia sagrada, João 8:32: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. De maneira ingênua ou mal intencionada, a máxima perenialista de que exista uma verdade suprema, acima de qualquer outra coisa, é propagada pelos quatro cantos. Uma verdade que só é acessada pelo sacramento, segundo Olavo de Carvalho, dentro da liturgia cristã católica. Uma verdade que apenas os iniciados possuem e os outros não. Sempre o “lado de cá” estará certo, enquanto o “lado de lá” sempre estará errado.

Para o pensamento da xucra comunidade de olavetes, o mais importante é que a pessoa seja relaxadamente espontânea, pois isso sugere sua honestidade e transparência, além de também demonstrar sua postura política de negação dos “não-valores” pregados pela intelectualidade institucionalizada, detentora do cetro do “politicamente correto”. Para o público moralista de caretas reacionários, ávidos por este tipo de discurso e imagem, todos que se utilizem da correta forma do idioma, que sejam razoáveis em seus discursos, evitem o ataque pessoal, fujam das respostas fáceis e sedutoras, se distanciem dos termos chulos e de baixo calão são falsos e hipócritas.

Por isso, ao mesmo tempo em que temos um “intelectual” como conselheiro da presidência, autointitulado “filósofo”, organiza-se uma cruzada contra o ensino de sociologia e filosofia incitada e inflamada pelos discursos e políticas públicas do bronco presidente e de seu ministro da (anti)educação. Quando Bolsonaro diz ser “temente à Deus, um verdadeiro cristão e patriota”, os radicais bolsonaristas e olavistas já o absolvem de qualquer erro futuro. O presidente é homem bom, honesto e íntegro. Seu interesse maior é com o Brasil. Assim, caso algo dê certo foi porque Deus quis, caso não, também. O principal é combater o inimigo, através de armas letais e da guerra cultural. Finalmente, devemos, antes de tudo, admitir nossa imperfeição e incapacidade de transformarmos o mundo. Admitirmos nosso pecado e reconhecermos a glória de Deus. Feito isso, agora sim é possível evoluir filosoficamente e encontrar os melhores caminhos para os problemas da humanidade.

Não esquecer de desconfiar sempre da ciência moderna e do pensamento progressista, que possui bases satanistas, é fundamental. Olavo de Carvalho disse em algum lugar que Marx não queria a revolução do proletariado de fato, mas sim destronar Deus de seu reino na Terra. Para o guru, a máxima de Marx, a religião é o ópio do povo, seria a constatação do pensamento demoníaco deste autor que influenciou a revolução de 1917 na Rússia. Até bibliografia – escrita dentro da igreja, óbvio – sobre a relação de Karl Marx com o satanismo Olavo de Carvalho nos apresenta. Enquanto isso, o governo promove, através de seu ministério das relações exteriores, seminário com tema globalismo e Nova Ordem Mundial. Definitivamente, tudo que cheira a socialismo e comunismo é coisa do diabo. 

– A música mais subversiva de todos os tempos: mensagem que aproxima o mundo de seu epílogo

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Enfim, chegamos ao nosso destino. Como não somos daqueles que acreditam em respostas fáceis e sedutoras, viemos juntos em uma caminhada longa e tortuosa que exige diligência e paciência. Agradeço ao leitor e leitora que me acompanharam até aqui. Prossigamos… É necessário retomar o começo. Eu acordei certa manhã com uma música na cabeça que me acompanhou durante dias. Por coincidência, naquele período, navegando pelo Youtube encontrei um vídeo de Olavo de Carvalho falando sobre John Lennon que me atiçou o cérebro e me motivou a escrever este pequeno ensaio. Disse ele: “Olha que coisa, saiu outro dia aqui uma nova biografia dos Beatles com uma série de informações novas fornecidas pela senhora Yoko Ono. Yoko Ono!

Dentre essas informações, era o seguinte… Ela e o John Lennon estavam em ativo processo de conversão ao cristianismo. Primeiro dado. Ninguém sabia disso, né? Só iam na igreja, né? Só liam a bíblia, tá? Ninguém sabia disso, né? Não pega bem, né? Então, John Lennon é aí apregoado como se fosse apóstolo do capeta. Segundo lugar, o John Lennon era o maior fã do Ronald Regan, né? E dizia que esse negócio de teoria da evolução é tudo uma empulhação. Então tá aí, o John Lennon era um conservativista, só que é o seguinte, esconderam isso durante quarenta anos, porra! Quer dizer que o cara que era o maior ídolo, era o emblema da revolução mundial, ele não era nada disso. Ele era o contrário, porra! Só que só agora apareceu. Deixa eu ver o nome do cara aqui. The gospel according to the Beatles. É o autor Steve Turner. Ah, outra coisa. Pior. Pior. Pior! Diz que o John Lennon passava horas ouvindo na televisão as pregações de Pat Robertson e Billy Graham. Vê se pode, né?”.

Há algumas coisas que me chamaram a atenção nesta declaração. É notório que Olavo de Carvalho tenta recorrentemente defender suas teorias distorcendo os fatos. Esclareço: John Lennon já havia falado superficialmente sobre conspirações governamentais e controle das massas. E ele foi assassinado por um lunático e fanático religioso chamado David Chapman. Embora as teorias conspiratórias envolvendo o caso, a motivação do homicídio parece ligada ao ódio despertado em Chapman pelas declarações de John Lennon sobre religião e especialmente as envolvendo Cristo, como já mencionado.

Mas, Olavo de Carvalho é um perenialista que acredita na cosmogonia da bíblia de forma fundamentalista e também vê em praticamente tudo que acontece no mundo a presença do diabo ditando os rumos da história. Para o guru do Bolsonaro seria muito interessante pensar que John Lennon finalmente havia encontrado no cristianismo institucional o definitivo caminho da verdade. Embora o ex-beatle estivesse, em princípio, interessado nas pregações de pastores protestantes, uma hora ele iria cair na real e cederia ao sacramento católico. E ao mesmo tempo em que Lennon vivenciava esse processo de conversão cristã, estaria ampliando sua compreensão do estabelecimento iminente do tal governo sem fronteiras da Nova Ordem Mundial. Então, por ser um cara rico e mundialmente influente, John Lennon teria sido calado pela elite globalista, mas sob o manto discreto do assassino solitário. Chapman seria apenas uma peça do xadrez complexo jogado pelos donos do poder. Tudo ao gosto estrambólico e megalomaníaco de Olavo de Carvalho.

No emblemático ano de 1967, o papa do LSD, Timothy Leary, declarou que “a mensagem de Liverpool é o novo testamento cantado pelos quatro evangelistas – São João, São Paulo, São George e São Ringo”. Talvez esta afirmação faça Olavo de Carvalho pensar que Timothy Leary era outro ícone da contracultura em “ativo processo de conversão” ao cristianismo tradicional. Mas Olavo não tem razão. Frases soltas não provam nada. Vamos aos fatos. Vimos que John Lennon acreditava que Jesus era bom e seus discípulos eram cabeças-duras. Ele não acreditava na instituição religiosa, no ‘Cristianismo’ ou Christenthum, segundo a terminologia nietzschiana. Lennon defendia o ser-cristão ou cristinicidade. Uma prática fundamentada no amor.

Olavo de Carvalho não conhece o mundo da música e suas histórias, como já demonstrou muitas vezes. Provavelmente ele não acompanhou as declarações que John Lennon deu durante a vida. Sempre Lennon defendeu a ideia de que cada um deve fazer o que quiser desde que assuma a responsabilidade. Para ele a religião era uma realidade cultural e humana. A deusa de John Lennon sempre foi a Imaginação, a força primordial da existência de todas as realidades. Olavo de Carvalho parece admirado com o fato de que em quarenta anos ninguém falara do cristianismo de John Lennon. Mas nem John Lennon e nem Yoko Ono avançaram neste campo. Qual foi a descoberta de Olavo de Carvalho? De que John Lennon sempre foi um conservativista, seja lá o que isso signifique.

Não nos enganemos, John Lennon nunca foi um esquerdista radical. Em 1968 ele havia criticado o comunismo de velha guarda em Revolution 1. Atualmente, vivemos um momento de guinada à direita política e a história tem sido revista constantemente, muitas vezes de maneira tendenciosa e malévola. O livro de Steve Turner, The Gospel According to the Beatles, destacando a relação de John Lennon com o cristianismo e o filme de Seth Swirsky, Beatles Stories, que sugere certa simpatia de Lennon à Ronald Regan (pois, supostamente John Lennon teria confessado à seu assistente Fred Seaman que se fosse americano teria votado no republicano Regan para presidente), tem municiado figuras como Olavo de Carvalho no ataque e deturpação da imagem de figuras públicas que já estão mortas em defesa de determinadas correntes ideológicas.

Paradoxalmente, Olavo de Carvalho defende que Lennon é um conservador e “maior fã de Regan”. Calma lá.  Lennon não era um comunista e muito menos um conservador cristão. Este é o engano! O ser humano possui natureza complexa e um artista do calibre de Lennon não deixaria de expressar isso em sua existência e arte. O que importa de fato são as evidências históricas e estas se encontram na obra artística e nas declarações à imprensa em forma de happening feitas por John Lennon. O guru da família Bolsonaro descarta toda a mensagem contida na obra do ex-beatle para colocar o compositor assassinado nos braços da grande trama da conspiração da Nova Ordem Mundial. De qualquer forma, Lennon seria jogado lá por Olavo ou outro lunático fantasioso qualquer.

A arte de Lennon é composta de interrogações e não de respostas ou verdades absolutas. Caras como David Chapman ou Charles Manson haviam enxergado na obra de Lennon respostas definitivas aos problemas da existência, e isso transformou-se em desastre. Lennon apenas ecoou as perguntas que já estavam dentro das mentes de sua geração. Nada mais. Foi apenas um viajante entre tantos da misteriosa existência da qual todos nós fazemos parte. Porém, se prosseguirmos na lógica apocalíptica que fora descrita durante todo este texto chegaremos ao porquê da canção Imagine, de John Lennon, ser considerado por mim Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. Para o leitor e leitora familiarizados com a obra de John Lennon e atento a tese do texto é possível que já tenham entendido o que estou querendo dizer. Mas é obvio que não ficaremos nas entrelinhas. Vamos ao ponto que a hora é avançada e as palavras em demasia acabam cansando a mente e nos afastando do objetivo fundamental.

Imagine é a Música Mais Subversiva de Todos os Tempos. Mesmo Olavo tentando salvar a reputação de John Lennon, de satânico poeta, para dar-lhe ares de cristão em processo de conversão, a música Imagine não escapa da aura “diabólica” que a envolve. Se o fim das fronteiras nacionais e o fim da religião apontam para a paz universal, e consequentemente para o início do apocalipse, então, ou o hino pacifista de John Lennon não passa de uma mensagem de alerta para o que está por vir (como talvez Olavo de Carvalho sustente), ou então, serve como meio de panfletagem da mensagem diabólica, desencadeando mais rápido possível o processo das aflições derradeiras. Exatamente o que Satanás deseja. Ou seja, quer John Lennon tenha sido um quase cristão ou não, nada muda o fato de que para os perenialistas cristãos o diabo está aí para desencaminhar a humanidade e utiliza uma série de subterfúgios, como, por exemplo, canções de sucesso, para obter seus macabros objetivos.

Uma canção que fale sobre a possibilidade de imaginarmos um mundo sem paraíso ou inferno, sem religião, sem posses, onde todas as pessoas vivam em paz é demais para um perenialista! No refrão da música, Lennon manifesta a esperança de que um dia seus interlocutores se juntem a ele nesta imaginação da paz para que finalmente o mundo torne-se perfeito e justo para todos. Algo que é inconcebível para os seguidores da escola tradicionalista. Para estes, qualquer utopia é um tremendo engodo, visto que somos filhos do pecado e jamais teremos condições de construir um mundo mais justo por nossos próprios meios. Segundo eles, é necessário rezar muito e pedir a intercessão do senhor Jesus Cristo para que cuide de nós até a chegada do apocalipse que é esperado pelos justos e injustos e temido pelos dois. Enquanto isso não acontece, nada de sonhos!

Longa foi a jornada, caríssimo e caríssima leitora. Para que as ideias não fiquem a boiar pela mente sem a necessária âncora, façamos uma síntese de nossa trajetória. A Paz significa a ameaça do Status Quo e da hierarquia estabelecida – qual estrutura de poder é ameaçada? A hegemonia das elites políticas, centros financeiros e impérios midiáticos. Vimos também que uma das principais ideias sustentadas pela filosofia perenialista é de que a tradição moral judaico-cristã é pilar da existência da civilização ocidental e a verdade absoluta é definida por Deus. A paz ameaça a estabilidade e existência dos Estados nacionais, enquanto, segundo a tradição da bíblia canônica, o fim dos tempos está próximo. Os mais religiosos e os perenialistas acreditam que alguns indícios indicam isso. A existência de uma suposta Nova Ordem Mundial, ou seja, um projeto de governo mundial, seria um sinal dramático da profecia.

A Música Mais Subversiva de Todos os Tempos fala sobre um mundo sem fronteiras e da obliteração da religião, e dentro da lógica tradicionalista isso é perigosíssimo. John Lennon, o autor de Imagine, foi um fã de Aleister Crowley e disse em 1967 que era mais famoso que Jesus Cristo. Lennon fazia o sinal da paz, aquele feito com os dois dedos levantados em “V”, assim como o “V” do gesto ritual. Muitos interpretaram o símbolo da paz, que foi popularizado pelo movimento hippie dos anos 60, como um gesto ocultista malévolo. A imagem de John Lennon sempre esteve envolta em polêmicas. Ele morreu assassinado por um lunático religioso.

Hoje, vivemos um crescimento de discursos distorcidos sobre a história e lideranças governamentais, que confundem religião e política, propagando os maiores absurdos pseudo-intelectuais e teorias da conspiração como verdades a despertarem a alma da população. Embora Olavo de Carvalho tente “salvar” Lennon de sua responsabilidade enquanto mensageiro do capeta, dizendo – de forma bastante estupefata – que Lennon não era tão rebelde assim, pois estava a caminho da redenção cristã. De fato, o guru do Bolsonaro pode poupar Lennon, mas não a mensagem extremamente subversiva, dentro de todo contexto aqui enunciado, contida no hino mundial da paz Imagine.

Brincadeiras à parte com a canção Imagine, ela é subversiva não pelos fatos mencionados acima, mas antes de tudo por apontar a possibilidade do sonho como algo real, desde que o sonho seja sonhado por todos. “Sonho que se sonha junto é realidade”, disse Raul Seixas, outro fã de Lennon. O sonho como uma outra via. A paz como objetivo fundamental e estado permanente. Em um mundo cada vez mais belicoso nos discursos e práticas, mais utilitarista e descrente em utopias, a Música Mais Subversiva de Todos os Tempos não nos deixa esquecer: “You may say, i’m a dreamer/ But i´m not the only one/ I hope someday you´ll join us/ and the word will be as one”.


A Música mais Subversiva de Todos os Tempos (Parte 2)

Por André de Castro Pereira 

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