Nesta matéria vocês farão um tour por alguns dos principais hits da Children Brazilian Music. Uma galerinha marota que marcou a infância de toda uma geração.
Children Brazilian Music, um gênero que é pura nostalgia
No meu último artigo (ver “Um Concorde chamado Trem da Alegria”) salientei a revolução que Juninho Bill e cia provocou na música infanto-juvenil dos anos 1980 ao mencionar em algumas canções suas inocentes puberdades, mas sem deixar de ser o infante que normalmente a idade tece. Claro que não vou abrir polêmicas e colocar que houve intenções escabrosas por parte de seus compositores, e que indiretamente buscava-se uma “erotização ou sexualização precoce” neste público-alvo ou coisa parecida…
Eram tempos que abriam-se espaços (ainda que à pequenos passos) para a liberdade criadora pós-Nova República e o “fim” de censores que mutilavam letras que viam com um mínimo de duplo sentido ou contextos que iriam contra a moral e à boa decência. A liberdade criativa estava fervilhando e era necessário externalizá-la sem causar maiores frissons.
E cabe ao papel de bons criadores insinuar toda a questão marota e hormonal que crianças passam mediante suas descobertas: é rudimentar e ao mesmo lapidado todas as tiradas bem humorísticas para estas situações. Enfim, cá listo um quantitativo de canções em que percebe-se (ou não) um sentido quiçá ambíguo, mas bem inocente (ou até indireto, inconsciente, não sei…), onde algum sensor para malandrices acende como um neon indicando uma invasão inesperada… Assim, boas recordações para vocês !!!
1 – “Maria Chiquinha” (Sandy & Junior, 1991)
Mais do que a polêmica do que Maria Chiquinha foi fazer no mato e as seguintes desconfianças de infidelidades por parte do Genaro “meu bem”, a parte que mais me pega nesta canção são seus versos finais, onde o cônjuge macho propõe um feminicidio seguido duma possível necrofilia !!!
Ouçam e assustem-se com “Então eu vou lhe cortar a cabeça, Maria Chiquinha/ (…) Que cocê vai fazer com o resto, Genaro meu bem?/ (…) O resto? PODE DEIXAR QUE EU APROVEITO…”
2 – “Xa Xe XI Xo Xuxa” (Trem da Alegria, 1988)
Este é a mais clássica e mostra toda a explosão que foi o Trem da Alegria para a Música Popular Infanto-Brasileira: Juninho Bill e sua patota, mostrando-se altamente devoto à sua fada-madrinha Xuxa, a exalta numa canção onde o eu-lírico declara-se um fã apaixonado pela loira rainha.
E dentre todas as peripécias causadas por tal afã, aparece o emblemático verso “Eu fico imaginando, quero ser seu namorado/ Mas fico com vergonha do meu pai que está do lado/ VOCÊ É A CULPADA DO MEU BANHO DEMORADO, Xuxa…”. Oras, caro Bill: por quê esta demora toda no chuveiro?! O que fazias enquanto imaginava a Xuxa e todos os seus ilariês?! É claro que esta demora é justificada pelo carinho terno do cantor-mirim por sua fada madrinha, mas um possível duplo sentido neste verso é que a torna um verdadeiro clássico da nossa antiga música popular infanto-brasileira…
3 – “Vou de Táxi” (Angélica, 1988)
Esta tem um sentido similar ao “Xa Xe Xi Xo Xuxa”, do Trem: a adolescente Angélica, em seus desvarios de amor juvenil, aguarda pelo encontro do seu amado e prenunciar seu meio de transporte para a locomoção deste momento, a loirinha me solta mais uma inocente aventura infantil num banheiro: “Mas no banho/ FOI SÓ ME TOCAR/ De repente/ lembrei do seu olhar…”.
Sei que o “tocar” neste caso tem um sentido de “lembrar-se, perceber, vir o fato à mente”, mas pode-se também imaginar que tudo não passa da garota em seu momento mais íntimo duma lembrança amorosa durante sua higiene pessoal… Enfim, uma ou outra possibilidade não tirará o reluzir histórico de “Vou de Táxi” para a geração oitocentista !!!
4 – “Medusa” (Dominó, 1987)
Quarteto de adolescentes modelinhos com carinha bonita, o sonho de genro pra cada sogra casadoira, o Dominó dominou aquilo que se chamou de boy band tupiniquim. Entre muitos sucessos e fãs descabelando-se, vem a faixa “Medusa”, onde ouvimos “Esse mar, essa onda/ esse olhar de medusa/ Você faz amor, FAZ ENDURECER (Endurecer)…”.
Obvio que a canção faz referência ao mito grego da Medusa, criatura representada por uma mulher com serpentes no lugar dos cabelos e que amaldiçoava aqueles que a olhavam diretamente transformando-os em estátuas, contato fica mais legal pensar no grupo mencionando uma singela ereção ao ver ou se encontrar com sua amada, concordam?!
5 – “Te cuida, meu bem” (Patrícia, 1988)
A transição para a vida adolescente para um membro de grupo infantil sempre foi marcada pela sua saída duma children band. Mais que isto, pensa-se na busca de um novo público, duma nova identificação midiática e musical. É preciso mostrar que o cantor não é mais uma criança e elementos juvenis se faz necessário em seus repertórios.
Posso não estar tão preciso, mas imagino que o primeiro álbum da Paty teve este mote de mostra-la como a menina-moça que floresceu e que os unidunitês de infância agora seriam substituídos pelos suspiros dos primeiros amores…
Assim vejo especialmente na faixa “Te cuida meu bem”, onde temo em imaginar o que Sullivan & Massadas queriam passar à Patrícia ao fazê-la cantar “Vou avisar: te cuida, meu bem/ se vacilar: te cuida, meu bem/ pra quê fugir, sair por aí?/ SE O QUE VOCÊ QUISER COMIGO VOCÊ TEM…”
6 – “Tindolelê” (Xuxa, 1989)
É claro que Xuxa não poderia faltar numa lista destas !!! Tida como iniciante nesta tal “erotização infantil” por, no ar de seus vinte e poucos anos, usar sempre roupas que destacavam o corpo desnudo, a Rainha primou (especialmente nos seus tempos de Som Livre) por ser uma cantora prioritariamente infantil, indo assim ao contrário das canções românticas de suas “rivais” da época Mara e Angélica.
Contando com um séquito de compositores monitorados para sempre passar boas e instrutivas mensagens aos seus baixinhos, a cantora tinha total poder para limar algo considerado um tanto insinuante em seus contextos.
Contato creio que a vigilância tenha falhado ao analisar a letra de “Tindolelê” e sentir um certo ar de voyeurismo nos versos “EU QUERO VER/ Tindolelê/ NHECO-NHECO, xique-xique, balancê…”. Assim, querer ver o tindolelê, o xique-xique e o balancê até que é passável, mas observar um nheco-nheco dá ideia pra mil conotações nada cristãs, né?!
7 – “A Patinha da Vovó” (Trem da Alegria, 1986)
Trem da Alegria são reis neste quesito e outras trilhões de canções poderiam entrar neste rol, mas além da já citada anteriormente, boto aqui a melindrosa ideia dum duplo sentido maravilhoso em “A Patinha da Vovó”: a letra deixa bem claro que dum grande ovo encontrado “bem no meio duma moita de bambu” saíram quatro patinhas.
Após narrarem suas peripécias, o grupo anuncia o nome dos bichinhos: “Pata, Peta, Pita, Pota… PUUUUXA !!!”. A onomatopeia de espanto realça bem a primeira sílaba, malandramente posta para as crianças soltarem nas festinhas de aniversário um palavrão que fariam mães e avós, perplexas, prepararem o braço pruma boa sova bem dada…
Afinal, confessem: quem, crianças oitentistas do meu Brasil, não ousou pensar numa (inexistente) quinta patinha, que herdaria de sua genitora o nome em aliteração e lógica, mas altamente polêmica até para os dias caretas atuais?!
Children Brazilian Music, tirem suas próprias conclusões
E muitas outras deve haver: os anos 80 e 90 foram ricos destes “trocadalhos do carilho”. Afinal, como já foi dito aqui, eram tempos dum novo respiro pós-tempos de chumbos e censuras. A música popular sentiu-se livre pra proclamar “deixa eu te amar, faz de conta que fui o primeiro…” ou pedirem pra abrir a roda no programa sabatino do Chacrinha sem militarismo algum poder chiar ou meter seus bedelhos.
Infanto-juvenis já eram mais avançadinhos nestes tempos do que nos primórdios da vovó; é totalmente compreensível numa criança que nesta fase ainda imatura os hormônios falarão mais alto e o consumo da cultura hereditária destas mínimas saliências serão premissa de suas cotidianidades. Saliento mais uma vez que não vejo uma intenção antimoral dos compositores das músicas supracitadas.
Cacofonias inconscientes, versos sem maldade, uma palavra posta num sentido até mais cândido são perfeitamente aceitas: cada canção fez seu sucesso temporal e perpetuaram-se clássicas justamente pela maneira como foram versadas e cantadas, No fim, vale realçar a importância das lembranças afetivas que cada uma delas traz, seus contextos em algum momentos de muitas velhas infâncias Brasil afora, não importando assim o jeito como eram interpretadas na intimidade… Saravá para todos nós !!!