Marcola Bituca e o seu Carnaval Particular – uma crônica

Uma crônica que captura bem toda a evocação presente em “Galo, A Ciência do Tambor”, terceiro disco de estúdio do baiano Marcola Bituca, pelas lentes de Uyrá Siqueira Argolo.

Marcola Bituca Carnaval de 2023. O “coronga” nocauteado, espero, a alegria, o caos dos corpos espremidos, se tocando, magnéticos,  lindos, voltam mais intensos, sedentos e cheios de saudades. É sábado. O sol esfria. Entardece. La Fúria, frenético, como sempre, passa.  Um trio dobra a esquina perto da Casa d´Italia e entra na Avenida Sete sentido Praça da Piedade. O grave  das caixas fica mais forte. Abusa. Todos sentem a porrada, parafraseando Tom Zé, das pernas rumo à boca do estômago.  No alto, no mic e no comando da cria moderna de Dodô & Osmar, Marcola Bituca, que arrasta uma pequena multidão,o coro percussivo potente, o rap, o grime, o trap, o Samba Reggae, o pagodão, a Bahia e seu macrocosmo cultural, ancestral, transversal e único. 

Paro o devaneio. Acordo e percebo o motivo da minha “viagem”, do meu salto para um futuro próximo, bem próximo: o novíssimo “Galo, a ciência do Tambor”, o terceiro álbum de estúdio do inquieto artista de Itapuã, que bate certo e toca em loop no meu fone. Um álbum carnavalesco.  Carnavalesco no sentido da conexão com o outro, das transcendências, das significações que isso produz e, por que não, do groove  arrojado, produto de uma mistura cuidadosa que cria mosaicos rítmicos marcados por uma identidade musical coletiva, histórica, atravessados por letras que criam espelhos onde todos os soteropolitanos podem enxergar-se sem filtros, sendo guiados criticamente, e com fé, por um trovador refinado, nosso e, portanto, universal.

Nesse novo trabalho, diferente de “Yat” (2019) e de “Os Últimos Filhos de Sião” (2020), Marcola Bituca traz o tambor e suas ressonâncias para o centro de tudo. Porque entendeu, corretamente, que a Bahia, Salvador em particular, foi tecida com o seu couro, madeiras e toques, e que se comunica melhor com a sua gente, com o país e com o mundo através dele. Cozinhou essa pérola musical com a fina flor da percussão baiana, mestres e personagens célebres que moldaram a complexa e influente música do Estado: Jorjão Bafafé (Conga)  – Afoxé Badauê, Bloco Ókánbí, Ara Ketu e Jimmy Cliff -, Mestre Marsal (Caixas, Repinique, Surdos e Dobras) – percussionista do Olodum, e que esteve na gravação do lendário disco Egito – e contou com a direção percussiva do Mestre Jackson, um dos fundadores do movimento Samba-Reggae e ex- diretor de bateria do Olodum. A direção musical, produção e coprodução ficaram nas mãos habilidosas e criativas dos seus parceiros de estradas, Marcelo Santana (Aquahertz) e Yan Santana (Mouseion Beats).

Em janeiro de 2021, Marcola experimentou essas referências timidamente no single “Cristal”, em parceria com o cantor Kolx .  Agora, as realiza plenamente nas 10 faixas que compõem o trabalho, com um discurso que junta aos beats, aos surdos, as caixas, aos repiniques, as congas e dobras a polifonia de Deuses e Entidades que abrem caminhos, que dançam, que não são indiferentes aos nossos apelos, à cidade, Salcity, opressora, vil e fantástica.  

Volto ao devaneio. É noite. Atrás do trio, agora já perto da Praça Castro Alves, a galera, cansada, canta, em uníssono, o refrão de “Polindo Pedras”. Marcola, no alto e em transe, segura o microfone perto da boca e leva a mão aos céus. A pequena multidão faz o mesmo.  A  vibração dos tambores abençoa a todos.  E o elo entre o homem e o divino acontece. 

-Marcola Bituca e o seu Carnaval Particular – uma crônica 

Por Uyrá Siqueira Argolo 

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