A galera do Abayomy sai na frente em 2016 com o álbum Abra Sua Cabeça, primeiro álbum afrobeat brazuca do ano!
Abra Sua Cabeça, novo álbum da Abayomy Afrobeat Orquestra, mantém o swing e a vibração de Abayomy (2012), primeiro álbum do grupo. Há mudanças na sonoridade e podemos dizer que entre os dois Abra Sua Cabeça é talvez menos afrobeat que seu antecessor. Nesses quase quatro anos de hiato entre os álbuns muita coisa foi gestada entre os membros da própria banda. Numa banda formada por um grande número de músicos, nada mais natural que a a presença de uma diversidade rítmica e sonora.
O resultado desse universo musical presente na composição da banda é o aprofundamento da Abayomy na exploração de novos elementos sonoros. Neste trabalho fica clara a intenção da banda em ir além do afrobeat, radicalizando ainda mais o afrobeat à brasileira apresentado no primeiro álbum. Há maior diversidade de influências que garantem um novo frescor e força à sonoridade de Abra Sua Cabeça. Sua elaboração ocorreu a partir da interação de um grande número de músicos permitindo uma gama maior de pesquisa, experimentações, testes, fazendo da banda um verdadeiro laboratório musical.
Abayomy é o encontro entre músicos interessados em fazer vibrar ritmos e melodias iorubás afim de celebrar toda força da história de luta do povo negro contra a opressão a que foram submetidos simbólica e fisicamente. Por isso a intensa presença da ancestralidade evocada pelas batidas e cantos presentes no álbum. A celebração feita pela Abayomy não enfatiza apenas a musicalidade, mas a usa como veículo para promover uma verdadeira exaltação a tudo que envolve o universo do povo negro. Espiritualidade, luta, denúncia, beleza referentes ao universo negro marcam presença nos ritmos, melodias e poesia de Abra Sua Cabeça.
A banda conseguiu aproveitar bem toda diversidade existente graças aos seus muitos componentes. Há uma convergência que é um reflexo do interesse comum de fazer o afrobeat abayomy continuar vivo e se propagando para todos os lados. Convidados foram ao encontro da Abayomy contribuindo ainda mais para que Abra Sua Cabeça fosse não apenas um excelente álbum, mas um álbum carregado de vibração, swing e simbolismo. A produção ficou a cargo de Pupillo. Isso mesmo, o batera da Nação Zumbi ofereceu toda sua percepção e sensibilidade para construir a musicalidade de Abra Sua Cabeça.
Abra Sua Cabeça (música título do álbum e que o inicia) tem um caráter bastante ritualístico, envolta em atmosfera mística, evocando toda sacralidade da música dentro das práticas das religiões de matriz africanas brasileiras. A música começa com uma fala do próprio Tony Allen sobre o cara que começou tudo na música afrobeat, Fela Kuti. O sax barítono de Thiago Queiroz dá o contraponto aos demais instrumentos ao longo da música. O tremor do timbre poderoso do barítono abre filamentos em praticamente toda a melodia do disco. Eis que de repente as marcações desaparecem e dão lugar a um solo agressivo saído do ronco forte do sax barítono, que nos prepara para o canto.
Otto oferece sua voz a Mundo Sem Memória, além de tê-la composto junto com o guitarrista Zé Vito. Introdução pesada, marcada pela torrente sonora dos naipes de metal, entrecortado pelo baixo groovador de Pedro Dantas. A música ganha corpo e vazão sendo o suporte perfeito para a voz grave e rouca de Otto. As metáforas presentes na letra transmitem a ideia de luta, resistência, embate de forças. Tais referências aparecem logo na primeira estrofe. “Não fique por perto que o samba é elétrico / O samba é feito de raio e trovão / O cheiro de rosa perfume na mão / A mulata assanhada não pede perdão”. A imagem da necessidade de lutar evoca-se no refrão: “Diz aí companheiro / O samba é guerreiro”.
Os atabaques vibram, anunciando o início (chegada) de Omolu, terceira música do álbum, claramente tecida com a intenção de fazer soar melodias e ritmos de reverência à religiosidade iorubá. Outra referência à ancestralidade africana é marcada pela letra da música escrita e cantada em iorubá por Garnizé, um dos percussionistas da banda. O andamento cadenciado da música valoriza o ritmo, este acentuado não apenas pelos instrumentos rítmicos, mas nos harmônicos e melódicos também. Guitarra e teclado ganham destaque nesta música. A levada groove da guitarra durante boa parte da música lhe dá o swingue, o convite à dança, elemento importante nos cerimoniais das religiões de matriz africana. O teclado fica a encargo do pano de fundo harmônico, construído através de acordes sustentados tempo suficiente para resultar num clima abstrato, levando o ouvinte a dar o salto transcendental, que é fundamental para se ter uma experiência religiosa completa.
Em Oya! Oya! merece destaque a presença do coral no início da música. O contraponto com o canto solo que responde aos seus apelos do coral, estabelece uma interação cujo fluxo deságua na melodia principal cantada de forma corrente, sempre seguida da forte presença dos metais e da levada groove da guitarra. Esta aparece em outro momento intensificando o peso da música num solo marcado pela força da distorção. Na parte final percebemos o tracejamento de uma linha de fuga que sai do afrobeat e constrói estruturas melódicas características de ritmos do norte do país, mas lembrando muito as linhas melódicas tocada por Robertinho Barreto com sua guitarra baiana na Baiana System. (Compare ouvindo a música Playsom clicando aqui, atenção ao solo da guitarra baiana no final da música). Isso mostra a conectividade musical entre as novas forças da música brasileira.
O timbre suave da voz de Céu se propaga por toda melodia e ritmo construído pela Abayomy em Sensitiva. Tão leve quanto o pano de fundo rítmico/harmônico da banda é a melodia entoada pela cantora, hipnotizando, fazendo-nos relaxar, como se tivéssemos acabado de fumar um baseado. Em alguns momentos somos arremetidos ao reggae, sensação desfeita quando as batidas percussivas se alteram imprimindo uma dinâmica menos cadenciada.
“Chegou a hora do tumulto/ Chegou a hora da virada” avisa-nos a letra de Com Quem. É mais uma música cuja letra convoca-noa à luta contra a opressão sofrida em nosso contexto social. Herança terrível dos tempos de colonização europeia. As batidas lembram aquelas dos rituais tribais de preparação para batalha. O clima gerado pelo instrumental caminha na direção da preparação para a libertação dos grilhões do nosso captor.
Tony Allen é invocado mais uma vez pela Abayomy, agora em Tony´s Relax. Como o próprio nome insinua, temos nesta música a cadência marcante do afrobeat de Tony Allen cujo swing moderado faz arrepiar os pelinhos atras do pescoço. A música vai ganhando intensidade na medida que vai rolando e os instrumentos vão sendo incorporados resultando num bloco sonoro bastante sólido e diversificado. A letra está em francês e é cantada por Thiago Queiroz. Os caras botam um efeito echos na voz gerando um resultado bem interessante, que dá um tom onírico à música.
O manguebeat é jogado no caldo afrobeat da Abayomy temperando fortemente seu sabor. Jorge Du Peixe fecha parceria com os cariocas na composição e empunha o microfone soltando sua voz marcante e fazendo os beats do mangue dar o tom da música. Fica difícil não pensar no Nação Zumbi ao ouvir esta música, pois a impressão da musicalidade da banda pernambucana é feita com bastante força. Uma mistura entre afro e manguebeat em diferentes proporções, mas que proporciona uma experiencia sonora instigante.
Pra fechar o álbum os caras mandam uma porrada sonora com letra poderosa afirmando toda sorte de elementos que compõem a negritude, avisando que haverá briga e que é preciso cada qual assumir o seu lado nesse embate. Somos lembrados da luta constante que devemos travar para termos nossa cidadania respeitada e garantida.
Abra Sua Cabeça e ouvidos para o som da Abayomy, sintonize-se com seu instinto ancestral!!
Abayomy Afrobeat Orquestra – Abra Sua Cabeça
Produzido por Pupillo
Gravado em junho de 2014 no Estúdio Massa, no Rio de Janeiro Engenheiro de som: Bruno Giorgi
Assistentes de gravação: Bruno Schultz, Alex Miranda
Mixado e Masterizado por Bruno Giorgi
Edição: Andreas Sepulveda e Alex Miranda
1. Abra Sua Cabeça (Thomas Harres /Pedro Dantas /Alexandre Garnizé /Flávio Neme) 2. Mundo Sem Memória (Zé Vito/ Otto/ Alexandre Garnizé)
3. Omolu (Thomas Harres /Pedro Dantas / Alexandre Garnizé)
4. Oya! Oya! (Gustavo Benjão /Thomas Harres)
5. Com Quem (Fábio Lima)
6. Sensitiva (ZéVito /Pupillo)
7. Tony Relax (Thiago Queiroz / Thomas Harres / Pedro Dantas)
8. Vou Pra Onde Vou (Abayomy Afrobeat Orquestra / Jorge Du Peixe)
9. Peleja (Fábio Lima)