Miasthenia traz novo épico em seu mais recente lançamento

Uma das maiores forças do Black Metal Brasileiro, o Miasthenia, retorna com seu novo álbum, Espíritos Rupestres. 

Nunca foi exagero dizer que Susane Hécate é uma das melhores letristas e poetizas do Black Metal no mundo, e uma das maiores visionárias do estilo aqui no Brasil. Afastando-se do lugar comum na misantropia e nas inspirações na mitológica nórdica, a historiadora, autora, doutora e professora da Universidade Federal de Brasília, tem em seu currículo e trabalhos impressionantes uma ligação fortíssima com os povos pré-colombianos, e trouxe essa influência para a vertente mais extrema da nossa música.

Miasthenia
Miasthenia

A compositora se utiliza de ficção histórica para produzir grandes épicos, e quando traz personagens e trajetórias reais, adequa essas narrativas ao seu olhar social, transformando suas canções em verdadeiros instrumentos políticos. E sua grandeza não reside apenas na escrita. Diferente da leva de bandas do movimento vinda dos anos 90, Hécate traz em seu vocal perfeitamente inteligível uma verdadeira carga combativa e catártica, que, realmente, chancela o fato de seu grupo se distanciar de seus pares, cantando em português.

A vocalista ainda é multi-instrumentista, e apesar de ser uma característica comum para os padrões do Metal Negro, traz o teclado como sua principal ferramenta. Susane desenhou uma atmosfera única no nosso território, já que consegue misturar muito do sinfônico e do dungeon synth com a clássica herança da assinatura primal pelo qual o nosso BM ficou conhecido no mundo inteiro com o Sepultura original, Sarcófago, Mystifier, Vulcano, entre outros.
Mas Hécate não está sozinha, e, claro, ao lado do Marcos Thormianak, no ano em que completam 30 de carreira, com uma nova formação, o Miasthenia, uma das bandas mais importantes da nossa cena, está de volta para um novo conto sobre suas já tradicionais batalhas épicas. E dessa vez, o novo disco, chamado Espíritos Rupestres, será baseado no conto histórico, em prosa poética, de autoria da Susane, A Bruxa Xamã.

A Bruxa Xamã

Miasthenia
Capa de “Espíritos Rupestres”

Espíritos Rupestres, sexto full do grupo, que agora traz as talentosíssimas Aletéa Cosso, multi-instrumentista, que ficará responsável pelo baixo, além de viola clássica e vocais líricos, e Lith Drummer, ex-Valhalla, na bateria e também contribuindo com seus já lendários e cultuados vocais guturais, já abre seu tracklist com “Evocação”. E o ritual é iniciado justamente com a assinatura que o Miasthenia tem trazido mais e mais nos seus esforços: a dinâmica do death metal, os furiosos blast beats, os épicos riffs que mesclam a atmosfera do BM com ecos da melodia do heavy tradicional, e claro, tendo seus teclados enfeitiçados como grande protagonista para todo o mistério da faixa.

E é logo na segunda música que somos apresentados à “Bruxa Xamã”, e se opondo à cadência do tema anterior, e atendendo à evocação, a Bruxa chega como uma tempestade ácida de puro BM sinfônico, com muita velocidade e riffs cheios de cortantes harmônicos. E aqui já somos introduzidos à grande trajetória da guardiã dos mistérios rupestres, e junto com “Cárcere da Inquisição”, que traz alguns dos vocais mais poderosos da história da banda, acompanhamos a conversão da Xamã em Bruxa pelos visitadores do Santo Ofício da Inquisição no Brasil Colônia, sob a acusação de feitiçaria, e sua viagem e conexão com o sonho, memória e ancestralidade.

Como não poderia deixar de ser, “Saga de Mil Povos” e “Guerra dos Bárbaros”, trazem ecos de Quorthon e do metal oitentista para narrar esses grandes períodos sangrentos da nossa história em verdadeiros hinos de batalha e rebelião, mostrando a Xamã em seu trajeto de nascimento, desenvolvimento e perseguição. Tudo isso para desaguar no momento mais épico e primeiro single do álbum na forma de “Tapuia Marcha”, que se apoia no conceito do termo “tapuia”, que seria de procedência tupi, e adotado pelos colonizadores para simbolizar os inimigos, os “fugidos da aldeia”, que não aceitaram a invasão, trazendo à tona a grande canção de resistência do disco.

“Guardiã dos Mistérios Rupestres” abre caminho para a fase final do trabalho, com o Miasthenia apresentando o seu clássico e gélido melodic black metal. A música título do disco, e novo single, vem para coroar de vez essa nova formação que aparece com todo o seu poder de fogo, com a Susane e a Lith se alternando nas brutais vozes, Thormianak mostrando toda a sua técnica nos solos fulminantes, e a Aletéa brilhando nas linhas belíssimas de baixo e viola. Um novo clássico da banda. “É chegada a hora da transmutação”, diz a derradeira canção, que também é a mais densa e melódica de Espíritos Rupestres, e nos leva aos céus da floresta para fechar a história da Bruxa Xamã de forma emocionante.

Mil Povos

Com um time absurdo do underground para produzir todo o material, que sai via Mutilation Records, e acompanha o digibook com o conto que serve de base para as canções, com Danilo Coimbra (Malefactor e Headhunter DC), na edição do teaser (filmado pela Lith), Tatyani Quintanilha nas artes, que ficaram impressionantes, fotografia por Fançois, diagramação e edição visual do encarte por Slanderer, gravação por Marcos Pagani, no Orbis Estúdio, Brasília, e mixagem e masterização no BroadBand Studio, Reino Unido, com Caio Duarte, que vem trabalhando com a banda desde o Supremacia Ancestral, o Miasthenia volta triunfante. O grupo, mais uma vez, mergulha na História, inspirado nas pinturas rupestres de grandes conflitos e rituais da Serra da Capivara, ao sul do Piauí, um dos sítios de maior importância arqueológica e cultural do mundo, para recontar e não nos deixar esquecer da trajetória de resistência dos mil povos do nosso país. Uma verdadeira obra de arte. Vida longa ao Miasthenia! 

 

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