Paternagem Punk: Ensaios Sobre Criação em Três Acordes: livro reúne ensaios nos quais seus autores refletem sobre a criação de suas crianças em meio ao contexto da cultura punk/ hardcore.
Paternidade x Paternagem
O termo paternagem, antes da leitura do Paternagem Punk, era pra mim que nem caviar. Portanto, já de cara o título do livro me colocou diante da estranheza do tema e despertou a curiosidade em saber do que se tratava.
Bom, quando um conceito surge é pra dar conta de um problema existente o qual precisamos lançar alguma luz para buscar meios de resolver. O primeiro passo é sempre entender o problema.
Numa sociedade machista, problemas ligados a figura masculina é mato. E a figura do pai aglutina em si características que giram em torno do poder e da autoridade.
Quem aí com mais de 30 anos não ouviu da mãe aquela ameaça “Espera só o seu pai chegar!” quando sua versão criança e adolescente teimava em não seguir a orientação materna. Eu particularmente tremia que nem vara verde num vendaval!
O conceito de paternagem vem dar conta da construção de uma consciência ética do homem com relação à criação de suas crias. Quebrar essa persona do pai responsável apenas em fornecer as condições materiais para a criação das crias, e vez por outra servir de recurso pedagógico da mãe assumindo a figura de “bicho papão”.
A paternidade depende apenas das condições biológicas reprodutivas para acontecer. Qualquer Zé Ruela pode ter a paternidade. E na maioria das vezes são Zé Ruelas, que abandonam a mulher com a criança e caem no mundão.
Ou são aqueles que se afastam e deixam a mulher e a criança desamparadas. Joga no Google a frase “não pagou pensão alimentícia”, você vai encontrar a rodo notícias de jogadores de futebol, músicos e todo tipo de celebridade com problemas na justiça por não pagar pensão alimentícia.
O fato da natureza da paternidade ser biológica e jurídica é fruto do tipo de sociedade em que vivemos, cujas estruturas foram construídas pelo patriarcado. O homem assume a função de reprodutor e provedor, introjeta-se na cabeça dele que isso basta.
Recentemente, numa conversa com um amigo sobre nossas relações com nossos pais, compartilhamos a visão que estes tem de si mesmos enquanto pais. Ambos consideram-se bons pais pelo fato de nunca terem deixado faltar nada em casa.
Esse tipo de pai não consegue entender, por exemplo, o fato de seus filhos e filhas terem uma ligação afetiva e de confiança apenas com as mães. Isso porque apenas a mãe assume a função de criar filhas e filhos. O pai, tendo contribuído para colocá-las no mundo, agora cumpre apenas a função de prover materialmente e a função virtual de servir para assustar as crias.
Já a paternagem significa assumir uma postura ética diante da função de criar uma criança. Isso abre uma campo de possibilidades gigantesco. Porque significa que não há uma receita, que cada qual pode construir o seu modo de ser pai.
Existem milhões de modos de se paternar, você pode construir o seu. Porém, sem a responsabilidade de participar ativamente na criação de suas crianças, seja só ou ao lado do companheiro ou companheira, a paternagem se torna impossível.
Existe um caminho a ser trilhado pelos homens que se tornaram pais, este se inicia pela paternidade e o conduz em direção à paternagem.
A paternagem punk
Um dos textos que fazem a apresentação do livro, de autoria de João Bittencourt, responsável pela organização do livro junto a Fabiano Passos, defende a tese expressa em seu título que ‘Paternar é um Ato de Rebeldia‘.
Trata-se de um ato de rebeldia porque paternar leva à contestação daquilo que é introjetado socialmente pela ideologia patriarcal como sendo a função do pai. Reflete também o que há em comum entre os textos, o fato de seus autores guiarem sua vida pelos preceitos da cultura punk/ hardcore.
Os ensaios tem em comum o relato das experiências individuais de cada autor na construção do seu modo de criar suas crianças, tendo na cultura punk/hardcore a bússola que orienta esse processo.
Desse modo, podemos dizer que as famílias punks acrescentam os ingredientes políticos e culturais à paternagem. Essa é a contribuição que o movimento punk/ hardcore dá a estes pais na busca de construir seus modos de paternar.
As experiências individuais de paternagem relatadas no livro tem reflexo coletivo, pois antes de se tornarem textos, foram compartilhadas em um grupo de whatsapp criado por pais punks de todo país com o intuito de se ajudarem a lidar com as questões que a paternagem impõe.
E nessa dinâmica que somos apresentados ao modo punk/ hardcore de se paternar.
Os ensaios de criação em três acordes
Ser pai está no meu top três de coisas que me metem medo pra valer. Muitas das questões que contribuem para essa minha fobia pela paternidade são questões que os autores enfrentaram quando a paternidade se tornou realidade, entre elas a própria fobia pela paternidade.
Quando cheguei ao fim da leitura do último ensaio que compõe este livro, pude entrar em contato com uma diversidade de questões sobre a paternidade e modos de lidar com elas, ou seja, os modos de construir a paternagem, que acabei tendo uma visão mais abrangente acerca de colocar uma vida no mundo.
Temos ensaios que abordam a questão de classe, que abrange os âmbitos social, econômico e ideológico. Como ser pai e educar suas crias em meio ao assédio das mídias que querem transformar pais, mães, filhos e filhas em meros consumidores. Consumismo x Paternidade.
Como lidar com o cansaço, a falta do tempo roubado pelo capitalista que explora pais e mães, que os priva de estar com suas crias. Rotina x Paternidade, Pailetariado, Labirintos: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, se unir o bicho foge.
Outros trazem as questões dos afetos, das relações interpessoais, enfrentadas por quem está distante das crias. A questão de gênero que leva a refletir sobre os desafios de educar um menino num contexto social machista e homofóbico. Milhões de Policiais Mortos, Até que Ponto não Estamos Reproduzindo e Criando Mais Uma Geração de Homens Violentos?
A questão da autoridade e do exercício do poder sobre as crias. Contra Toda Autoridade (menos aquela que exerço sobre minha filha ou meu filho), Quanto Vale a Liberdade? Relato de uma paternagem punk (e anarquista).
Educar filhos e filhas dentro dos princípios do punk/ hardcore. Never Again. Lidar com as instituições liberais que vão tentar moldar nossos filhos à imagem dos interesses do capitalismo. Crítica à Crítica da Educação: Um Manual Para Escolha da Escola da Sua Prole.
Homens como eu que acabaram construindo uma aversão à botar um ser humano no mundo, saem tendo uma outra visão acerca da questão do que significa ser pai ao terminar a leitura de Paternagem Punk. Sigo tendo a postura de não ser pai, mas as experiências relatadas nestes ensaios trouxeram a mim uma dimensão mais ampla acerca desta questão.
Até porque, mostram que as dificuldades impostas pela paternidade podem ser superadas quando se assume uma postura ética diante desta condição. A paternagem ao modo punk, que se coloca como um ato de rebeldia, mostra haver condições concretas para se criar pessoas críticas e que se apresentam como agentes de transformação da realidade.
Para mais informações, inclusive de como adquirir um exemplar do Paternagem Punk, acesse a página do Instagram do livro clicando bem aqui ó.
As músicas que servem de mote para a reflexão dos autores para seus ensaios podem ser ouvidas na playlist abaixo.
