‘Rock Believer’, novo álbum dos veteranos do Scorpions, turbina velhas fórmulas com sangue novo e muita vontade, confira!
Gigantes ainda caminham sobre a Terra
Tendo iniciado seus trabalhos em 1965, o Scorpions está mais do que consolidado como uma das bandas de rock mais antigas ainda em atividade, e usufrui de uma experiência de quem já passou por quase todas as fases e sonoridades que o estilo vivenciou. É mesmo honroso e surpreendente, em 2022, vir aqui ao “papel” colocar algumas das minhas impressões sobre o que realmente pode ser um dos melhores discos de sua longeva carreira, e uma verdadeira retomada ao altíssimo padrão de qualidade que foi instituído pelo grupo em seu heyday.
Durante a efervescência das décadas de 60 e 70, o rock se abriu para inúmeras vertentes e viu o nascimento dos primeiros times de bandas que se tornariam expoentes e referências eternas para seus subgêneros, e não era algo incomum que muitos desses grupos ainda estivessem procurando sua identidade por dentro de tantas revoluções sonoras. O Scorpions não foi indiferente ao movimento e se aventurou pelo rock n´roll básico/blues rock dos primórdios de Beatles e Stones, mergulhou na psicodelia/space rock do pós Woodstock, e até sofreu com a falta de norte depois da saída de seu maior talento.
Após o fim da parceria com o prodígio Michael Schenker, que deixava a banda para acabar se tornando um dos guitarristas mais importantes e influentes da história do heavy metal, o grupo alemão parece se espelhar no próprio Schenker, agora no UFO, para buscar uma sonoridade mais pesada e densa, que acompanhava também a explosão da Santíssima Trindade Britânica, composta por Zeppelin, Sabbath e Purple. O encarregado de fazer o duro trabalho na substituição de Michael, seria o igualmente virtuoso Uli Jon Roth.
Com Roth, o Scorpions conseguiu se consolidar como uma das bandas mais agressivas, interessantes e influentes da década de 70. O time conseguiu mesmo fazer algo diferenciado, apostando em um som alto, rápido, porém cheio de camadas, experimentações e o toque blueseiro do novo guitarrista, que nunca negou ser um grande discípulo de James Marshall Hendrix.
No entanto, totalmente focado no trabalho de Hendrix, Uli Roth já se via como um artista solo, mesmo dentro de um grupo, buscando cada vez mais imprimir suas digitais dentro do trabalho dos alemães. O virtuose compunha, cantava, solava, e apesar de continuar a encantar os fãs da banda, que achavam que eles haviam atingindo sua forma definitiva, chegava a hora de mais uma separação.
Os problemas de comunicação e ego já se tornavam insuportáveis para ambas as partes, mas o que os fãs não percebiam mesmo era a inclinação que os Scorpions já tinham para a nova onda do metal que dava as caras na Inglaterra no fim daquela década, e um novo mercado para bandas de hard/heavy em solo americano. O fato é que precisavam de um novo guitar hero, e que este conversasse diretamente com a nova geração de shredders que já começava a aparecer.
Os efeitos da chegada ao topo e a reestruturação
Com uma nova equipe, capitaneada, agora, pelo novato Matthias Jabs, o Scorpions se torna oficialmente o que entendemos até hoje pela banda: hard/heavy de arena, pesado e veloz, com riffs e solos explosivos, e gritos e agudos ensurdecedores, tal qual ouvimos na dobradinha clássica Blackout e Love At First Sting. A mudança teve o timing perfeito para fazer a banda conquistar a América e o mundo.
Após o apogeu, confirmado, inclusive, no nosso primeiro Rock in Rio, mais mudanças ocorreram no mundo do rock, e para sobreviver ao grunge, às boy bands e ao eletrônico, que tomaram conta dos anos 90, os veteranos cometeram um dos discos mais esquisitos da história da música, o Eye II Eye. Logo, seguiu com remontagens de suas baladas mais famosas e açucaradas em formatos sinfônicos e acústicos até encontrar novas brechas no mercado para buscar por sonoridades que os reconectasse com os antigos fãs.
A reconstrução da sua identidade clássica levou tempo, e bons momentos em estúdio voltaram a aparecer, enquanto se confundiam com as tais turnês de despedida(?). Fato é que sangue novo mais uma vez foi importante e necessário para mais uma virada de chave na carreira da banda, e é aí que o lendário Mikkey Dee entra na história.
Dee é um dos bateristas mais pesados, velozes e experientes do rolê. Seu currículo é invejável, e além de ter sido o dono das baquetas da fase clássica do King Diamond, ter integrado o dream team que gravou um dos discos mais icônicos da década de 90(Don Dokken – Up From the Ashes, que ainda conta com John Norum, do Europe, nas guitarras, e Peter Baltes, do Accept, no baixo), ainda se tornou uma das marcas da sonoridade do glorioso Motorhead. Não dá pra ficar indiferente com a técnica e presença forte do sueco, e ele trouxe o foco que os alemães precisavam para retomar o seu som.
Presente e passado se encontram
Com a nova formação consolidada e as dificuldades impostas pela pandemia, os escorpiões começam, ainda 2020, uma produção que seria chamada de Rock Believer, que teria capa e sonoridade que remetessem aos seus melhores lançamentos, e que viu a luz do dia agora no início de 2022. O grande diferencial do disco é, sem sombra de dúvida, o sentimento de grupo como unidade, já que há muito tempo não se sentia a banda soando como se estivesse tocando ao vivo no estúdio, com produção mais crua e agressiva, e com tantas composições assinadas pelos próprios integrantes.
Rock Believer já abre com uma trinca ensurdecedora! É sim aquele Scorpions fazendo som gigante, para arenas. “Gas in the tank” é apaixonante, como suas grandes canções do passado, e “Roots in My Boots” e “Knock ´em Dead” cumprem bem o papel de não deixar a peteca cair. E se estas não são estridentes e velozes como sua faceta mais metal oitentista, pesam a mão na solidez de um heavy rock robusto com ecos de anos 70.
A faixa-título, um dos singles, continua no ritmo mid-tempo, mas já bem mais melódica, com letra autobiográfica e jeitão de hino, enquanto “Shining Of Your Soul” mostra o lado mais experimental da banda, apostando em timbres diferenciados, modernos e emulam até um reggae, em alguns momentos. Esta entrega para “Seventh Sun”, com baixo e guitarras que lembram bastante o Van Halen clássico, trazendo um dos momentos mais densos, épicos e interessantes do disco.
“Hot and Cold” e “When I Lay My Bones to Rest” trazem o espírito mais festeiro e enérgico dos tempos do glam metal para o miolo da bolacha, para introduzirem o grande hit de Rock Believer, “Peacemaker”. O single reúne todos os melhores ingredientes para criar um grande clássico com a forte assinatura do grupo alemão, e ainda prova mais uma vez como a bateria forte de Mikkey Dee é grande responsável pelo novo vigor nas novas canções.
“Call of The Wild” tira o pé do acelerador na faixa que mais nos lembra do lado mais espacial e psicodélico dos escorpiões, e acaba sendo a saída perfeita para nos levar ao último esforço. Esforço que acaba sendo justamente a única balada do álbum, seguindo a tradição de quando eles ainda não eram os “baladeiros de plantão do metal”. “When You Know(Where You Come From)” é eficiente, contemplativa, e parece quase que uma irmã de “Wind of Change”, “Still Lovin´ You” ou “Send Me An Angel”, com aquele dedilhado característico, encerrando o disco de forma bastante emotiva.
Quem correr atrás da versão com bônus vai realmente se surpreender com as curiosas tracks que ficaram de fora do projeto. O arrasa-quarteirão com cara de Crazy World “Shoot For Your Heart”, e a tensa e soturna “Unleash The Beast”, provam que algumas delas poderiam facilmente figurar o material original. Vale a pena conferir!
O décimo nono álbum da banda, que já tem quase 60 anos, e traz seus integrantes originais na casa dos 70, merece ser celebrado e ouvido em volume máximo. E não por conta da tal promessa de volta às raízes, até porque, os tempos são outros, as motivações são diferentes, o mercado e a tecnologia sempre terão grande influência, e acima de tudo, precisamos lembrar que o Love At First Sting já foi feito, é perfeito, tem o seu legado, e não precisamos do Scorpions fazendo cover de si mesmo.
O que deve ser louvado aqui é sim a força que o disco tem, e como ele consegue se mostrar como um projeto bem amarrado, coeso, reapresentando os timbres e riffs matadores de Rudolf Schenker e Matthias Jabs, e como Klaus Meine conseguiu reimaginar seus vocais para esse momento de sua carreira. Importante ainda falar como Paweł Mąciwoda e Mikkey Dee, juntos ao produtor Hans-Martin Buff trabalharam duro para trazer um som sujo e selvagem ao baixo e à bateria para servirem de motor para empurrar os outros três à entregar uma eletricidade visceral, que há muito tempo não se via nos lançamentos do grupo.
Nas últimas décadas, vimos um Scorpions inquieto, tentando soar bem modernoso, fosse no pop, fosse no rock, e aqui eles simplesmente se despiram de toda aquela mega produção, dos compositores de fora, e buscaram um álbum sólido e honesto. O trabalho não é só nostalgia, é um disco também para as novas gerações conhecerem a banda na sua essência. Rock Believer é o velho Scorpions, mas com um novo veneno, e com muita gasolina no tanque para queimar!