Universo 75, transterritorialidade no interior do Hip-Hop baiano

Universo 75 é uma iniciativa idealizado por Aganju Uh Anti Influencer, que abarca uma produção de ponta dentro da cultura hip-hop!  

Rap no Recôncavo
Aganju Uh Anti Influencer, uma das figuras que estão capitaneando o movimento hip-hop e a produção do Rap no Recôncavo

Você já adentrou o Universo 75? Está preparado para conhecer esse universo de modo pleno? Vamos lhe ajudar…

Geograficamente, o recôncavo baiano é a região localizada ao redor da Baía de Todos os Santos e que vai do litoral ao interior. Formada por diversos municípios que possuem uma história e uma cultura ancestral negra de imensurável valor e diversificada em suas manifestações. Do surgimento do samba de roda ainda no século XIX, passando pelos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia, pela Irmandade da Boa Morte, pela cerâmica, a força e resistência do Candomblé,pioneirismo no reggae nacional com a Remanescentes, Edson Gomes e diversas outras importantes linhas criativas. O Recôncavo é terra fértil de uma negritude inventiva e resistente aos mais de 500 anos de opressão e genocídio.

Sendo um estado de grandes dimensões que superam e muito territórios de países em outros continentes, a Bahia encontra em suas mais diversas regiões expressões únicas dentro da história da cultura hip-hop. E neste sentido, a iniciativa de criação do Universo 75 dentro do hip-hop  baiano visa expandir produções e artistas, unindo-os de modo transterritorial, partindo do recôncavo até outras regiões. Com esta iniciativa, fruto dos últimos anos, onde o rap feito principalmente no Recôncavo firmou os pés na cena, com uma avalanche de produções e um celeiro que não para de dar cria a excelentes artistas.

Porém, se para os artistas da capital, apesar dos pioneirismos e grande qualidade nos trabalhos, a tarefa de alcançar o público é tarefa ingrata, para quem está no interior, por mais próximos que sejam da capital, os obstáculos são maiores. E a resposta a esse sistema de coisa recebeu uma contra efetuação muito importante. Real underground, o trampo que tem sido feito a partir do Recôncavo, no estúdio Ibori, nas intervenções dentro das comunidades locais através da cultura hip-hop, do Cine do Povo e do Baile Pelo Certo.   

Estas iniciativas tem expandido artistas que tem produzido a fina flor do rap baiano, em direções criativas diversas, mesclando sonoridades com conceitos amplos e originais, se reunindo e juntos povoando o Universo 75. Estúdios independentes, uma galera do audiovisual, DJ’s, beatmakers, MC’s, ilustradores, escritores, algumas vezes mesclado na mesma pessoa, tem produzindo em alto nível, numa lição de resistência e de apreço às bases da cultura hip-hop. Cultura periférica e underground, pan africanismo, afrofuturismo, boombap raiz, trap, drill, arrocha, reggae, são elementos culturais e sonoros que tem sido muito bem utilizados nas produções do Universo 75. 

Se pudéssemos eleger uma unidade entre artistas tão diversos, só poderíamos recorrer à pauta político racial ancorada numa pegada autogestionada e independente que imprime nos diversos trabalhos um reconhecimento da necessidade de enfrentar o racismo presente em nossa sociedade em suas diversas expressões. Dos estereótipos atribuídos às negritudes até a marcha incessante do governador do estado, Rui Costa com G de genocídio, que afeta a juventude negra tanto no interior quanto na capital de modo isonômico. E a base para tudo isso é a criação de obras maduras feitas a partir do que de melhor se pode retirar de um pensamento hip-hop.       

Pensando em tentar dar conta minimamente do que tem sido produzido por essa galera, vamos começar uma breve sequência de indicações de artistas e projetos através de algumas matérias. Os textos vão girar em torno de produções feitas no interior não apenas no Recôncavo baiano, como sobre outras regiões e artistas deste interior vasto que estejam vinculados ou não ao projeto aqui apresentado. 

E obviamente já começamos pelo do Selo Ibori Studio e pelas produções do Universo 75. Idealizado por Aganju Uh Anti Influencer, homem preto, professor, escritor, educador comunitário, MC (Us Pior da Turma) e produtor musical, o mano tem voado. Artífice de primeira linha, o pensador e artista tem produzido em larga escala e com grande originalidade e combatividade, conceitual e politicamente panafricano, diversos EP’s, microtapes, mixtapes, que ele tem lançado ou ajudado a lançar. Reunindo em Cachoeira no seu estúdio, artistas diversos. 

Sendo assim, vamos começar esse mapeamento pelos trampos lançados nos últimos meses, que serão nossos guias para as próximas edições desse levantamento. 

O Boombap está morto (2020) 

Lançado em dezembro do ano passado, a mixtape é um excelente introdução aos aspectos fundamentais dos trabalhos que têm sido lançados pelo selo Ibori e de quebra nos apresenta 13 artistas/grupos diferentes ao longo das 10 faixas que compõem o trabalho. De modo geral, e sendo impossível no corpo deste texto analisar música a música, a sujeira boombapeira é o guia pra geral, e aí às líricas e flows vão desaguando ao longo do play de modo coeso e cativante para todos que curtem acender uma velinha para esse subgênero do rap atualmente dado como morto. 

Com beats inventivos e sujos, Aganju, X-Presso, Big Troll, Tulipa Negra, Fungo, Val Maloca, Billy Sujo, Neuronêgo, Kancer ADL, Quadra Sul, DoisAs, Stevan, ALendasz, intercalam-se solo ou em parcerias sem deixar o clima cair. Abordando diversas questões de certo modo podem ser relacionadas a essa visão mercadológica de que o boombap está morto. A preservação da saúde e das vidas negras que não são famosas e não recebem a atenção devida, nem do estado e nem coletivamente. A preservação da tradição e da história do hip-hop, cada vez mais esquecida. Uma mixtape que vai assustar pela potência e qualidade, todos aqueles que não estão ligados no quanto o rap 075 está em plena expansão  

Universo 75 

Podemos pensar O Boombap está Morto como um start para pensar a riqueza que tem sido absorvida e expandida nesse novo projeto. Quase como uma continuação, damos um salto temporal, do período já antigo e por muitos esquecido, chegamos no Universo 75. Projeção fantástica que mescla política, rap/hip-hop, afrofuturismo e o universo dos quadrinhos, “Universo 75” já possui três edições, dois EPisódios e uma mixtape pesada, além de um disco (que vamos resenhar em breve) e com personagens marcantes, que utilizam seus superpoderes para resistir às diversas violências que o estado da branquitude lhes imprime. 

Habitando o ano de 2096 dentro de uma realidade fonográfica alternativa nomeada Universo 75, estes anti-heróis são ciborgues, androides, mutantes, seres fantásticos ou Deuses esquecidos. que adquiriram seus dons através de acidentes, de operações de implantes tecnológicos acoplados ao corpo humano e de treinos nas artes antigas do boombap. Poderes e habilidades que são utilizados para resistir aos ditames de seus inimigos. Em um futuro distópico que nos parece cada vez mais próximo, e ao qual tivemos acesso através de um buraco de minhoca (pesquisa), nos auxiliará a adquirir os conhecimentos e técnicas necessárias para quando essas forças malignas se apresentarem a nós todos. Os mestres do Universo 75 trazem aulas densas e intensivas!     

 Ronins – Ratori Hanso x Yasuke o Samurai Preto (2021)

“Os Samurais sem mestre: RaTTOri Hanso e Yasuke o Samurai Preto, travam uma violenta batalha contra as investidas do Shogun Hype na Zona de arte independente 75 àrea. Treinados na antiga e esquecida arte dos MC’s e armados de flows inimitáveis, a dupla desfere golpes mortais com suas laminas antigas da espada Boom Bap. Os Ronis são a última linha de autodefesa contra a mediocridade musical do Império Fonográfico Shogun Hype.”  

Essa dupla de Ronins ao longo de 4 músicas aplicam golpes indefensáveis que certamente degolará o seu Shogun Hype interior, abrindo sua percepção para a observação dos reais guerreiros da velha arte do rap. Fazendo o seu cérebro tremer com uma explosão de sinapses, até você entender que os brilhinhos, os rappers fakers possuem muita atenção pra pouca rima, pra pouca agressividade, limpinhos e bonitinhos, repetitivos e vazios. Com a mesma capacidade de Toshiro Mifune, os boom baps da disgraça que esses ronins cospem farão você se viciar e para de acreditar nessas merdas que você anda escutando e que não passam de servos do famigerado Shogun!     

Mixtape Boom Classics – Big Troll (2021) 

“O Abominável Big Troll é um dos sobreviventes da explosão de uma usina de processamento de lixo tóxico, que literalmente varreu do mapa todo um bairro de SAJ System, matando milhares e modificando a composição genética de centenas. Big Troll é um desses modificadxs, possuindo cerca de três metros de altura, força sobre-humana, pele esverdeada, garras, dentes afiados e uma extrema resistência ao álcool. 

No entanto, outro efeito da exposição ao lixo radioativo foi a manifestação de um grave transtorno dissociativo de identidade (dupla personalidade), que é materializado através do alter-ego: Mestre Bêbado.” 

Mixtape que teve toda a produção feita por Tiamath, aqui Big Troll desfila toda a sua força agressiva desmedida, em um ataque de inspiração no hardcore. Lírica que escorre o mais impactante chorume do lixo tóxico também expresso no flow dissociado entre ele e o Mestre Bêbado. Ao longo de 7 ataques o monstro Big Troll não deixa pedra sobre pedra, ao mesmo tempo que abre espaço para novas construções que honram sua cidade. Esta épica conta ainda conta com a participação do Fungo em uma viagem interplanetária, que em 2096 é algo comum, para o “Planeta da Rima”. Um Boom Classic vindo do futuro dentro do Universo 75…   

Por Essa 6 Não Esperava – Agandoom & Urso D’Água (2021)

“Agandoom é um refugiado intergalático de uma realidade alternativa onde todo o seu planeta é habitado por sósias do MC MF Doom. Pouco se sabe sobre o seu planeta natal, apenas que após o falecimento de MF Doom em 2020, todo o fluxo espaço temporal da realidade de Agandoom entrou em colapso, autodestruindo-se em explosões subatômicas. No entanto, antes de ser tragado pelo limbo, Agandoom refugiou-se no Universo 75, com o poder que adquiriu ao roubar uma relíquia sagrada de seu povo: uma partícula divina que incrustou na sua máscara.

Outros dizem que a história está parcialmente correta, já que apesar de Agandoom ter vindo de um planeta constituído integralmente de sósias do MF Doom, o ser extraterreno esqueceu de relatar que o colapso espaço-temporal que levou seu planeta e toda a sua realidade a destruição, foi causado pelo próprio Agandoom, quando entediado em viver em um mundo de sósias, roubou uma pequena partícula de poder divino no formato de uma jóia. Artefato este que era a base existencial de toda sua realidade. 

Urso D’Água é um ser intraterreno que está no planeta Terra bem antes da maioria dos organismos vivos. Reza a lenda que as habilidades sobrevivencialistas inatas de Urso D’Água, o tornam o “herdeiro natural” da Terra em caso de cataclisma global, já que é munido da capacidade de sobreviver a tudo: frios glaciais, calor intenso do magma, as profundezas das zonas abissais e, até mesmo, explosões termonucleares. Durante milhares de anos, o Urso D’Água viveu como um ser microscópico, logo, invisível para a maioria dos habitantes do planeta Terra. No entanto, esse quadro mudaria, quando o Urso D”Água adquiriu habilidades simbióticas e passou a possuir corpos de outros seres vivos, transferindo para seus hospedeiros parte de suas habilidades sobrevivencialistas inatas. 

O EP “Por Essa 6 Não Esperavam” é a coalizão despretensiosamente genial de duas potências criativas do Universo 75: Agandoom & Urso D’Água. Esse encontro é na verdade uma fuga, pois como bem ilustra a capa, nossos anti-heróis estão destruindo uma parede de dentro pra fora: de onde estão vindo? E quem os persegue? E qual o propósito dos nossos anti-heróis?” 

O fato é que tendo destruído todo o seu planeta natal e sua população de sósias, Agandoom e Urso D’Água conseguem ao longo de apenas 4 faixas, escapar à mediocridade que habita esse futuro no planeta Terra. Intuímos que o propósito seja fugir ao cataclisma racial em curso, manter e resgatar os valores ancestrais de um negritude que resiste em forma de música e arte. Mas uma obra despretensiosamente pesada e suja para que você leitor, quebre as paredes que te aprisionam, sejam elas quais forem.  

Sentiu o drama? É, esperamos que sim. Porque se ao longo dessa matéria um multiverso artístico não se abriu na sua cabeça, se você não se maravilhou com essa parcela valiosa de produções do Rap no Recôncavo, você é caso perdido. 

Acesse o site do Universo 75 para mais informações e ouça o podcast abaixo: 

 

Abaixo deixamos um vídeo com um dos registros de uma das festas que o movimento hip-hop de Cachoeira realizaram a 3 anos atrás. Acesse o canal do Ibori Studio e obviamente se inscreva para não perder nada!

– Universo 75, transterritorialidade no interior do Hip-Hop baiano

Por Danilo Cruz

 

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