Resenha sobre o disco “The Night Creeper”, quarto disco de estúdio do Uncle Acid & The Deadbeats, uma das bandas de sonoridade mais interessante dos anos 2000.
Hoje em dia nada é bom o suficiente. Todo ano temos aquelas famigeradas listas de melhores discos e é notável perceber a diversidade de conteúdo. Existe sim muita coisa acontecendo e o nível de qualidade é bastante alto, mas ainda assim, muitos teimam em não escutar os novos frutos proibidos.
VOL. 1
A justificativa é a clássica: ”Não é tão bom assim, não tem a magia das outras bandas de outrora”… Blá blá blá Whiskas sachê”. Bom, pra começar, é claro que o som que é feito no milênio 2000 não será igual ao dos anos 60, 70, 80 e 90, afinal de contas não estamos vivendo mais esta época (que choque!). Cada som vive das glórias e acontecimentos de seu próprio tempo, por isso que cada década carrega diferentes nuances.
Blood Lust
O mundo precisa ir pra frente, assim como a música, por isso que a renovação é necessária. Pare com esse mimimi de mãe solteira e escute o som que é feito na sua época com um olhar diferente, pois a história ainda está sendo escrita, ou você acha mesmo que os clássicos que você tanto ama não sofreram com críticas sem fundamento?
Mind Control
O tempo é o remédio para que os clássicos se revelem, só que nada acontece do nada. É necessário dar tempo para o desenvolvimento sonoro das bandas. A experimentação e o entrosamento irá surgir deste encontro alquímico. Depois disso é só buscar a palavra nos melhores perímetros e começar a propagar a palavra.
Para exemplificar, escute o Uncle Acid & The Deadbeats. O grupo britânico é um exemplo que atualmente é um dos expoentes do som pesado em nível mundial. Entre 2009 e 2018 a banda lançou 5 discos de estúdio impecáveis e tratou de elevar o sarrafo no cenário, disco após disco, atingindo patamares que os diferenciam de forma categórico, com uma sonoridade totalmente própria e única, com um DNA garageiro e riffs arrastados e desacelerados capazes de criar ambientações surpreendentes.
Line Up:
Kevin R. Starrs (guitarra/vocal)
Yotam Rubinger (guitarra/vocal)
Vaughn Stokes (baixo/vocal)
Itamar Rubinger (bateria)
Track List:
”Waiting For Blood”
”Murder Nights”
”Downtown”
”Pusher Man”
”Yellow Moon”
”Melody Lane”
”The Night Creeper”
”Inside”
”Slow Death”
”Unknown”
Uncle Acid & The Deadbeats – The Night Creeper
Lançado no dia 4 de setembro de 2015, ”The Night Creeper” é o quarto disco de estúdio de uma das bandas mais originais que surgiram nos últimos tempos. A ordem dos fatos narrados acima apenas ilustra a cronologia que essa instituição já prensou em disco. A discografia dos caras é um sarcófago de clássicos instantâneos.
A abordagem é a mesma em todos os trabalhos. A estética da banda surgiu pronta desde o primeiro disco (Vol. 1 lançado em 2010), explodiu para um público maior em 2012 com ”Blood Lust (lançado em 2012) e virou uma potência da cena quando ”Mind Control” saiu pela Rise Above Records, já em 2013.
Depois que a Rise Above tomou conta do grupo (oriundo de Cambridge), ficou claro que um público maior seria naturalmente alcançado – pois além do selo contar com uma operação robusta, principalmente no cenário europeu e americano – o Uncle Acid provou ser algo único na cena e sua crescente popularidade comprova este fato.
Com 10 takes, 54 minutos de som e mais uma pilha de riff’s bastante envolventes, o titio ácido e as batidas mortas reaparecem com mais um disco que será tiro certo nas listas de fim de ano. O trabalho continua mostrando a expansão sonora que o grupo vem conduzindo, alargando novas fronteiras criativas.
Desde o primeiro lick, com ”Waiting For Blood”, o ouvinte já sente o baque. A vocal do Uncle Acid, Kevin Starrs (favorecido por seu timbre e pela captação) entrega um resultado final que parece o sussurro de um zumbi no seu cangote.
O conteúdo das letras é outro destaque, pois diferentemente de bandas como o Ghost, que compram a fórmula reciclado do ocultismo, o Uncle Acid enforca os dois pescoços na mesma corda, com letras que complementam a atmosfera de riffs densos e dinâmica musical azeitada, principalmente na hora dos solos.
É surpreendente observar como as faixas são voláteis. Os sons se arrastam com classe, pegando o ouvinte pelo pé, devido ao grande teor criativo das ideias desenvolvidas, além da vasta capacidade instrumental da banda. A abordagem garageira ressalta o caráter dramático da bateria. Em “Murder Night” ela explode para continuar fazendo o corpo em estado de putrefação pulsar.
Todos esses ingredientes contribuem para que passagens como a opereta de riffs de “Downtown” colem na mente do ouvinte. Os backing vocals coroam a celebração distópica do sepulcro. ”Pusher Man” surge com a voz massacrada pelo instrumental, com uma bateria que inspira você a marchar rumo ao universo do Uncle Acid & The Deadbeats. “Yellow Moon” cristaliza um bom exemplo de banda que conseguiu entender como tirar o melhor de si dentro de estúdio.
Ao vivo e em estúdio, o som é cru e a coesão que eles transpassam pelos fones é catedrática desde o primeiro lançamento de estúdio. A forma como a faixa cresce e muda, depois de começar com tons Folk é uma mostra da criatividade dos britânicos e eles chegam devagar, rastejando.
Single de sucesso do projeto, “Melody Lane” mostra um pouco dos dotes harmônicos e melódicos do titio ácido. A urgência é praticamente cardíaca. Radiofônica e com linhas instrumentais que nunca embolam o groove grave, torto e acinzentado, é interessante observar como é possível escutar as linhas de forma nítida, apesar da ambiência caótica. Essa é a estética sonora do Uncle Acid & The Dead Beats.
A cada faixa eles pincelam sua própria visão do mundo em chamas cadavéricas, com pinceladas mórbidas de Rock Progressivo. Reverberando pesadelos psicodélicos com toques de Lo-Fi.
Na faixa título é possível se entender a importância de um bom riff e os caras possuem dezenas. O trabalho de guitarras impressiona e a coesão da sessão rítmica mostra coerência na hora de explorar lugares musicais onde as alturas não estejam sempre explodindo os falantes, mas sem aliviar o peso. Até hoje o momento mais fofinho do Uncle Acid são os poucos segundos durante o final do primeiro projeto de estúdio que mostram uma caixinha de música tilintando ao final do disco. Todas as outras dezenas de músicas que eles criaram foram feitas para varrer o seu cérebro mesmo.
O som dos caras impressiona pelo arrojo. ”Inside” mostra a importância de repetição para um bom riff cravar suas entranhas. A criatividade de criar trilhas mórbidas parecer ser infinita. É impressionante como cada faixa possui uma estrutura de conto épico.
A capacidade que eles possuem para construir um ecossistema dentro de cada faixa e de contar uma história são notáveis. “Slow Death” chega com quase 9 minutos e passa longe da monotonia repetitiva que tomou conto do cenário Stoner.
A essa altura do campeonato, “Black Motorcade” só vai sacramentar sua vontade de assisti-los ao vivo. A utilização de elementos acústicos pra controlar a pressão do set é cirúrgica. Poesias para quem aprecia tempos cólera. Até o nome da banda é foda. Uncle Acid & The Deadbeats.