O Jazz foi um estilo que não soube envelhecer. O gênero que nos rendeu milhares de clássicos, alterou o curso da música para sempre, mas mesmo com tantas glórias, quem aprecia essa estirpe sonora sabe: os moldes que outrora eternizaram clássicos visionários, hoje se contradizem quando tentam interromper a inovação.
Quando vemos que nomes como Wynton Marsalis aparecem na mídia apenas para reclamar sobre os rumos do Jazz moderno, fica fácil compreender que algo não está certo. Com tantos músicos na cena, dezenas de novos rumos possíveis e uma nova geração (de grandes nomes) para impulsionar tanta criatividade, é bastante incômodo observar o caminhar do Jazz nos dias atuais.
A vertente parou no tempo. É duro afirmar isso, mas basta ver como essa síncope é vista de maneira retrograda pelos apreciadores dos novos sons da modernidade. Muitos perderam o interesse na arte de Miles Davis e isso é triste, mas pelo outro lado, apenas uma ruptura poderia reiniciar o sistema e provar que de antiquado, o Jazz só possui o andar.
E é exatamente isso que bandas como o brasileiríssimo Bixiga 70 e o extraterrestre Snary Puppy estão tentando fazer pelo estilo, romper com os padrões e gerar algo novo. Um fator resultante que talvez nem eles saibam o que representa, mas que com toda certeza ajudaram a criar, e mostraram como funciona quando os dois combos destilaram o requinte do instrumental na jam das ”Preciosidades Vivara”.
Foi com muita classe que o Jazz foi da água para o vinho em menos de 5 minutos. Com o Bixiga 70 sob o palco, foi chocante notar como o estilo fez a transição de um velho reclamão, para aquele seu amigo folgado que entra na sua casa sem bater e já chega abrindo a geladeira, como se fosse um habituê no recinto!
A platéia foi pega de surpresa, a cozinha do Bixiga estava tinindo, o som altíssimo e a parede do time de metais estava possuindo tudo e todos. Foi gratificante ver que o público estava curtindo a noite e a banda mais ainda, aliás, foi uma bela oportunidade para mostrar o repertório do disco mais recente do grupo, o terceiro trabalho de íneditas, lançado no dia 07 de abril de 2015.
E pra quem pensou que o Bixiga só estava no palco pra fazer figuração… ah meu caro, o senhor não poderia estar mais errado. É impressionante como cada um dos envolvidos sabe seu papel dentro de toda essa miscigenação sonora, uma experimentação que, mais do que abranger o Jazz, tenta nos lembrar de toda a riqueza de nossa própria cultura.
Um enorme poço de etnias que além de ser a filosofia dos caras, é a receita de um som que prima pela organização. É impressionante ver que tantos instrumentos conseguem aparecer no som e ainda o fazem com uma astúcia quase inexplicável. Ouve-se o baixo (e muito bem), a guitarra mostrava feeling sempre que requisitada e a percussão finalizava a parede do som com um time de metais que transformavam Jazz em glicose.
Era um show perfeito para assistir de pé. Foi até engraçado observar as pessoas se balançando ao som desse caldeirão, a dúvida era realmente cruel, afinal de contas não tinha como ignorar a força desta cozinha. É notável perceber como eles são fieis à fórmula que construiram, como apreciam a troca de energias com a platéia, e como se portam no palco, dançando e apreciando cada momento. Que feeling, saravá!
Só que a noite estava apenas começando. Depois que os brasileiros foram ovacionados e saíram do palco, era hora de ver um dos maiores nomes da música instrumental no planeta! Michael League foi elementar, antes de começar a surrar seu Jazz bass, o chefia da Snarky agradeçou pelo show do Bixiga e elogio os brasileiros com bastante propriedade, comprovando que para esse cenário, a escolha de abertura foi perfeita.
Só que agora, com o combo já plenamente instalado, a mudança foi grande, os ritmos regionais do bairro do Bixiga saíram e deram lugar ao Jazz em sua forma mais livre e ácida. Uma ramificação que possui DNA nas Big Bands, mas que se confunde com a música contemporânea por fundir elementos que até os brasileiros apreciam!
A Snarky Puppy fez o que nós esperávamos. Improvisou como sempre, se divertiu como nunca e entre longas jam’s, as únicas pausas existentes foram pontuais. O grupo era ovacionado, take após take. É até injusto chamar esses caras de banda, o requinte, o feeling, a mistura de estilos, a virtuose dessa união…
É impressionante como eles dominam as composições, fazem arranjos dos mais intrincados e desenvolvem os mesmos dando risada. A interação com a platéia também foi um destaque, ouvi relatos de pessoas que se diziam cançadas de aplaudir, pois depois de pouco mais de 2 horas de show, as passagens seguiam absurdas, o feeling estupendo, e os caras ali, brincando.
Não importa se você toca Jazz ou música experimental, o som perde seu brilho depois que tudo fica sério demais. A Snarky Puppy é uma dádiva, uma união de músicos absurdos, chefiados por um baixista maluco o suficiente para mostrar que o lance é se divertir, a evolução é uma consequência natural desse fenômeno, e se for para possuir essa classe, eu prefiro dizer que sou contemporâneo desses caras… É por causa de bandas desse nível que o Jazz sente o que é ser Cool novamente!