Psicodelia japonesa & Sonic Flower: a arte de ficar surdo

Resenha do clássico e EP de estréia do grupo japonês Sonic Flower. Lançado em 2003, essa gravação ecoa até hoje no universo Stoner/Sludge.

Quando o baixista do Church Of Misery (Tatsu Mikami) formou o Sonic Flower – como apenas um despretensioso projeto paralelo – acho que nem ele tinha noção do Blues-Rock que ele estava prestes a criar. Fundado em 2000 como um projeto instrumental, o que era pra ser apenas uma desculpa pra tocar por ai, deu vida a uma das gravações fundamentais do Stoner/Sludge.
A primeira gravação da história do grupo é datada de 2003. O resultado é um EP que entrega uma cozinha poderosíssima e que funde elementos do Kraut-Rock setentão e da Psicodelia para chegar num resultado final avassalador.
Não se engane pelas 6 faixas e os poucos mais de 25 minutos de som. É de fato um trabalho curto, mas que ecoa até hoje nos falantes dos fãs de grupos como o Earthless, por exemplo. Lançado pelo selo japonês, Leaf Hound Records, esse trampo ganhou status de raridade e a prova de como ele transformou numa gravação fundamental no underground é que em 2019, quase 16 anos depois do lançamento, o grupo anunciou que vai voltar a gravar, e em 2021 o resultado dessa reunião já saiu na forma do full “Rides Again“, com um punhado de gravações de 2005 que nunca haviam sido liberadas.

Line Up:
Tatsu Mikami (baixo)
Takenori Hoshi (guitarra)
Arisa (guitarra)
Keisuke Fukawa (bateria)  

sonic flower

 

Track List:
“Cosmic Highway”
“Black Sunshine”
“Astroqueen”
“Indian Summer”
“Going Down”

 

Com uma formação em quarteto e uma dinâmica muito interessante, principalmente entre as duas guitarras, o instrumental é excelente e o jeito que o som foi tratado talvez seja a essência dessa gravação.

Com uma roupagem que transparece as vísceras e o teor orgânico das ondas sonoras – ainda que num contexto totalmente instrumental – o resultado é um disco homônimo que impressiona pelo peso estarrecedor, mas que também vai muito além disso, mostra sensibilidade, arrojo técnico e entrosamento.

É um blend de psicodelia bem groovado. Os músicos são claramente muito eloquentes tecnicamente falando e o resultado são temas que nunca parecem altos  o suficiente, como “Cosmic Highway”, por exemplo.

O que mais impressiona no entanto é como eles conseguiram captar o som em estúdio e entregar essa energia de disco ao vivo. Temas como “Black Sunshine” – e suas chapantes texturas guitarristicas – parecem prover o plano de fundo perfeito para a criação de jams onde a sessão rítmica dá o tom.

A bateria e o baixo criam um verdadeiro refúgio antibombas. A cozinha é muito sólida e os andamentos intrincados fazem o som não ficar monótono, tampouco reto demais. O Funk chega com a acidez certa e contribui para que fritações como “Astroqueen” consigam entregar não só o som do Fuzz, mas também ritmo e variação para que o seu ouvido não seja engolido. A dupla de guitarras tira o som do contexto 100% riffs e a contribuição da guitarrista Arisa é notória. São grandes melodias e harmonias em diversos momentos, promovendo contrastes valiosos no instrumental pautado num som mais gorduroso. A palavra chave aqui é trazer opções e isso a senhorita fez com grande tato.

É claro que as influências são muito diversificadas e fazem escala também no Blues. É impossível não escutar “Indian Summer” ou “Going Down” e não se lembrar de bandas como Cactus e Grand Funk Railroad.

Ainda assim, o resultado final está longe de soar datado e funciona melhor que glicose na veia. O único problema desse trampo é que o som nunca parece alto o suficiente. O Japão é foda… O feeling do Sonic Flower é diferenciado até na hora de fazer barulho.

-Psicodelia japonesa & Sonic Flower: a arte de ficar surdo

Por Guilherme Espir 

 

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