Garage Rock Festival e a história perdida do rock soteropolitano. Eventol que reuniu atrações e revelações importantes das “cenas” baianas.
Agora a brincadeira ficou séria. Isso mesmo, vamos falar aqui do melhor festival dessa cidade, depois do Festival Saco Vacilo, claro. Garage Rock Festival foi fundamental para difusão do underground local e nacional.
O que me deixava mais maravilhado com esse festival era sua semelhança com o Abril Pro Rock, o festival que acho que tem o melhor modelo de bandas e de logística. Inclusive, até o lema que o Garage incorporou depois de algumas edições lembrava muito aquele lance todo do Manguebit, o lema era “Venha ver o que a Bahia tem”, convidando assim gravadoras e magnatas da música para ver o que de fato rolava no submundo musical baiano.
A primeira edição do Garage Rock Festival rolou em 1992, como vocês sabem eu sou novinéo, então por óbvio sequer sonhava em conhecer esse festival, essas pessoas sujismundas e a perdição do rock and roll. Mas vamos fazer um apanhado, ano a ano, desse tão importante Festival, que com seu fim deixou uma lacuna imensa com relação a festivais daquele estilo e naquele porte.
Efetivamente aquelas resenhas gostosas e pessoais vocês terão o prazer de ler quando chegarmos a década de 2000, que foi quando eu fui a primeira vez pro Garage. Até lá, vamos de histórias.
Antes de mais nada, gostaria de agradecer a Rogério Bigbross, da Bigbross Records, pelo auxílio com os cartazes e consultoria. Também indico a vocês a página 90Underbahia, que tem muito da história do rock soteropolitano da época.
Inicialmente tenho de parabenizar e muito a galera que fazia a correria de shows na década de 90. Além de tudo ser muito sofrível, o que não difere dos dias atuais, eles conseguiam convencer pessoas a dar patrocínio para os eventos, isso é uma parada sensacional.
Mas vamos lá, a 1ª edição do Garage Rock Festival aconteceu no Bar Estação Vitória. O modelo do festival era interessante, dividido em todos os finais de semana do mês de Julho, na real todas as quintas e sextas. Essa era uma boa forma de comportar uma grande quantidade de bandas, bem como garantir uma grana legal de ingressos, afinal não seria um único ingresso apenas.
Já na primeira edição tivemos bandas clássicas da cena local, tais como Úteros em Fúria, Headhunter, Slavery, Proliferação e Brincando de Deus.
Essa mescla de estilos também me agrada bastante, acho que um festival tem de ser bem diverso. Sem virar maluquice, claro.
Na segunda edição, o festival migrou para o espaço da Faculdade de Economia da UFBA. Eu não sei que porra aconteceu com essas disgraças de CA/DA and DCE, que não fazem mais uns eventos legais assim nos espaços. Porra, é um desperdício do caralho todos esses espaços servirem apenas para ficar um monte de láela deliberando nada com nada.
Enfim, voltemos…
Já na segunda edição a organização do festival conseguiu fechar patrocínio com a marca de calçados Kildare, que fortaleceu grandão diversos eventos da cena rock local. Os tênis eram bizarros, mas pelo menos a marca corria pelo certo. Ai eu vejo um monte de marcas que, em tese, tem uma ligação forte com a cultura underground e não fortalece em nada, não tem a visão de por sua marca ou até mesmo ir por um stand em troca de um patrocínio mínimo. Saudades Kildare.
Nessa edição algumas bandas se repetiram, são aquelas arroz de festa dos anos 90 em Salvador. Brincando de Deus, Úteros em Fúria, Headhunter…Mas aqui temos algumas boas novidades no line up.
Chegaram no festival bandas como Injúria, Dr. Cascadura, Crack!, a mais representativa do metal nordestino Mystifier e Mercy Killing. O modelo seguiu com dois dias de todas as semanas do mês de Julho, porém agora foram mais sensatos e botaram sextas e sábados.
O festival vinha em uma crescente, alavancando também a cena underground local. Creio que pela visibilidade que o Garage proporcionava as bandas, muitas pessoas se sentiram impulsionadas a formarem suas bandas.
Para dar conta de toda essa demanda de bandas boas que vinham, surgindo, em 94 o Garage Rock Festival estendeu sua grade, não ficando mais restritos aos finais de semana de Julho, adentrando o mês de agosto.
Nessa edição, além de muitas bandas que tocaram nas edições anteriores, rolaram algumas figurinhas novas, dentre as quais merece destaque os fabulosos Dead Billies.
1995
Na quarta edição do festival houve uma nova mudança de local. Essa edição foi realizada em um espaço no Pelourinho. Também enveredou-se pelo mês de agosto e pode ser percebida uma maior inserção de bandas hardcore / punk na grade.
Destacamos aqui: Grid Lock, Lisérgia, Ulo Selvagem e a clássica Bosta Rala. Tocou ainda a Injúria, que já tinha participado de edições anteriores e teve também a vinda da banda Os Cabeloduro (DF), que com certeza serviu para propagar o nome do festival para além das fronteiras do estado.
Outra banda que participou dessa edição do festival foram os Dois Sapos e Meio, mais uma banda bem representativa da cena rocker soteropolitana.
“Venha ver o que a Bahia tem”.
O bom filho a casa torna.
Na sua quinta edição, o Garage Rock Festival retorna a Faculdade de Economia da UFBA, também volta a ser realizado apenas no mês de julho. Além daquele saldo acumulado de edições anteriores, valem ser destacados alguns nomes que somaram nessa edição do festival.
Dinky-Dau, Janquis (não confudir com Djunkies), Maria Bacana e a Inkoma foram alguns desses nomes. De fora do estado tivemos a Snooze de Sergipe, Pé do Lixo do Espírito Santo, o Ultramen do Rio Grande do Sul e a Cruor de Pernambuco.
O Garage Rock, apesar do nome, acabava absorvendo outros estilos escorados, tão quanto o rock, pela mídia baiana. Nessa sexta edição, por exemplo, tocaram no festival Rappers Dura de Juazeiro, interior da Bahia, Diamba e Dendêcumjah, ambas da capital. Outra banda interiorana que se apresentou na sexta edição foi a NRU de Vitória da Conquista.
De fora dos limite do estado vieram: Larcetae de Sergipe, Ragnarock de Minas Gerais, Eddie e Frank Jr. de Pernambuco, Lordose pra Leão do Espírito Santo e Sex Noise do Rio de Janeiro.
Destacamos aqui a presença das bandas Pastel de Miolos, Penélope Charmosa, Saci Tric, Ataraxia e Shadows.
Abaixo vocês podem conferir algumas apresentações dessa edição:
Mystifier
Malefactor
Veuliah
Como podem perceber nos vídeos, essa edição não ocorreu na Faculdade de Economia. O festival em 97 foi alocado na casa de shows Casablanca.
Na sétima edição a MTV Brasil abraçou a ideia do festival, que mais uma vez havia mudado de localização. Em 98 o festival acontece na casa de shows Hollyrock Bar e contou com um line up invejável.
Começando pelos visitantes, o festival teve a participação de: Baia e os Rockboys (RJ), Lacertae (SE), The Cigarets (SP), Baba Cósmica (RJ), Snooze (SE), Jason (RJ), Faces do Subúrbio (PE), Vovó do Mangue (MA) e sim, Charlie Brown Jr. (SP).
O primeiro show do Charlie Brown Jr. em Salvador foi no Garage Rock, esse era o charme desse festival e é por isso que ele faz tanta falta. Apesar de ser um festival relativamente underground, ele proporcionava que o público pudesse ter acesso as bandas “emergentes”. Em 1998 o Charlie Brown já fazia parte de uma grande gravadora, já tinha lançado o “Transpiração Continua Prolongada”, mas faltava desbravar alguns locais, chegar no público diretamente e o Garage Rock, assim como muitos outros festivais, cumpriam esse papel de recepcionar essas bandas.
No cartaz consta como atração a banda britânica Extreme Noise Terror, mas sabemos que a banda não se apresentou no festival.
Na grade do festival é possível identificar importantes presenças, tipo o Adão Negro, Simple Rap’ortagem e Naiambig, além das bandas de hardcore No Deal e Não.
Do interior vieram novamente Pastel de Miolos, de Lauro de Freitas e Rappers Dura, de Juazeiro. Marcou presença também a banda punk Anemia, de Camaçari.
Outras presenças marcantes foram as bandas Catapulta e Craci.
Confiram um pouco da apresentação do Rappers Dura de Juazeiro/BA:
E da Pastel de Miolos:
1999
Agora o Garage Rock estava na lista dos eventos culturais de Salvador, depois de quase uma década. Com patrocínio da prefeitura e do governo do estado, os caras preparam um festival pra ninguém botar defeito.
O festival aconteceu na Praça Teresa Batista, localizada no Pelourinho e contou com os seguintes artistas como headliners: Racionais MC’s (SP), vale lembrar que estamos falando de 1999, o ano que o “Sobrevivendo no Inferno” arrasava quarteirão; The Dead Billies e Dr. Cascadura, duas grandes bandas da cena rock soteropolitana; Nação Zumbi (PE) e Diamba, a primeira uma das maiores bandas brasileiras da década de 90 e a segunda uma das bandas mais badaladas de reggae local; Malefactor e Shadows, dois grande nomes da cena metal baiana e por fim Os Cabeloduro (DF) e Adão Negro, a primeira já consolidada na cena hardcore nacional e a segunda, uma referência no reggae baiano.
Novamente a Lacertae de Sergipe compareceu ao Festival e diretamente de Goiás rolou a banda Punch.
Outros nomes de destaque foram as bandas Tharsis e Pandora, representando a cena metal; Zambotronic com todo seu experimentalismo, misturas e inovação; e a banda riot grrl Shes, que teve em sua formação nomes como Pitty (tocando bateria) e Tati Trad.
Em 2000 o Garage, novamente, muda de local. Agora o festival passaria a acontecer na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, um local central, com um bom som e espaço legal para curtir os shows. Houve uma redução nos dias de festival, passando a rolar apenas nos domingos de Julho.
Para inaugurar essa nova fase do festival na concha, desembarcaram em Salvador os cariocas do Jason e Planet Hemp, bem como os paulistas do Jingaboo. Além disso, merecem destaque as presenças das bandas Penélope, Inkoma, Brincando de Deus, Adão Negro, Malefactor, Drearylands e Zambotronic, que havia tocado em 99.
Lembro que vi no colégio o cartaz desse festival e um colega, que sempre tentava me puxar pros eventos comentou que iria, mas acabei não indo e perdi esse que talvez tenha sido umas das melhores edições do Garage Rock Festival.
Um dos pontos altos dessa edição foi o encontro de Pitty (Inkoma) com a banda carioca Jason. O Inkoma tinha uma relação muito boa com os caras, tendo inclusive lançado o EP “Influir” pela Tamborete Records, do Panço que tocava no Jason.
Aqui vocês podem conferir outra faixa do show do Jason:
2001-2003
Quando decidi repescar a história de alguns festivais, o fiz porque simplesmente curtia esses festivais de algum modo, nunca imaginaria que ao chegar nos festivais de Salvador teria tanta dificuldade na pesquisa.
Velho, é inconcebível que um festival do tamanho do Festival de Verão tenha tanta informação apagada e poucos vídeos nas redes. Por outro lado, um festival de suma importância para a cena rock soteropolitana, como o Garage Rock Festival, também tem pouquíssimas coisas na internet. Sei que algumas pessoas ao lerem isso podem pensar “quem foi foi”, mas não é bem assim que funciona. Isso aqui, o Garage e todas as bandas que pisaram no palco, é a nossa história e, infelizmente, constatei que a nossa história simplesmente foi apagada, sobretudo posterior a 2000.
Como dito no início do texto, Big me ajudou bastante com algumas informações sobre a década de 90 e, por incrível que pareça, foi bem tranquilo achar os cartazes de todas edições do Garage Rock até 2000, graças ao 90Underbahia. Porém, paradoxalmente, parece que com a facilidade do acesso a internet, as coisas se perderam na própria internet.
Na boa, era pra eu dar uma simples pesquisada no Google e pipocar informações sobre o Garage, e não tem. Conversando com Fabiano Passos (Estopim Records) chegamos a conclusão que o grande problema disso foi justamente a internet. As pessoas não tinham por hábito fazer backups dos arquivos postados em blogs e fotologs, assim com o fim de algumas dessas plataformas, tudo praticamente foi jogado no lixo. Entendam, nossa história foi jogada no lixo e isso é preocupante.
Desse modo faço até uma apelo as pessoas que têm materiais da época, fotos ou vídeos, não guardem pra si, publiquem e guardem sempre a matriz, pois o que estou vendo é justamente que depender apenas da rede mundial de computadores é a maior laranjada.
Como dito, a partir de 2000 não tenho grandes informações, por sorte foram justamente os anos que fui ao Festival, então posso falar aqui desses três anos através das minhas memória.
Se você leu a matéria sobre o Festival de Verão eu sou bem brau, gosto do degladeio, então cheguei em 2001 na Concha com sede de roda, me armei. Já cheguei na concha com Sociedade3Oitão, mandando bronca. Tinha conhecido a banda no Palco do Rock e me amarrado, pois além de fazerem uma linha funkmetal, usavam umas maluquices no palco, tipo umas chapas de metal, antes mesmo do Slipknot e toda aquela presepada. E claro, tinha vários “pula pula” pra bater cabeça.
Logo depois, eu não lembro ao certo se foi essa ordem, rolou o show do Dever de Classe. Eu nunca tinha ouvido os caras até esse show e fiquei embasbacado. Como assim? Os caras são punk e me metem esse trompetinho safadeza? Adorei!!!! Claro, que poguei como se não houvesse amanhã.
E aqui apareceu uma banda fodona em minha vida, a Flor Mostaza da Argentina. A banda fazia a linha new metal, mas aquele new metal real, do tipo que misturava rap com música pesada, com direito a scratchs e o caralho a 4.
Depois teve o Superfly, que era sempre aquela coisa pra mim: Aguardar a última música que era o cover do Rage Against. Porém nessa oportunidade eu só queria mesmo que eles saíssem do palco para dar lugar ao Pavilhão.
Fato é, muita coisa simplesmente se apagou da minha mente, mas lembro bem desse show do Pavilhão 9. Tinha visto os caras no Festival de Verão, mas na Concha é outro clima. Devo ter caído e empurrado várias pessoas naquele foço que divide o público do palco da Concha, foi um show pesado, os caras largando só as doida, e todo mundo frenético, foi um excelente final de show.
No segundo dia do Garage 2001 rolou um monte de reggae, não fui.
Já em 2002, pelo que me lembre a primeira banda foi a Janquis, que também fazia aquela linha Funkmetal, aquele rock groovado estilo Rage Against The Machine e Red Hot Chili Peppers, já cheguei na bruxa e nas primeiras músicas, uma cotovelada na boca e quebrei um braquete do aparelho, o festival tinha começado bem.
Nesse ano teve alguma banda de reggae, salvo engano foi o Adão Negro, mas confesso que não tenho certeza.
Mas lembro que teve o show do MV Bill. Apresentação impecável, com Kamila CDD na contenção, geral indo no clima de Tio Bill, eu acendi logo o meu, fiquei doidão de maconha e ainda dei pala de usuário na TV, maldita TV!
De 2002 quase tudo apagado da mente, eu estava muito abastecido de THC. Mas shows como o do Rodox tira qualquer lombra. Foi matador!!!! Velho, Rodox era uma banda foda, tinha muito hardcore nas músicas e ainda rolava uns pula pula pra brau nenhum por defeito. Outro ponto alto do show foi o cover do P.O.D. que eles mandaram.
Que dia loco!!!
Mas falando sério, o que me deixa realmente triste é perceber, que já nessa idade em que estou muitas coisas fugiram e se embaralham em minhas memórias, é uma bosta constatar isso. Certo que, naquela época eu fazia uso de maconha e álcool, o que ajuda consideravelmente não lembrar nitidamente de tudo. Choices…
2003 seria o ano do último Garage Rock Festival, e os caras não decepcionaram, foi uma despedida e tanto.
O Festival saiu da Concha e foi para o campus da Universidade Católica de Salvador, tendo sido escaladas mais de 30 bandas, em sua maioria bandas locais, para se dividirem em dois dias de festival.
Os headliners dessa edição foram: Nação Zumbi, Mano Véio, Nengo Vieira, Catapults, Brincando de Deus, Diamba e Nancyta. Dentre os demais convidados estavam a Mais Treta, Adcional, Dirty Dolls, Cobalto, Automata, Playground, Scambo, Nebória, Vandex e os Macuns, Doykod, Dever de Classe, Afrogueto, Pastel de Miolos, Irmão Carlos e o Catado, entre outros.
No dia que fui o local estava lotado, geral curtindo, um clima muito bom e digno de um verdadeiro Garage Rock.
Confesso que sinto muita falta desse festival, ou de algum festival no modelo do Garage na cidade. É uma pena um festival tão importante ter acabado, não seguindo o exemplo do Abril Pro Rock, que se mantem firme e forme por décadas.
Quem sabe um dia…
-Garage Rock Festival e a história perdida do rock soteropolitano.
Por Dudu