As Ratas Rabiosas estão lançando mais um coquetel molotov sonoro pra cima dos fascistas, o álbum Guerra Urbana.
A Raiva faz as coisas acontecerem!!
No prólogo do episódio número dois da primeira temporada de American Gods, um homem ora ao seu deus. Ele deseja entender porque aquela desgraça recaiu sobre si e seus irmãos. Acorrentados no porão de um navio, rumam ao Novo Mundo. Estavam confusos por não compreenderem porque seus raptores os submeteram àquela condição. Afinal, nunca haviam feito mal a eles, sequer os conheciam antes de serem por eles caçados e presos.
Anansi, o deus aranha, um dentre tantos cultuados pelo seu povo, atende as preces do homem acorrentado. Ele surge na figura de um homem muito bem vestido. Anansi faz um discurso aos seus devotos. Revela qual destino os espera caso cheguem vivos ao destino daquela embarcação. Seu discurso tem um propósito: despertar a ira dos acorrentados. Seu objetivo é fazer o sangue ferver por saberem que aquelas correntes selam o destino de seu povo pelos séculos que se seguirão. Quando Anansi percebe que o seu invocador começa a ser consumido pela raiva profere o seguinte ensinamento: “Este cara entende. Gosto dele. Ele está ficando furioso. Raiva é bom. Raiva faz as merdas acontecerem”.
Rabiosa é um adjetivo espanhol que designa fúria, raiva, ao pé da letra, o termo significa raivosa. A música das Ratas Rabiosas funciona como o discurso de Anansi. Ensina a gente que a raiva faz as coisas acontecerem. Vivemos numa sociedade que banalizou o conceito de paz. Enfim, uma sociedade que busca de todas as forma sufocar sentimentos que considera negativos, pois são contrários à mansidão. Exatamente, a virtude cristã que coloca o ser humano na condição de completa submissão diante ao mais terrível dos opressores. Somos ensinados a cultivar valores que nos colocam numa condição de completa subserviência, sempre dando a outra face quando o tapa estala e nossa cara.
As Ratas Rabiosas querem despertar a raiva dentro de nós!
O discurso de Anansi e a música das Ratas Rabiosas, tem algo em comum. Ambas querem nos mostrar que precisamos levar o medo aos nossos opressores. Precisamos ser temidos por eles e pra isso precisamos dar vazão ao sentimentos que brotam das nossas vísceras. Acionados por nossos instintos de sobrevivência. A raiva, o ódio, a fúria, são sentimentos humanos, devemos aprender a lidar com eles. Temos que aceitá-los e saber conviver com eles na mesma proporção que devemos viver com o amor, pois há situações que o amor não possui a eficácia necessária.
Não se combate um agressor de mulheres com amor, não se combate racistas com amor. Tampouco fascistas serão contidos através de manifestações amorosas. Daquelas cheias de boas intenções que busquem despertá-los para o amor universal, que promove a comunhão entre todos os seres vivos. Acreditar nisso é o mesmo que acreditar que não existe divisão de classes na sociedade.
Precisamos nos indignar! Precisamos nos enraivecer porque mulheres estão sendo assassinadas a cada minuto por seus “companheiros”. Porque a polícia mata crianças negras uma atrás da outra, os grandes canais midiáticos divulgam e nada acontece. Por que uma vereadora é assassinada brutalmente. Consequência da defesa dos direitos humanos e por atrapalhar os negócios de grupos de milicianos. Grupos estes responsáveis por estabelecer um poder paralelo. Precismos nos encher de ódio porque tudo isso ocorre e nada acontece. Mesmo diante de evidências que conduzem aos mandantes.
Não devemos nos envergonhar de sentirmos raiva, de sentirmos ódio, porque esses sentimentos irão nos mobilizar, farão as “merdas” acontecerem. Conforme nos ensina Anansi. Nenhuma revolta popular, nenhuma revolução, nenhum protesto que resultou em mudanças concretas aconteceu fazendo cirandas e conclamando o dito “lado humano” dos opressores.
Músicas de combate!!
Nenhum opressor, nenhum senhor, nenhum privilegiado irá abrir mão de seu poder porque foi de algum modo sensibilizado. Por ter sido conscientizado de seu poder causar dor e sofrimento a outras pessoas. As letras das faixas de Guerra Urbana, novo álbum das Ratas Rabiosas nos mostram isso. São um elogio à raiva como instrumento de luta contra a opressão nossa de cada dia. Pra deixar isso claro vamos trocar uma ideia sobre cada uma das músicas.
Em Ação Direta a necessidade de lutar é trazida a tona pela constatação de estarmos sendo dominados por opressores que apertam cada vez mais o laço envolto em nossos pescoços. E a resistência contundente deve ser a resposta. Uma vez que do outro lado não há a menor preocupação em se lançar mão de recursos os mais violentos possíveis para promover a subjugação das classes populares.
Até Quando mete o dedo numa ferida profunda, a violência contra a mulher. O feminicídio que possui números assustadores no Brasil e é tratado de forma displicente pelo estado. Tratando-se de um estado alicerçado sob bases patriarcais é algo a se esperar. Motivo de sobra pra despertar a ira das mulheres. Vitimadas sistematicamente por esta realidade gestada pelos operadores da máquina estatal e consequentemente social.
A instalação de um estado autocrático é resultado de um processo. Processo no qual os interessados em efetivar o regime autocrático testam até onde vai a disposição das instituições políticas e sociais. Assim como da população em impedir que os limites até sua concretização sejam ultrapassados. Da mesma forma como o Bozo vem fazendo desde que assumiu a presidência da república. Guerra Urbana nos coloca diante de uma realidade na qual esses limites foram ultrapassados de forma escrachada. Vivemos uma realidade sufocante e não resta opção, a não ser lutar.
Há Sangue aborda questões relacionadas a assumir a responsabilidade pelas decisões tomadas. Embora o maior responsável pelas dezenas de milhares de mortes pelo covid 19 seja o Bozo, parte desta responsabilidade está na conta dos eleitores que ajudaram a elegê-lo.
O que significa tanto os eleitores que apertaram 17 nas eleições de 2018, quanto os que votaram branco, nulo ou simplesmente não compareceram às sessões de votação por considerarem que dava no mesmo eleger Haddad ou o Bozo. Fascistas e seus apoiadores não podem passar batidos, mesmo aqueles arrependidos. É preciso apontá-los, expô-los, fazê-los entender que também suas mãos estão sujas de sangue.
Desde o golpe político deflagrado em 2016 a partir de um “grande acordo nacional com Supremo e com tudo”, o processo de rapinagem dos direitos trabalhista acelerou. Resultado, o contingente de trabalhadores informais vem aumentando exponencialmente. Isso não impede que o estado e concessionárias terceirizadas utilizem seus dispositivos de repressão para acossar os trabalhadores lançados nessa condição.
A música Hey Guardinha expõe tal prática exercida nos vagões do metrô de São Paulo. Mas que se faz presentes nas diligências da PM e demais modalidades de policiamento como as guardas municipais. A falta de uma formação política por parte dos trabalhadores que vestem as fardas de policiamento, faz com que sejam instrumentalizados pelo estado e pelas instituições privadas para oprimir aqueles que estão do seu lado na luta de classes. Ou seja, na luta pela sobrevivência dentro do espaço social.
Se você chegou até aqui na leitura da matéria, significa que não faz parte do alvo identificado na letra de Máquina Cristã. O cristianismo foi instituído mundo afora na base da lâmina, da pólvora, responsáveis por derramar rios de sangue. Do saque e pilhagem das riquezas dos povos conquistados sob o signo da cruz. Foi consolidado como religião oficial do Ocidente, estabeleceu-se nas raízes da nossa cultura. Dessa forma moldou nossa compreensão de mundo a partir dos seus valores morais.
O moralista cristão, aquela figura execrável configurada a partir das manifestações de 2013 como o “cidadão de bem” vestido de camisa da CBF, é a versão mais vil do ser humano. Máquina Cristã lança um olhar sobre esses indivíduos de quem conseguiu se livrar das lentes morais do cristianismo. Daquelxs que conseguiram construir outros valores para se relacionar com o mundo de uma outra forma.
Marielle coloca o assassinato da vereadora e ativista pelos direitos humanos sob uma ótica ampla. A brutalidade do crime e sua natureza política, fizeram que houvesse repercussão mundial. A morosidade na condução das investigações, bem como a não conclusão do caso, uma vez que os mandantes do crime não foram levados à julgamento, intensificou a gravidade da situação e a mobilização em torno do caso.
Mostrando que mexer com mulheres determinadas na luta contra a opressão feminina, das pessoas pretas de periferia, não vai passar batido. Pelo contrário, só vai servir pra mobilizar seguimentos da sociedade representados e beneficiados por figuras como Marielle Franco. Mulheres ainda sofrem com práticas de violência a elas direcionadas de variadas maneiras.
Sem dúvida, Marielle Franco motivou que muitas se levantassem pra lutar, seja denunciando os agressores, seja ocupando veículos de comunicação, espaços da sociais que fizessem ecoar a luta contras as modalidades de opressão contra as mulheres. Não por acaso os últimos versos desta faixa são:
Não posso me sentir livre, enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as nossas correntes sejam diferentes.
Perto do final, voltamos ao início. Muitas pessoas se indignam pelo fato de uma séria de ações criminosas, antidemocráticas sejam cometidas pelo atual governo e nada é feito para impedir que isso continue. Não nos surpreendemos que as instituições políticas, jurídicas e sociais não façam nada além de notas de repúdio pelas redes sociais.
Contudo, assombra que as vítimas da opressão ainda não tenham chegado a seu limite e resolvido partir para as vias de fato. Parece que ainda é preciso o estímulo certo pra despertar a raiva, aquele sentimento que segundo Anansi, é responsável por fazer as merdas acontecerem. Se o seu sangue não está fervendo o suficiente depois de ouvir as faixas de Guerra Urbana, talvez falte uma última faixa pra fazer o caldo entornar de vez.
Motivos para lutar expressa a incompreensão por tanta violência gratuita ocorrer seguidamente, mas seguida da constatação de que são motivos para lutar, não para lamentar ou se esconder. Guerra Urbana é mais um álbum importante, que reflete nosso momento histórico, lançando um olhar crítico sobre a situação política e social do Brasil.
É a exposição de um contexto agressivo, que vem colocando em movimento práticas de extermínio, fazendo valer o que o então candidato a presidência Jair Bolsonaro disse em campanha no estado da Paraíba: “As minorias tem que ser curvar às maiorias, (…) as minorias se adequam ou simplesmente desaparecem”. Tudo indica que temos motivos de sobra pra lutar.
Produzido e gravado entre 2019 e 2020 por Fábio Hardcaos.
Participaram da gravação deste álbum:
Angelita Martin – baixo e voz
Amanda Trindade – guitarra e voz
Lary Durante – bateria e voz.
Ratas Rabiosas no Oganpazan:
RATAS RABIOSAS LANÇAM O SINGLE MULHERES PUNKS
A FÚRIA PUNK DAS RATAS RABIOSAS!
GRLS SP, UMA COLETÂNEA EMPODERADORA