A força que vem do norte: O real reino do Norte contra o Rei da Noite. Bruno BO, Thais Badu, Bruna BG, Nic Dias, Mc Neeh e Anna Suav, se liga
A coisa tá preta pro nosso lado. Sobre o reino do Norte, ultimamente as pessoas tem ouvido muito falar sobre grandes dragões e barbas. Eu tô achando que eles estão precisando ouvir mais sobre a infantaria que tá se criando na afro amazônia latina.
Eu tava pensando sobre isso enquanto pensava o que escrever. Quer dizer, tem muita coisa acontecendo, eu sei. Tá difícil pra todo mundo. O nosso lugar tá tomando um rumo previsível que chega até parecer cinema. Mas me peguei perguntando o que encoraja as pessoas a continuarem e ainda alimentando aquela chama que a gente conhece. E ainda pelo tal daquele caminho: o do artista.
E como uma boa colunista de música, vou tentar responder isso ao som de um bom Black Music do Norte. A intenção desse texto é reacender a sua chama interior. Nesse caso, a chama é de um coquetel molotov aceso pela vela de uma curandeira. Mentalizem.
A resistência no norte sempre foi um pouco diferente. O espírito cabano desse povo, já é historicamente transportado através das músicas, de sua cultura e acima de tudo, da sua história. A ancestralidade perdura até os dias de hoje na forma em que se lida com tudo.
“Ouve muito e fala pouco” foi a primeira lição dessa lista. O rapper Bruno B.O junto dos impecáveis Thiago Elniño & Bando Mastodontes, não poderiam ter sido mais assertivos no som “Alma Literária” com a produção de Wagner Bagão.
Cabe à reflexão que estamos fazendo. Veja bem: estamos falando de ancestralidade, música, cultura, diversidade. É impossível não falar de Bruno B.O. o cara faz a gente se arrepiar com um flow amassando de puro Ritmo e Poesia, marca oldschool original rudeboy-afroamazônico, nem precisa comentar. Atitude nagô de muleque doido da baixada. O clipe acompanha o cenário perfeito: mafioso armado até os dentes de arruda.
Bruno B.O é uma espécie de entidade não só no Hip Hop Paraense, mas é referência no Brasil todo. Nem só no som, mas se tem alguém que pode dizer que é literalmente Doutor no RAP, é esse cara. Ele sabe muito bem o que o acompanha, o cabôco de um lado e de outro lado um gangster maloqueiro. Aproveitem as referências e procurem os trabalhos dessa alma na terra. De quebra, nesse som, o B.O ainda manda uma tremenda idéia que corresponde à toda a idéia do texto. Sabe essa coisa de que tá ruim, tá difícil? Se eu te mandasse ouvir “Alma Literária”, você já teria uma resposta.
Mas não é bem por aí. A Amazônia é grande demais. Você não acreditaria o quanto. É exatamente o que diz o EP que a Thais Badu lançou. Eu lembro de uma história que a minha mãe dizia que em casa não sintonizavam as rádios do Brasil, mas sim as do caribe, guiana francesa e outras regiões vizinhas. As que mais conectavam a gente com As Veias Abertas da América Latina.
Se você ouvir “Sou Preta” da Thais Badu, vai entender o que eu tô falando. A mana conseguiu resgatar as duas grandes pretas velhas da nossa história: a latina e a africana. Bebendo da fonte de cumbia, lambada, tecno brega, Thais chega destruindo com uma pegada rap/reggae do raggamuffin. Esse certamente é um nome para ser lembrado.
Se você pesquisar um pouquinho mais, vai ver que a Thais também tem algumas produções de clipes, inclusive das músicas que a acompanham no EP. Se você tá interessado na Amazônia e ainda não ouviu a Badu, tá interessado errado. Volta duas casas e aprende com essa mana!
Falando em mana… Não poderia deixar de falar dessa entidade. Bruna BG. Essa monstrinha tem estremecido a cena de rap da capital paraense e se todo mundo entender esse texto, ela conquista as outras capitais de mansinho. Exatamente como Bruna chega.
O clipe da música merece uma nota à parte. Um verdadeiro combo de imagem-som que pôde passar a força e a angústia cotidiana de uma genuína mulher urbana. A obra é assinada por Anna Suav, que também divide o mic e com Bruna nos palcos da vida. Sensibilidade e força: os dois lados de uma obra; letras fortes e arredias com a transmissão de sensações através das imagens e luz.
“Pesadelos” dessa mana já é um hino pra quem acompanha as noites de Belém. A fala da resistência urbana de uma mulher, preta, lésbica das periferias do Pará, é o que vocês vão ouvir de mais atualizado do Manual de Guerrilha Urbana. Eu não tô querendo influenciar ninguém, mas seria bom ouvir alguns sons da Bruna BG pra fazer a vistoria de leve no GULAG. FikDik. 😉
Falando em juntar gente para cortar a cabeça (não disse qual) de homens, falando em mulheres pretas reunidas para representar no asfalto e na aldeia, e falando em Anna Suav… Ela que também assinou a direção do vídeo da BG, faz um lançamento numa participação inédita com MC Deeh (AP).
O som “Madalenas” é incrível. A genialidade de falar também sobre suas vivências, mas principalmente sob o tal “Olhar sanguinário do vigia”, através das dores de uma mulher. Uma mulher apedrejada, culpada e sexualizada. Uma Madalena.
A ênfase da lógica cristã é completamente atual. O que vivemos, os retrocessos que estamos enfrentando e as decisões que estão sendo tomadas sobre nós, mas sem nós, é sem dúvida resultante da dívida histórica que o cristianismo tem conosco. Principalmente com o povo negro e indígena.
Madalena é além. É sobre como nós buscamos superar isso. Seja no paredão do funk, ou no bate cabeça de mensagem, é tudo rock doido. É do corre de pisada para ostentação na pickup. A autoestima da mulher preta de hoje, é a madalena de ontem que cansou de ser julgada. Ajoelhou vai ter que rezar? Só se for pra santa MC Deeh e para Anna Suav.
Nessa de rezar, tem que pedir benção. Benção de mamãe. Mama África, a minha mãe é mãe solteira. Dá pra entender bem quando fala de mãe, né? Todo mundo tem um sentimento por isso. A Nic Dias resolveu usar esses sentimentos para falar disso. Os dilemas de uma mãe solteira que precisa criar os filhos, o ex-marido abusador, o sistema lavando as mãos [mães], e o filho que “nasceu no desafeto e hoje chora no escuro”, como diz Nic na letra.
Com o Degrau – Nic Dias, de maneira sucinta numa excelente produção do Navi Beatz, sem acreseados, nem termos dos contrários, sem a autofagia da escrita prolixa. A gente entende o que é pra entender. A mensagem tá para quem quiser ouvir. Doa a quem doer.
Chega a ser incrível e ao mesmo tempo doloroso saber que uma mulher de 19 anos saiba tanto sobre ser. A pegada de Nic Dias apresenta o resultado de muita caminhada nessa trajetória: Tanto as mana deram o nome para abrir as estradas no Hip Hop e as ancestrais que guiam bem. Essa cena tá bem representada.
Original de fala, som, atitude e até visual, a Nic sem dúvida alguma, fecha essa ordem de indicações com a certeza de no final das contas, nós nem estamos tão perdidos assim. A lição é: Em tempos sombrios, se não souber o que fazer, ouça algumx pretx velhx do norte, que a rebordosa é sabedoria.
Ei Daenerys, qualquer coisa, joga esse trono no apoio das rainhas e reis do norte que a gente resolve esse Senhor da Noite aí! 😉