Flora Matos, Don L, Parteum… Lançamentos Rap Nacional 2018

Flora Matos, Don L, Parteum entre outros bons nomes abriram 2018 com lançamentos de grande qualidade, temos ainda muito pela frente esse ano!

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Existem diversos problemas reais que a cultura hip hop tem enfrentado, além daqueles mesmos que ela historicamente tem colocado. O crescimento da produção e do consumo por parte da classe média, assim como a ampliação de pautas históricas e outras mais novas, vem gerando diversos debates públicos.

As mulheres que com muita luta seguem o bom combate por espaço na cena, cada vez mais preparadas em termos de produção, técnica e ideia. Um cena extremamente machista, que sempre preteriu as minas através de diversos dispositivos, hoje se escandaliza com teta e com as minas falando buceta. Ainda nem se recuperaram de ter que ceder algum espaço e ter que aceitar essa representatividade e se pegaram diante da chegada da pauta LGBT, com figuras como Linn da Quebrada e Rico Dalassan alcançado projeção devido aos excelentes trabalhos lançados.

De repente, descobriram que o rap é música fruto da Diáspora negra, e vão buscar inspiração no Morgan Freeman, #consciência humana, música não tem cor, etc… Tiveram que se bater com a história da música no século XX e entender (alguns poucos) os diversos processos de apropriação cultural sofridos pela cultura e música negras. Conseguimos acompanhar denúncias e discussões muito importantes durante o último ano e certamente a velocidade das manifestações on line, não alcançam o tempo necessário de reflexão e as ações coletivas que deverão enfrentar o crescente aburguesamento do rap e a ampliação dos debates necessários sobre os diversos temas hoje em voga. 

Se o rap sempre foi estruturalmente machista e homofóbico, é certo que o racismo é um fenômeno externo ao mesmo e tem classe social, CNPJ e cor. Esse talvez, um outro problema que a cultura hip hop e o rap precisarão enfrentar em breve. Acima apenas fizemos, um breve recorte de alguns acontecimentos que de algum modo tem sido enfrentados pelos artistas, militantes, bboys e bgirls, grafiteirxs e público, alguns numas pautas, outros em outras, outros apenas fumando kush com seu próprio kit gourmet.  

No entanto, toda essa introdução é para tentar olhar aqui, no espaço dessa matéria, pro lado cheio do copo, pois 2017 também nos brindou com excelentes trabalhos. E na virada deste ano de 2018, muitos lançamentos já chegaram com muita qualidade, de algum modo continuando as pautas que independem da mera contagem do tempo. Pautas que são o único elemento importante dentro da música rap, sejam elas estéticas ou politicas e sociais. 

Abaixo selecionamos alguns trabalhos que tem nos embalado nesse comecinho de ano, muitos outros foram lançados quando já estávamos preparando a matéria e não puderam estar aqui. 

O rap feito por mulheres, apesar de tudo, se confirmou como aquilo que é na atualidade da cena nacional, uma das coisas – senão a mais – importante na atualidade. Local de combatividade e atravessamento de diversas pautas politicas que o rap game tem desprezado. A questão da técnica que os especialistas estéticos do rap sempre utilizaram como dispositivo de preterimento foi soterrada por mais de 400 manas (de acordo com o levantamento que está sendo feito atualmente) em 2017. 

Bivolt & Savoli chegaram nesse som num pique Marta & Cristiane, dupla de ataque agressiva e técnica emulando as melhores características das artistas. O áudio visual por conta da Giramundo Filmes, com a direção de Guilherme Midões privilegia a simplicidade nas imagens captadas ente o colorido e o preto e branco. O rolê com os aliados Nego Max & Livia Cruz, a cerveja no fundo do quintal, a pé pelas ruas, brincando no parquinho. A valorização de uma simplicidade que é o contrário ou o antídoto contra dois dos males de muita coisa que vemos: A ostentação vazia e a confusão entre simplicidade e precariedade.

Como falávamos acima, criticar o aburguesamento do rap é necessário, no entanto essa critica não passa pela pura e simples afirmação da precarização e da falta de dignidade em nossas vidas. Nos parece mais real e imensamente mais desejável as cenas aí apresentadas, do que um clipe em Miami. Primeiro que Miami nem é um lugar legal e segundo que lá não tem latão de Skol por 3,50R$.

Da mesma forma, a questão da técnica dessas artistas coloca-nos a questão da simplicidade que atravessa as enunciações, providas aqui, das multisilábicas, das aliterações, boas imagens poéticas construídas, mas sobretudo possui um fio condutor claro. Ou seja, o sentido que é e sempre será o mais importante em termos poéticos, e sobretudo existenciais, se faz presente nas letras, na melodia e na harmonia, presente entre Bivolt, Cintia e o beat do Vibox, verdade, força e simplicidade.

Muito se falou sobre a ampliação do mercado da música rap com referência a outras regiões do país em 2017. E se é certo que o público começou aos poucos a olhar pra outras manifestações fora do Eixo Rio – São Paulo, há muito trabalho por se fazer. Num país de proporções continentais, com uma mídia ainda centrada no eixo referido, mesmo com suas sucursais, a urgente profissionalização da mídia é algo fundamental.

Por outro lado, estar fora de foco, e lutar por reconhecimento é um excelente estímulo pra almas mais inquietas, não é o desejável, mas acontece que a busca por um estilo e por uma voz singular encontre seu principal motor nesse estar a margem. E estar ao mesmo tempo, às margens do foco nacional e às margem dos rios Solimões e Negro, entre os muitos outros que compõem a maior bacia hidrográfica do planeta, tem feito muito bem ao rap

Há ainda muito o que se conhecer, e é papel da mídia e do público buscar o que está ao redor dos malucos da Qua$imorto, pois eles não são os pioneiros da região norte, mas foram os que veem despontando. Logo, é preciso entender que – péssima analogia – existe toda um flora e fauna, ao seu redor pra ser conhecida. Depois dos excelentíssimos trabalhos Janela(2015) e o recém lançado VE, CG(2017), as atenções precisam incluir os outros ao redor do jovem mestre Victor Xamã, seja para o seu grupo, seja para os outros atores que estão ao redor.

E é de mais um excelente integrante da Qua$imorto, um dos excelentes trabalhos desse inicio de ano. Luiz Caqui feat DK chegaram transbordando o fruto de silêncios bem aproveitados na alquimia necessária para a produção de poesias que valham esse nome. As imagens desafiadoras e bastante bem pensadas para ilustrar o clipe, são de Gabriel Majin & Lucas Negrelli. Encontrando paralelos entre a tempestade em Júpiter e as areias, o asfalto, as chuvas lá do norte, mas que poderiam ser de qualquer lugar do cosmos, do particular ao Universal. 

O convite para o desbravamento dos sons da região norte está feito e o céu é o limite, Qua$imorto em suas vidas.

Flora Matos despreza maiores apresentações, Eletrocardiograma (2017) esteve presente em 10/10 das litas de melhores do ano e para muitos foi o melhor disco do ano. Entendemos que listas e eleições de melhores do ano tem apenas importância quantitativa, servem quando muito pra conhecermos algo que passou batido. E certamente esse disco da Flora é um divisor de águas no rap nacional, logo não passou batido por ninguém, logo também é atemporal. 

Preta de Quebrada part. 2 é um esculhacho delicioso, daquelas faixas que damos o play e ficamos num misto de riso, admiração e dancinha. Na primeira vinda da Preta de Quebrada ela eram três, a teoria, a prática e o objeto do cuidado, num jogo delicioso entre mulheres, formas dos femininos, auto desenvolvimento que perpassa pelo olhar para a outra. Na segunda vinda dela, o papo é reto para todos os Outros.

Wills Bife no beat é hit, a pretinha exala potência num flow delicioso, onde realmente desfila verdades para os falsos nessa parada. Resultado de um processo de longo amadurecimento, Flora Matos evidentemente alcançou o ápice de seu desenvolvimento estético, e ainda diz que tá pegando leve. As imagens do vídeo clipe ficaram por conta do Alex Arone e ainda assim nos parece uma continuidade com o primeiro clipe. Se na primeira vinda a Preta, produzia-se, cantava e escutava teorias sobre empoderamento feminino, aqui o Alex a captura já na saída do mesmo estúdio, depois de ter produzido um puta disco, que lhe firma de vez na história da música rap brasileira.

E se os manos tão lá ouvindo Cassiano e os gambé não guenta, a Flora tá cantando diretamente para a lua, já tendo aberto os caminhos, rumo ao espaço!

Confessamos que apesar da admiração pelo trampo do Luiz Lins, quando demos o play pela primeira vez em Bom dia, e o teclado, as primeiras linhas e ele de mãos dadas com a gata segurando um violãozinho, fechamos a aba achando que ia rolar um luau a dois. Por sorte, depois notamos que o vídeo era composto de duas metades: Bom Dia / A Música Mais Triste do Ano. E aí tudo fez sentido, as tonalidades afetivas se complementaram. 

Apesar de poucos lançamentos Luiz Lins teve um ano excelente em 2017, de certa forma ajudando a inaugurar a junção entre Rap & R&B em terras brasileiras e em seus próprios termos. Junto a uma geração extremamente talentosa, tem construído as possibilidades dessa junção em terras brasileiras. Sem parecer as cópias pasteurizadas de outras tentativas. E prova disso é esse romeu e julieta (goiabada com queijo) visual que o Rostand Costa aprontou, com roteiro em colaboração com o próprio Luis Lins e o beatmaker Mazilli.  

Fruto também dessa maior expansão que operou-se no mercado do rap pós Sulicidio, Luiz Lins já é o rapper nordestino com recorde de visualizações no youtube, agora passando dos 12 milhões de views só na faixa A Música Mais Triste Do Ano (2017). A música que é fruto do seu talento e da aliança em torno da PE SQUAD, com Mazilli na produção e Moral (Chave Mestra), que solinho descarado de bem feito, demonstra claramente o que a abertura de espaço, visibilidade e profissionalização podem alcançar.

Voltando ao áudio visual, o diretor Rostand Costa mandou muito bem na paleta de cores que determinam a passagem de uma música para outra. Do ensolarado ao sombrio, do amor adocicado e festejante às dores escruciantes das perdas afetivas, até a confusão das brigas conjugais. Luiz Lins começa bem demais o ano e aguardamos agora um trabalho cheio do mano. 

Um dos rappers melhor preparados intelectual e teoricamente falando, Don L também teve em 2017 o ano em que confirmou com o seu Roteiro para Ainouz Vol.3 (2017) o que muitos já sabiam, ele é um dos melhores da cena e da história. Um disco do qual vamos falar ainda por muitos anos, entre outras coisas por sua capacidade de sintetizar, de cozinhar e servir muito bem o momento em que vivemos no Brasil. Excelente sintomatologista ele sacou que a revolução brasileira não vai ser tramada na piscina da Lavigne, assim como se recusou a ser Gadulizado. 

Falávamos sobre o aburguesamento do rap, que tem se dado por diversas vias e uma delas além dos playboys que rimam, dos playboys que investem e lucram no mercado do rap, se dá pelo pedido/aceitação de reconhecimento e aceitação da burguesia. “Primeiro o filho dos caras queriam ser pretos, depois eles começaram a rimar, agora eles querem ser os melhores.” Daí para reconhecer as ideias burguesas como suas é um pulo, e Don L parece ter sido o único a ter transformado e denunciado esses mecanismos de captura em música de modo escancarado.

Na esfera da macro politica também o mc consegue se manter como um dos mais bem preparados a comentar os rumos da politica nacional nos últimos anos. Verso Livre Nº 2 é um single que parece emular algumas dessas questões, ao mesmo tempo que parece afirmar que o rapper vai diminuir o tempo de lançamento dos trabalhos. Indulto é um termo do poder público que Don L parece se apoderar pra se auto libertar de algo, que pra nós não ficou muito claro.

Suspeitamos porém que esse indulto é contra a opinião pública e sua triste concepção de como deve-se portar um artista sob a égide capitalista. E aí o auto indulto nos começa a fazer pleno sentido, levando em consideração a invasão do pensamento burguês no rap. Seguindo essa lógica, na segunda parte da canção são diversos os temas abordados pelo mc que não caberiam em uma analise pormenorizada aqui.

Mas gostaríamos de apontar alguns e comecemos pela questão estética, pois o mc diz que está mais para Raul Seixas do que para Vandré. Durante muito tempo, o rap nacional visualizou qualquer desvio estético dos padrões estabelecidos nos anos 90 como traição, e ainda temos umas viúvas do “verdadeiro rap”. Don L sempre buscou sonoridades diversas pra trabalhar, desde o Costa a Costa, sendo assim, parece muito bem colocada a comparação. Caminhando e rimando sobre o beat fodástico do Deryck Cabrera

Sobre as questões apontados com relação a nossas próprias escolhas politicas é um tanto óbvio, basta analisar quais nomes são citados e quais não são. O artista se auto intitula comunista em seu disco, logo se coloca no espectro politico da esquerda, o que não necessariamente o marca como petista, mas ele sabe a importância do governo do PT nos últimos 12 anos no país. E certamente não comprou a narrativa anti-petista da mesma forma que uns mc’s que chamavam o PT de comunista.

Sonhar com Havana ao invés de sonhar com Miami, não significa voto de pobreza, algo que deveria ser óbvio para qualquer pessoa minimamente letrada. O artista sob o espirito do capitalismo é um produto, mesmo integro, e lhe cabe lutar através dos seus talentos para conseguir se vender com dignidade, mantendo sua liberdade de criação. E obviamente essa condição social não lhe impede de buscar sua liberdade, apoiar lutas coletivas e sonhar com um mundo igualitário. Vivemos num sistema contraditório em sua essência, Chapa.

Um dos totens do rap nacional Parteum tem firmado uma tradição nos últimos três anos com lançamentos no primeiro dia do ano: 01.01.16 (2016), En Garde MMXVII (2017) e agora MMXVIII (2018). Em entrevista ao clássico Programa Freestyle do grande Marcílio Gabriel, lá em 2016 quando do lançamento do primeiro dessa tríade de ano novo, Parteum dizia que esse era uma exercício para trocar energias. Dizia lá também que aquela faixa lançada era parte de algo que ele não iria explicar naquele momento. 

De larga discografia, Parteum é um daqueles que estão sendo agora ouvido por seu Mc favorito, é de algum modo um músico de músicos e iniciados. Experimentador, caprichoso na artesania de suas músicas, demora pra lançar algo, mas o que lança, mesmo quando exercícios nos levam a pensar e curtir durante muito tempo.

MMXVIII é quase a carta de um observador externo, ou alguém que durante suas pesquisas apresenta os resultados a comunidade e volta ao laboratório. Tão diferente de tudo que estamos habituados a ouvir, seja em termos das programações e dos beats utilizados, mas sobretudo nas imagens desse fotografo de Instagram, que produziu um audio visual muito foda. A lírica é o que estamos acostumados a ouvir vindo dele, ideias certeiras embrulhadas em levadas tortas, num flow pensamento que não encontra par no rap nacional, dada sua singularidade.

Reflitam com Parteum para um melhor 2018 para o Rap Nacional!

 

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