O power duo feminino SixKicks lança seu primeiro Ep recheado por 4 faixas que te farão alucinar!
No início do mês Mariô Onofre, baterista da Mescalines, postou um vídeo de duas minas tocando na Paulista. A performance chamou atenção pela segurança e energia com que as músicas eram executadas. Imediatamente me lembrei do único power duo feminino que conhecia até então, o Deap Vally.
A formação power duo exige dxs integrantes habilidade e sensibilidade apurados para criar elementos que possam ocupar o vácuo deixado pela ausência do baixo. Existem bandas que adotaram esse formato e seguem realizando shows e lançando registros excelentes como o The Baggios, o Mescalines, o Dum Brothers, o Test, a extinta Chivas Duo, só para ficar em alguns dentre muitos exemplos. Contudo, faltava, ao menos para mim, tomar conhecimento da existência de uma banda feminina que tivesse adotado o formato e estivesse em atividade aqui no Brasil.
Esse desejo de ver outros duos femininos de rock, bem como a felicidade em conhecer a SixKicks foram intensificados pela leitura do excelente artigo da Bárbara Alcântra intitulado A cena underground atual está nas mãos das mulheres e os homens não conseguem admitir isso. No artigo Bárbara mostra o protagonismo feminino na atual cena underground brasileira. Muitas bandas são citadas como exemplo de comprovação desta tese em diferentes vertentes do círculo do rock underground nacional. Vou dar meu pitaco e acrescentar a SixKicks como outra prova que endossa a veracidade da tese. Temos pelo menos uma banda feminina representando fortemente junto ao seguimento duo rock no Brasil.
Formada por Marjorie Jorie na guitarra e Theo Charbel na batera e vocais, a SixKicks faz um som bastante encorpado e compacto imprimindo intensidade às suas performances. Ouvindo o Ep podemos comparar a execução das músicas em estúdio e ao vivo e percebemos haver diferenças minímas no que é o som em uma situação e outra. Isso mostra a autenticidade do som, bem como o domínio da banda sobre seus instrumentos e controle completo sobre o modo como desejam que as músicas soem.
Lançado no dia 25 de setembro, You Should Sing In Portuguese Buy More Pedals And Play Lower (Você Deveria Cantar Em Português, Comprar Mais Pedais e Tocar Mais Baixo) traz quatro faixas compostas a partir de matéria prima diversificada, que vai do metal, passando pelo grunge, indie, garage rock e indo até um dos ritmos mais característicos do Brasil, o forró. A junção desses múltiplos elementos é usado com bastante cuidado para não cair numa bagunça sonora. A dupla consegue dar unidade ao som, soar homogeneamente mesmo servindo-se de vários elementos. Vale ressaltar a participação crucial de Alejandra Luciani e Capileh Charbel no processo que levou ao resultado final do Ep.
Encontramos desde os primórdios da indústria fonográfica a tentativa de moldar a música de forma a chegar num formato comercial pra agradar e formar um público médio para consumir um gênero musical, criar fãs de uma determinada banda ou cantor, fidelizando clientes. Regras passam a vigorar entre as próprias bandas, muitas vezes seduzidas pelo status proporcionado pelo sucesso comercial. O título do Ep da SixKicks, carregado de ironia, bota abaixo qualquer tentativa de pre-estabelecer como se deve fazer rock, seja no underground ou no mainstream. Elas não cantam apenas em português, alias, o foco da banda é o instrumental, reduzindo o uso do canto, o que torna o projeto ainda mais ousado. Elas optam pela simplicidade, buscam uma sonoridade crua, livre do excesso de aparelhagem e efeitos high tec, por isso não se preocupam em comprar mais “pedais”. E definitivamente, elas não tocam baixo! A SixKicks é a antítese do mainstream em todos os sentidos.
You Wanna Fuck Me abre o Ep e se desenrola numa levada cadenciada, com riff arrastado e envenenado por efeitos graves, imprimindo peso e densidade à música. O vocal entra e seu desenvolvimento é interseccionado por uma nota destacada pela guitarra em curtos intervalos de tempo. Podemos não perceber de imediato, mas a ligação é feita quando nos damos conta do conteúdo da letra. Essa alternância entre a voz e os intervalos da nota destacada pela guitarra simulam o ritmo da respiração ofegante no desenvolvimento do ato sexual. A letra é direta ao descrever o desejo por uma foda e embora a letra não defina o gênero de quem sente o desejo, o fato de ser cantado por uma mulher acaba tendo um efeito muito forte. Através dessa faixa operam a desconstrução da imagem que associa a mulher ao amor e não ao sexo, quando se trata de sua vontade, dando maior alcance ao efeito impactante desta faixa.
Em Forrock, voltam-se às suas raízes regionais e culturais. Mato-grossenses de Cuiaba, usaram a estrutura rítmica do forro, gênero musical característico da região, como base para a música, adicionando os efeitos sonoros para dar forma às características do rock. Isso fez com que o forró predominasse, dandoà música certo ar de exoticidade. Usam uma métrica e linhas melódicas no vocal características do forró, que apoiadas na marcação feita pela batera e em alguns momentos pela guitarra, geram movimentos característicos do forró.
Take Time segue por caminhos mais experimentais, flertando com o indie, desviando das fortes distorções, optando pela leveza e agilidade, desenvolvendo um fluxo sonoro quase ininterrupto. Esse é o ponto forte da música, pois são mais de dois minutos viajando através dessa via constante que acaba por nos absorver até que em determinado momento somos retirados dessa imersão. Chegamos em uma espécie de clareira, quando a velocidade é reduzida, preparando para um outro acontecimento.
Doom, palavra que sintetiza perfeitamente a sonoridade dessa faixa. Estamos diante de uma despedida agressiva, reverberando sonoridades sujas, buscando na comunhão entre efeitos ruidosos e distorções pesadas um jeito de levar o ouvinte a sacolejar-se alucinadamente e espulgar através de movimentos e rios de suor tudo que no instante em que a música toca o aflige.
O andamento marcado gera certa sensação de fadiga, como quando a ressaca chega no seu momento crítico e só conseguimos nos arrastar de um lugar para outro. Boa maneira de encerrar o Ep, ainda mais pela quebra desse clima, quando a música recebe uma dose de adrenalina e aplica golpes certeiros nos tímpanos dos ouvintes, que atordoados pelas investidas dos riffs e levadas arrasadoras da bateria, esperam pelo momento fatal. Este não veio neste trabalho, a vontade de experimentar novas sensações foi instigada, mas não saciada. Como o junk faminto pela próxima dose resta-nos o esforço final de nos erguer e esperar o que essa dupla nos reserva para o futuro.