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1969, o ano em que o Creedence superou os Beatles

Travellin´Band narra, na voz do ator Jeff Bridges, a ascensão meteórica do Creedence até o topo do mundo representada no icônico show no Royal Albert Hall.

Creedence, uma lembrança afetiva!

Quando faço o exercício de buscar nas profundezas da minha memória, lembranças remotas sobre meus primeiros contatos com a música, sempre me vem a imagem do meu pai esculpindo numa manhã de sábado. Claro, sendo uma lembrança afetiva, era sempre uma manhã ensolarada. Raios de sol entrando pela janela e o som do meu pai esculpindo a madeira se misturando ao da música tocando na vitrola.

Capa da coletânea do Creedence que meu pai botava pra rodar e eu ouvi freneticamente ao longo dos anos 90.

Em casa meu pai gostava de trabalhar ouvindo música. Botava pra rolar com frequência todo hall de medalhões da MPB. Porém, apenas duas bandas surgem nestas lembranças específicas. A primeira delas são os Beatles, meu pai tinha todos os álbuns da banda, inclusive umas coletâneas piratonas. Frequentemente um deles estava dando voltas na vitrola. A outra, era uma coletânea, também pirata, de uma banda chamada Creedence Clearwater Revival

Lembro de já estar acostumado ao som dos Beatles, quando de repente, numa dessas manhãs ensolaradas de sábado eu ouvi Susie Q  executada pelo Creedence pela primeira vez. Embora fosse um pré adolescente, aquilo chamou minha atenção. Meu pai sempre falava dos Beatles pra mim, então achei estranho ele nunca ter mencionado aquela outra banda. Fui perguntar pra ele sobre a banda e ele não soube me dar muitas informações.

Vocês millennials podem não acreditar mas houve um tempo no qual a internet só existia nos livros e filmes de ficção científica. Para se informar era necessário procurar meios analógicos como livros, revistas, no caso da música, revistas especializadas, alugar fitas VHS, para ter acesso a informação. O que nem sempre era acessível, ainda mais se você fosse um adolescente da classe trabalhadora.

Menos prestigiados, mas tão importantes quanto!

Havia informação a rodo por toda a parte sobre os Beatles, mas quase nada sobre o Creedence. Cheguei à idade adulta sem saber quase nada sobre a banda. Passei boa parte da vida ouvindo uma banda que eu achava ser do sul dos EUA, de New Orleans, mais especificamente. Foi um susto quando soube que os caras eram da Califórnia, de uma pequena cidade chamada El Cerrito, localizada na região metropolitana de São Francisco. 

Foto promocional da banda.

No filme, o John Fogerty explica o motivo pelo qual a banda usava roupas que remetiam ao visual dos homens do interior do sul dos EUA, bem como a própria sonoridade da banda. John, em um dos depoimentos relata sobre sua admiração pela música do sul dos EUA, em especial o blues, a soul music e o r&b. 

O DNA musical desses estilos aparece nas composições do Creedence, que vale lembrar, são em sua maioria de autoria de John Fogerty. O mais curioso é que até mesmo nas letras a vida no bayou, nos pântanos e à beira do rio Mississipi aparecem. Como num dos primeiros hits da banda Proud Mary, bem como Born on the Bayou e Green River para citar alguns exemplos. 

A música negra do sul dos EUA povoaram tanto o imaginário de John Fogerty que se materializou no som e na imagem da banda. A ponto de muita gente, que não sabe sobre a verdadeira origem da banda, ainda acreditar que os caras são de algum estado do sul dos EUA. 

Outra preocupação da banda eram as questões políticas, em especial as que abrangiam a Guerra do Vietnã que ceifava a vida dos jovens daquela geração, em especial dos jovens negros. Músicas como Fortunate Son estão entre aquelas que fazem crítica à guerra, bem como The Working Man que critica o modo como a classe trabalhadora estadunidense é explorada. 

Superando os Beatles

Por isso mesmo, assistir “Creedence Clearwater Revival at the Royal Albert Hall”, documentário dirigido por Bob Smeaton e narrado pelo ator Jeff Bridges me deixou em êxtase. O Creedence merecia demais uma obra que apresentasse a banda em toda potência de sua música, as peculiaridades da sua sonoridade, bem como do estilo visual da banda e a construção da sua identidade sonora. 

Foto da banda durante apresentação no Royal Albert Hall em Londres.

Poucas bandas podem se gabar de terem lançado cinco álbuns irretocáveis em sequência ao longo de sua carreira. Uma delas é o Creedence. Sua sequência perfeita de lançamentos contam com  Creedence Clearwater Revival (1968), Bayou Country (1969), Green River (1969), Willy and the Poor Boys (1969) e Cosmo ´s Factory (1970), obras primas da música pop do século XX.

Achei interessante que o filme escolheu um mote específico para contar a história da banda, sem seguir aquele roteiro cansativo de contar a história da banda cronologicamente, desde seu início até o seu fim. 

O filme começa com os integrantes da banda se preparando para começar a maratona de shows da turnê europeia em 1970. Ali é o auge da banda, que vinha de seu ano triunfal, 1969, quando lançaram em menos de um ano três álbuns avassaladores, Bayou Country, Green River e Willy and the Poor Boys.

Estes três álbuns estariam na lista dos 10 mais vendidos nos EUA, além de terem 5 músicas entre o top 10 daquele ano. Com estes números ultrapassaram os Beatles em vendas e caminhavam para ultrapassá-los em popularidade. Uma vez que a banda britânica anunciara sua separação e o Creedence partia para conquistar a Europa terminando essa turnê no Royal Albert Hall em Londres que já tinha recebido outras grandes bandas da sua geração, entre elas, os próprios Beatles, os Rolling Stones, o Led Zeppelin e o The Jimi Hendrix Experience. 

Doug Clifford e John Fogerty em destaque em foto tirada durante o show da banda no Royal Albert Hall em Londres em 1970.

A ideia de começar a história a partir deste momento do Creedence funciona bem, porque te prende. Ouvimos trechos dos caras comentando sobre as expectativas de tocar pela Europa, as impressões que tiveram sobre o público europeu. Ouvimos Jeff Bridges relatando fatos que comprovam a consolidação do Creedence no cenário musical mundial, e não tem como negar que isso funciona como uma bomba de adrenalina ativando sua curiosidade e sua vontade de saber mais sobre a os desdobramentos daquela fase da banda. 

Enquanto vamos acompanhando a banda pela Europa, somos conduzidos a conhecer sobre sua origem. Algo interessante de se notar, uma informação dada logo no início do filme, é de que o Creedence em 1969, brigava com os Beatles pelo posto de maior banda do planeta. 

Daí resgatam o início da banda em 1959, quando ainda estavam no high school até serem recrutados por uma gravadora que aproveitou a onda da british invasion para tentar dar um caráter comercial à banda. Por isso passaram a se chamar The Golliwog durante um tempo até renascer musicalmente como o Creedence Clearwater Revival

Assumiram o nome Golliwog  devido a alegação do empresário da banda à época de que eles precisavam ter um nome mais britânico para fazerem sucesso e terem um maior apelo comercial. Olha os Beatles pautando a cena musical e servindo de parâmetro pros caras.  

Creedence durante show no Royal Albert Hall em Londres em 1970.

Quando estiverem assistindo ao filme, notem que ele vai ligando a trajetória do Creedence a dos Beatles durante a exibição. Isso não é gratuito. Ao final da parte narrativa do filme, vemos que o Creedence supera os Beatles ao longo de 1969 em termos de vendagem, e colocação nas paradas britânica e estadunidense. Coincidem com a separação da banda britânica e o show do Creedence no Royal Albert Hall. 

Os desdobramentos ao longo do filme nos conduzem a este momento. Temos a oportunidade de assistir na íntegra o show completo da banda no templo mor da música no Reino Unido, que aconteceu no dia 14 de abril de 1970. Bridges no início do filme nos lembra de que se trata da primeira exibição completa, sem cortes deste icônico show do Creedence.

E o melhor de tudo, o filme acaba quando a banda encerra sua apresentação. Não há preocupação em mostrar o término da banda, as tretas internas, coisas que pouco tem a ver com a arte produzida pela banda enquanto esteve em atividade. Isso fica para quem quer se aprofundar na biografia da banda, para nós que amamos apenas a sua música. Travelin’ Banda é um filme impecável. 

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