16 Beats no EP C.O.L.Ô.N.I.A. – Um papo sobre Rap, Lutas e Pan-Africanismo

16 Beats no EP C.O.L.Ô.N.I.A. traz franca evolução e uma consistência politica que vem se lapidando nos últimos trabalhos, batemos um papo!!

 

 

Dizzaseis

 

Acompanhar um artista é muito mais do que apenas ouvir suas músicas, será preciso perceber determinadas nuances que sua trajetória, que suas escolhas e suas alianças. E nesse sentido, temos acompanhado a franca evolução do rapper baiano 16 Beats.

Desde as batalhas, passando por seu antigo grupo Malaô e o começo de sua carreira solo, o mano vem progressivamente afiando sua mente e consequentemente suas rimas, buscando sua raiz.

Radicalizando sua perspectiva politica e racial numa busca e com encontros que foram e são fundamentais para definir como esse artista das rimas, poeta revolucionário, vem se conduzindo.  

Contando com uma mixtape bem elaborada e que reuniu bons raps que o mano vinha lançando e com algumas pesadas participações, É Pra Lá Que Vai (2016), foi seu primeiro trampo solo a reunir a primeira safra de seus poesias ritmadas!

Parte da caminhada de 16 Beats tem como ponto de encontro e trabalho o estúdio Na Calada Rec, local de trabalho dos seus manos do N’Ativa, com quem lançou em parceria o EP Tramas (2016). E é nessas idas e vindas que podemos aos poucos ir percebendo como esse mano tem se constituído com um artista singular em nosso rap

O ano de 2017 foi de singles como o seu freeverse Melô do RND e participações como no freeverse RND com Indemar Nascimento, com um áudio visual caprichado do também rapper Ramires AX.

Franca evolução, lírica, de flow, das combinações de rimas e principalmente, da radicalização coerente do conteúdo critico apresentado. O Ep C.O.L.Ô.N.I.A é o resultado desse processo, seu trabalhado mais bem acabado, com uma seleta dessa caminhada, como nas produções de Dactes, Sly, Gabriel e To$h. Assim como nas participações do próprio Dactes (polivalente N’Ativa) e Chagas (Parenética), O forte cunho racial do disco é fruto de sua militância mais acentuada nos últimos anos na organização Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta de cunho Pan Africanista.

Ao longo de suas oitos faixas, da abertura com a utilização do sample de Gloomy Sunday da diva Billie Holiday, passando pela poesia de OBZO, até a última faixa bônus, o clima é de revolta e luta. A tradução das contradições que um jovem homem negro enfrenta em nossas grandes e pequenas cidades. 

Diante dessas questões batemos um papo com 16 Beats, leia abaixo:

Oganpazan – Como é o seu dia a dia, como é o dia a dia do Anderson Santana?

16 Beats – Falar da nossa caminhada e conspirar é fácil, quero ver vestir nossa carcaça e enfrentar a guerra. Meu dia a dia é sobrevivência, igual a muitos irmãos e irmãs, desde cedo eu nunca tive nada na mão. Se eu não sair para buscar eu nunca vou ter. Ultimamente meu dia a dia tem sido música pura, de vários tipos de vertentes e energias. Mais quando eu estava em Salvador (cidade cárcere) por esses tempos, eu tava me desembolando na poesia. Junto com irmãos que nunca recuaram no fronte de batalha tipo: Fabiana Lima, Mara Mukami, Indemar Nascimento, Jhonny & Rafael Chagas (Parenética), Syco (N’Ativa), Luan Victor e muitos outros irmãos e irmãs, que diariamente tão pagando suas contas, colocando o pão de cada dia em casa honestamente e conscientizando a população através da poesia e informação.

Pra você ter uma ideia, através da poesia consegui pagar uma parte da produção do álbum C.O.L.O.N.I.A. Vivemos diariamente bolando planos, praticando ações diretas, para poder fortalecer e defender nossos irmãos e nosso povo. Meu dia a dia é repleto de saudade dos que se foram, repleto de LUTA & insurgência com sabedoria. Desafiando a tal morte quase sempre, mais sempre por uma causa que faça sentido. Repleto de aprendizados também, aprendo com todos a minha volta, inclusive com os que estão mais próximos.

Oganpazan – Me diz uma coisa, em que ano você estabelece que começou sua carreira no rap?

16 Beats – Rimar a vero mesmo no Rap, eu comecei há 10 anos atrás, quando eu tinha 16 anos de idade. Aquele tipo de música, a estética, o conceito do Hip Hop, sempre me atraiu, sempre fazia e faz meus olhos brilharem. O que me ligou primeira vez ao Rap, foi quando eu tava em casa e meu vizinho (praticamente nascido e criado comigo) da casa ao lado escutava muito Racionais, Facção Central, etc… E o fato de eu ver que aquele tipo de música fala do meu dia a dia e do meu jeito de ser me fez mais ainda ter vontade de conhecer aquela cultura.

ReajaOganpazan – Quando você tomou contato com a Reaja e como isso mudou sua visão de mundo?

16 Beats – A Reaja ou Será Morta, Reaja ou será Morto, é uma organização fundamental que sempre dia após dia vive combatendo o genocídio do nosso povo, é uma luta real sabe? Ação direta. Eu já acompanhava de vista a organização Reaja desde de que eu era um pouco mais novo, cheguei até comparecer na 1• Marcha Contra O Genocídio do Povo Preto. Mais meu contato real mesmo com a organização foi em um evento do Pelourinho, no Culturalmente Ativos (evento organizado pelo Legaliz’Art). Uma das integrantes da Reaja estava conversando com alguns Mcs, nos informando que ia rolar uma reunião com a galera do Rap. Dessa reunião em diante continuei a dar minha contribuição para organização. A Reaja me fez enxergar que estamos em guerra, que existe um método de matança sistemático para nos abater, seja na saúde, na educação ou na bala parceiro… Estamos morrendo de fato. A Reaja reforçou mais ainda a visão que tenho acerca das crianças das nossas quebradas. Nós precisamos cuidar de nossas crianças, precisamos ter trabalho real em nossas comunidades. Isso é lutar pelo povo.

Oganpazan – Como a luta Pan-africanista mudou sua visão dentro do rap?

16 Beats – Eu não me considero um Pan-africanista exemplar, tenho muito que aprender, muito o que fazer, muito o que melhorar. Conheci um pouco do Pan-africanismo na Organização Reaja e não mudou somente a visão que tenho do rap mudou a visão de vida também. Eu e alguns irmãos que são Mcs (tipo Chagas, Jhony, Aganju) costumamos dizer que nós praticamos um pouco do pan-africanismo por natureza.

Porque desde cedo tamo ali aprendendo a respeitar nossos Quilombos (comunidades), tamo sempre no ideal de ser “noiz por noiz”, a cada dia tentando buscar nossa autonomia, desde cedo tamo cantando e trabalhando em defesa de nosso povo. O nosso povo infelizmente é um povo desorganizado seja financeiramente ou mentalmente. Foi nos ensinado desde cedo que o fracasso é nossa bandeira. Nossas comunidades vivem mergulhadas em drogas, sangue e destruição. O Pan-africanismo ressurge nas nossas escritas para ensinar que devemos nos cuidar e cuidar dos nossos e também. Devemos nos organizar e nos fortalecer, fez entender também que a cada dia devemos valorizar e entender a nossa raiz. A nossa ancestralidade.

Somos todos de África, vivemos nesse país cárcere porque nossos ancestrais foram sequestrados e trazidos para cá forçadamente. Não me considero “brasileiro”, me considero um homem Africano. Isso foi um pouco do que o Pan-africanismo conseguiu me fazer entender. E essa reflexão explica nossa conjuntura atual na qual estamos enfraquecidos e iludidos por conta da colonização.

Escute o novo EP do 16 Beats e pegue a visão:

 

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