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Yung Buda encerra trilogia com No coração da Tempestade

Yung Buda encerra sua trilogia de EP’s: No coração da tempestade! Músicas para Drift Vol II (2019), fecha essa primeira fase de sua carreira!

Minha geração foi aquela que viu o começo da invasão das séries e animes japoneses em nossa tv nacional, Jaspion, Jiraya, Lion Man, Chageman. Era foda sair da escola correndo pra ver o episódio de Jiraya e imitar o golpe lateral depois com os parças pela rua, escolhendo qual cor seria a sua entre os Changemans. Passados 25 anos desde lá, é no minimo estranho encarar um artista que cruza carros (Drift), Racionais MCs, Naruto (animes em geral), drogas sintéticas e Trap e levá-lo a sério. É bastante comum adultos crescerem e esquecerem como determinados conteúdos foram importantes para a construção de sua subjetividade e sobretudo, serem capaz de avaliar como isso impacta as novas gerações.

É importante saber antes de tudo, que independente da compreensão do horizonte de referências utilizado por Yung Buda, a música dele é fantástica do mesmo jeito. E por um motivo que a nós pareceu evidente desde a primeira audição já em Músicas pra Drift (2017), o artista paulista é completo dentro do universo Trap/Rap. Possui o total domínio dos meios de produção e desenvolve suas técnicas próprias diretamente de Jundiaí SP, construindo assim um estilo muito singular, tal qual um ninja autodidata!

Produtor de suas batidas, buscando experimentar sempre nas sonoridades, nos timbres, incorporando elementos estranhos ou pouco comuns ao sub gênero Trap. Rimador, ele consegue mesclar imagens poéticas sem nexo causal com criticas sociais e incorporação bastante natural de personagens, ideias, clima e personagens típicos de animes. Mesclando o seu flow de modo a poder rimar palavras em japonês, com uma entonação de acordo com os afetos que quer comunicar, aclimatações líricas de universos distantes de nossa vivência cotidiana que seduzem o ouvinte para o seu universo poético. E mesmo antes de você buscar entender os versos e querer compreender o que diabos quer dizer Jutsu, já terá sido seduzido. E é nesse sentido que o Yung Buda nos parece um artista completo, porque sua música é um golpe/magia indefensável!

Ao longo da descoberta recente dos seus EP’s, a sensação de um para o outro, era de crescimento, na mesma medida em que ouvindo seus EP’s você terá essa sensação de uma música para a outra. Numa primeira observação o deleite é apenas estético, mas a qualidade da lírica, a complexidade da forma através da qual se utiliza as referências aos animes, à sub cultura do drift e à tecnologia de modo geral, vai sendo acumulada pelo ouvinte mais curioso, e levanta questões bastante pertinentes. Cada audição que fazemos, nos leva a perceber que quanto mais se utiliza desse universo enorme e distante de referências, mais isso projeta uma negritude jovem diversa, do que estamos acostumados, uma outra forma de subjetividade que nasce dentro da cultura virtual, não menos combativa e criativa por isso. 

Há dentro da música de Yung Buda e de seus parceiros do dojo Soundfood Gang uma apropriação, aqui no sentido de tornar algo que lhe é externo, próprio, a cultura dos animes e consequentemente aspectos subentendidos e às vezes inconscientes da cultura japonesa. Cultura cinematográfica de extrema beleza e complexidade, que possui em nomes como Hayao Miyazaki talvez seu expoente máximo, os animes se popularizaram imensamente no Brasil e no mundo, a partir do final do século passado. Não vamos entrar aqui numa elipse de super referências a esses animes que compõe uma importante parte das referências de Yung Buda, mas apenas citar uma questão que nos parece relevante dentro de suas construções. O personagem aparentemente bobo de Naruto.

Um pária dentro de sua vila, órfão e portador de uma maldição guardada dentro de si, é paradigmático que esse personagem seja tão bem aceito entre milhões de jovens negros no Brasil. Porque será não é mesmo? A identificação é fácil de ser reconhecida e pode ser aqui vista como uma enorme metáfora para toda uma geração que não se adéqua aos padrões do rap nacional (SoudFood Gang, por exemplo), em suas caminhadas.

Na ausência de diálogo com a velha guarda e com a audiência do rap nacional, necessitando criar suas próprias possibilidades de um novo amanhecer na cena: os caras se transformaram em Akatsukis de vila (como no período do Shogunato japonês). Ninjas contra o poder do “estado”(os velhos samurais que representam a velha ordem) e o embate tem sido ganho por essa nova geração da qual a banca da SoundFood Gang, representa renovação, temática e sonora.

Seu último lançamento, Músicas para Drift Vol. II (2019) encerra com perfeição e eleva o nível dos golpes dados por Yung Buda nesse começo de sua saga pessoal e do seu coletivo. Além dos adolescentes antenados, quem vai levar a sério tanta coisa fora da curva ao mesmo tempo? São carros de drift em um trânsito ordenadamente construído para o trafego comum de formas de expressão que precisam seguir as palavras de ordem que realmente representam a condição de jovens negros periféricos no Brasil. Nesse sentido, Músicas para Drift Part. II (2019) é mais um excelente passo, ou katar, numa luta coletiva e ao mesmo tempo pessoal do Yung Buda, para vencer barreiras artificiais que são constantemente colocadas para novos artistas.

Enquanto diversos guardinhas ou meramente pessoas que fazem da estupidez e da ignorância elementos constitutivos de suas percepções estéticas e culturais relegam essas construções poéticas e sonoras a produções juvenis que comunicam apenas a adolescentes, Yung Buda eleva o nível do rap nacional. Obviamente aqui estamos colocando o Trap como uma subgênero do Rap, e o é, apesar de diversas pessoas envolvidas na cultura hip hop solenemente ignorarem esse fato!

Tão novo como James Dean e sua importância fundadora para  a cultura jovem no ocidente, Músicas Para Drift vol. I (2017) e II (2019) e Halloween O Ano Todo (2018) é a atualização e empretecimento da rebeldia de jovens negros que não estão dentro do espectro político tradicional. Ao invés de autodestruição em pega de carros, correr tipo Top Gear ao som de sua trilha sonora preferida – música pra Drift – construindo uma subjetividade que possui sim seus elementos de contestação da ordem e dos costumes, mas que sobretudo nos leva a pensar como essa atividade é salutar.

A apropriação da tecnologia – coisa comum entre a cultura asiática desterrada – é um entrave para o desenvolvimento de milhões de jovens negros no Brasil e é algo pleno na obra recente do Yung Buda. Desde o domínio da produção que ele desfila com excelência, até a projeção de um horizonte sonoro e lírico que só para literalmente do outro lado do mundo. São mudanças, são jogos entre o real e o virtual, metáforas de luta e vitória, assim como um paradoxo interessante entre uma forma de rap mais lento e a velocidade de carros envenenados. 

De The Doors até Kraftwerk passando por Racionais Mc’s, sonoramente e liricamente falando, mas sobretudo num “mix” entre Motorola, Nintendo e carros de drift é possível perceber como tudo isso é o jutsu irresistível do artista e de sua música. Um estilo novo, uma nova forma de emissão e de aclimatação do trap/drill dentro da cena brasileira, pegando um universo de referências desterritorializado e atualizando isso com uma propriedade que somente grandes artistas conseguem fazer.

Os beats que Yung Buda cria e preenche com suas linhas – muitas delas de rara beleza e força – são elementos a serem estudados no futuro. Algo que ele compõe entre linhas de trafego e linhas de golpes misteriosos. Da mesma forma que esse momento do rap/trap nacional vai ser reconhecido como um momento importantíssimo para o desenvolvimento dessa música no futuro. Recentemente o excelente canal do youtube Quadro em Branco produziu uma análise inovadora e única sobre a obra do god Raffa Moreira e penso que certamente o Yung Buda vai receber algo parecido no futuro.

Seu terceiro EP reafirma com uma precisão que só uma verdadeira lâmina japonesa é capaz, o quanto esse novo artista tem criado novas formas para a música, nesses cruzamentos que ressaltamos acima. Esperamos que seu amadurecimento artistico evite no futuro mencionar mulheres sempre como vadias, putas ou coisas do gênero. Yung Buda que voa num Subaro pelas curvas de um autobahn brasileiro atropelando farsas como Matuê, certamente vai entender que essa forma de se referir a mulheres é coisa de juvenil que ainda não aprendeu o verdadeiro jutsu que elas precisam ouvir: Menina vou chupar seu grelo!

– Yung Buda No coração da Tempestade

Por Danilo Cruz

https://www.youtube.com/watch?v=_mhmZZzOB6o

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