O jovem rapper baiano Yan Cloud lança o seu segundo disco Pinkboy (2020), uma das melhors coisas que escutamos esse ano no rap nacional!
Há uma renovação em curso na música baiana, fruto de um diálogo rico em possibilidades para enriquecer as expressões periféricas e pretas de nossa música. O cenário do rap baiano, talvez hoje seja o que organicamente melhor dialoga com a perspectiva de encarnar uma musicalidade própria e que sem perder o caráter combativo da cultura hip hop, também rega uma vai mais pop. A aproximação com sonoridades globais da diáspora africana e o diálogo com as células rítmicas do pagodão, tem sido responsável por dar a luz trabalhos que realmente renovam a estética musical do rap nacional!
É esse o caso do último disco do MC baiano Yan Cloud, Pinkboy (2020) que ao longo de suas 7 fixas renova suas produções e aponta para as ricas possibilidades que os diálogos acima mencionados possuem. O jovem artista lança o seu segundo disco após 4 anos da sua estréia em bolachas, com o bom Alívio (2016), onde já percebíamos a qualidade de suas rimas. A breve comparação entre o seu disco de estréia e esse novo trabalho comprova o que estamos chamando aqui de uma estética renovada.
Ao longo dos últimos 4 anos, Yan Cloud trabalhou e pesquisou de modo a alcançar o resultado que agora podemos conferir em “Pinkboy”, uma estética madura, dançante, sensível, colorida e ainda assim combativa. O leque de cores sonoras que Yan Cloud apresenta em seu novo trabalho é fruto de sua aproximação aos produtores Faustino Beats e Zamba, seus companheiros no coletivo Bonke Music. Se em seu disco de estréia, o MC demonstrava facilidade em rimar em beats boombap em sua maioria e já se aproximava do trap na faixa Mó Onda (feat MC Zidane), agora ele vai além.
Muito além de linhas bem construídas, Pinkboy mostra uma entrega completa, de lírica, flow e entonações muito próprias. O disco já abre com uma pedrada que concorre a passos largos para ser uma das melhores músicas do ano: “Bafana”. A faixa que conta com uma produção absurda do Faustino Beats, recebeu um audiovisual de tirar o folêgo com direção da dupla Mariana Ayumi e Bruno Zambelli. Mas não podemos parar por aqui. A equipe inteira dessa peça audiovisual é um cast de primeiríssimo nível, com Lucas Raion como diretor de fotografia, Ramires AX como assistente de direção, ele que tem feito excelentes trabalhos com a Enquadro filmes.
Com a produção assinada pela Muviu, o clipe é realmente algo impactante e que merece toda a exaltação possível. A dupla de dançarinos: Brisa Òkun e Ícaro Sanches encarnam em seus corpos o apelo Zulu do título da música, transpirando jovialidade e beleza em seus movimentos, eternizados pelas câmeras e ricamente adornados pelo excelente figurino da Joana, da Mariana Ayumi e pelo estilista Rey Vilas Boas. Já nesta introdução podemos ver em cores fortes como Pinkboy (2020) se coloca como um dos trabalhos mais elaborados do ano, recebendo toda um approach visual, imagético e sonoro esplendoroso.
Como bom filho da Roma Negra, Yan Cloud exala um negritude informada, inventiva e crítica, porém sem abrir mão da sensibilidade, sem gourmetização e sem afinar nas dívidas. Em “Bafana”, Yan Cloud se coloca politicamente com um discurso forte como os subs da faixa, explanando uma autoestima que o faz transbordar esteticamente uma juventude negra cheia de potencialidade. Transbordamento esse, que será muito bem dosado nas faixas seguintes.
Em “Rala”, produção da dupla Zamba e Faustino Beats. é aquele momento de meter dança sem miséria, de preferência com o preto ou com a preta. A faixa é um dos excelentes exemplos daquele diálogo com outras sonoridades ao qual chamávamos atenção acima, chegando com um ragga pesado. Além de rimar, no trap e no ragga, Yan Cloud também ataca com o canto em “Garota de Salvador”, com um groovezinho safado e chiclete, todo dengoso, como um xêro bem dado no cangote. A música ainda nos apresenta a bonita voz da Nara Couto.
Rompendo estereótipos, o bafana baiano apresenta nos apresenta uma paleta de cores que de algum modo parte do rosa e faz com que Pinkboy (2020) seja um protótipo de artista negro que é capaz de ser negro inventivo, crítico e sensível ao mesmo tempo. Com muito “Talento” isso vai ficando cada vez mais escuro, aqui com o ISSA, um outro artista que merece muita atenção e que lançou um disco esse ano. Contra a apropriação cultural, a faixa “Talento” fala-nos também da luta de ser um artista independente e das falsas rivalidades dentro de uma cena.
O disco encontra a sua finitude com a música “Não Toca no Meu Cabelo” e é através de um aspecto fundamental da estética humana, que podemos visualizar melhor o quado completo que é apresentado em Pinkboy. A defesa, a exaltação da beleza negra, o autocuidado são peças importantes da letra, que ainda conta com a participação do rapper saiboT. O black alto e quadrado exibido por Yan Cloud há vários anos, demanda cuidado e da mesma forma que ele cuida de sua estética pessoal, o jovem artista conseguiu ao longo dos últimos anos, esculpir uma voz própria.
Por fim, é interessante notar que se por um lado a faixa final pode ser considerada uma continuidade do clássico “Cabelo da Desgraça” do RBF (Rapaziada da Baixa Fria), é também esteticamente uma renovação do rap baiano e nacional. Yan Cloud, sua banca Bonke Music, os artistas envolvidos na produção desse disco são o futuro da música baiana que não para de avançar. Aqui demonstrando a riqueza que os diálogos com o ragga, com o pagodão, misturando isso ao Trap faz com que Pinkboy (2020) seja um dos grandes discos do ano do rap nacional, e mais um exemplar da força do hip-hop baiano!
-Yan Cloud e a impactante estética de PinkBoy (2020)
Por Danilo Cruz