Terceiro disco da banda americana Windhand , traz um doom carregado de riffs pesados, transbordando uma melancolia esperançosa
É certo que em algum momento desse buraco imenso (e, aparentemente, sem fim) que o Brasil se encontra, minha vontade de escrever experimentalmente sumiu. Demorei pra assumir pra mim mesma que o que eu chamava de “estar ocupada demais pra isso” era uma total falta de inspiração e, porque não, de vontade também.
Tenho certeza que muita gente se encontra nessa mesma situação com suas respectivas experiências e conexões. Motivo é o que não falta.
Mas, como não quero me estender em história triste, vou direto ao ponto: reacendi o fogo criativo voltando a ouvir e pesquisar diariamente sobre um gênero musical que me contempla até o último fio do meu cabelo bagunçado: o doom metal.
E com isso, estreio, finalmente, minha coluna aqui no Oganpazan, na qual vou me jogar na escrita sobre stoner/doom/sludge. Eu já me dedicava bastante aqui em outras áreas do site (dá trabalho manter isso aqui, gente) e agora vou voltar a fazer o que mais gosto.
Em 2016, o YouTube me recomendou um álbum que me abriu um mar de possibilidades de viagens musicais: o Grief’s Infernal Flower (2015), da Windhand. Até hoje eu me lembro do que eu senti quando ouvi Tansgrinnir pela primeira vez e, naquela época, ficou muito claro que era exatamente o tipo de sensação que eu poderia passar a vida buscando.
A voz hipnótica e assombrada de Dorthia Cottrell, vocalista da banda, transforma a melodia num ritual particular para quem a ouve. Os riffs lindamente arrastados nos levam para uma viagem floresta adentro, visitando uns cantinhos de nós mesmos que costumam ficar escondidos no dia a dia, mas que nem por isso deixam de estar vivos. Muito vivos, por sinal.
As duas primeiras canções de Grief’s Infernal Flower , “Two Urns” e “Forest Clouds” já abrem o disco confirmando que ele é uma viagem para o submundo do doom. Ambas as músicas são muito mais do que uma série de riffs interconectados. São um tipo de manual (muito bem feito) para uma viagem psicológica. Os vocais multifacetados e harmonizados de Cotrell lhe dão misticismo de sobra para conduzir a viagem. É só confiar…
Windhand, nesse álbum, em especial, permite alguns momentos de espaço e serenidade entre seus picos mais sinistros e estrondosos do metal e, para mim, essa é a parte que os torna tão interessantes.
A introdução silenciosa de “Crypt Key” sugere que ela poderia acontecer de qualquer maneira, dando espaço para que a gente trilhe o caminho dentro dessa floresta e a espera se materializa num swing ácido que conforta e acolhe o sombrio em nós, como se você realmente tivesse dormido um sono profundo.
Uma imensidão de coisas também se passam em “Hesperus” e “Kingfisher”, duas músicas que juntas atingem os 30 minutos de duração (pensem num emoji babando aqui) e o riff da primeira se destaca tanto que dá para chorar por mais, do tipo de memorizar o minuto em que ele começa pra voltar outras mil vezes seguidas.
“Hesperus” se move lentamente, te puxando para baixo em um vórtice proibitivo de efeitos e um fuzz corrosivo. Já “Kingfisher” (uma das minhas preferidas da banda) é mais triunfante em sua marcha negra e também um dos maiores refrões de todo o álbum. As camadas da própria voz de Dorthia Cottrell já fazem isso sem esforço, carregando de emoção e beleza uma das canções mais bestiais que já escreveram (amo, afff).
Tudo isto é envolvido numa viagem bem doida de outra dimensão que, apesar de também constituir a estética da banda, no caso da Windhand é feito de forma que confere uma identidade.
Nada nesse álbum é feito pra ser rápido. Não é assim que Windhand faz as coisas. A música é extraída deles como se convocada por um ritual oculto, com riffs sendo repetidos e enfatizados como um canto sagrado e sendo usados como guias para uma viagem interior muito bem conduzida.
Claro que, como eu não tinha muitas referências na época, pensei que poderia estar emocionada com pouco, embora seja uma enorme idiotice tentar medir isso. Entretanto, 5 anos depois, aqui estou, repensando mais uma vez sobre a atmosfera espaçosa e a melancolia esperançosa do álbum. Tudo se funde em uma experiência visceral que implora para ser vivida, compartilhada, refletida, meditada e possuída.
Saboreie esses sons e logo eles se tornarão uma fonte de conforto e estabilidade – constantes como o sabor da música em si. Um álbum como esse acolhe o que a gente rejeita em nós mesmos por costume e muitas vezes, sem contestar. Contempla o sombrio. E é maravilhoso experimentar essa observação. Grief’s Infernal Flowers me caiu como se apagasse o que eu sentia e conhecia e dissesse: pode confiar, vou te guiar pelo outro lado dos sentidos; o selvagem, o desconhecido, suas sombras.
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-Windhand e a melancolia esperançosa de Grief’s Infernal Flowers(2015)
Por Gabriela Santos