WestBordo – Mixtape Montanha Russa (2018) é uma excelente amostra de que Roraima chega na cena com muita qualidade, numa produção alto nível
WestBordo é um grupo de rap da cidade de Boa Vista, capital do estado de Roraima que lançou na última sexta feira 20/04, sua mixtape: Montanha Russa (2018). Formado inicialmente pelos mc’s Vitalli e Garret, encontraram no Mordock o terceiro integrante que fechou o projeto do grupo. Iniciado como grupo fruto das batalhas de rimas de sua cidade em 2016, chegam agora dois anos depois com uma mixtape de gente grande.
Em tempos onde se debate visibilidade, é lá no norte do país, região de talentos inegáveis e que já começam a ser enxergados pelo resto do país, como: Victor Xamã, Qua$imorto, Luiz Caqui, onde possuímos o local menos explorado da cena do rap nacional. A rapaziada que sempre se fez de desentendida, e que hoje se “surpreende” com a qualidade do que é produzido no Nordeste, deveria se esforçar um pouco mais. E buscar um esforço maior, para receber outras surpresas, dando uma verificada naquele outro continente dentro do nosso mapa territorial.
E saindo do estado do Amazonas dos artistas acima supracitados, é em Roraima que realmente encontrarão os manos do WestBordo, fazendo um disco que não deve nada a muitas produções do eixo hiper hypado. Montanha Russa (2018) traz 10 faixas muito bem produzidas pelo Vitalli, que além de mc é também um bom e original beatmaker.
No contexto de uma mixtape, o disco apresenta dez diferentes visões sobre as experiências na vida de 3 jovens que correm pela vitoria no mercado da música independente. E dessas experiências podemos rapidamente denotar os altos e baixos que atravessam a vida e são transformadas em ritmo e poesia com muita persistência e qualidade lírica, tudo embrulhado em ritmos que coadunam com a mensagem e as elevam.
“Poetas escritos por poesias, vivendo entre linhas”; Esse verso presente na faixa de número 9 “Entre Linhas” da mixtape, é talvez uma excelente mostra de qual o nível da lirica desses três manos de RR. Ao longo de todo o disco, que passa rápido mas fica gravado a fogo na mente depois de escutado com atenção, o que presenciamos é três moleques novos expondo com muita força poética suas inquietações.
Desde de sempre função do rap, a manifestação de dores diversas e alegrias múltiplas é também aqui um traço fulgurante presente no trabalho do WestBordo. Seja na love song “Segundas Intenções” com participação do mano Doggy do grupo parceiro dos caras, M-nênCia, onde os caras versam sobre o amor, o sexo e o crescimento mutuo que os relacionamentos bem administrados proporcionam. Num dos beats mais classudos presentes na mixtape e como todos os outros autoria do Vitalli.
Ou nas visões poéticas loucamente lúcidas como as que estão presentes na faixa “Neuropsicotático“, quase um manifesto daquilo que os caras acreditam quando se trata de rap e ao mesmo tempo quais suas ambições dentro do game. Ou ainda, como na faixa de abertura que já traz no título um excelente trocadilho: “Rexpeita“, que brinca – não sabemos se voluntariamente – com o respeito e com a possibilidade de na falta do mesmo, os Rex peitar. Onde os manos tratam do desenvolvimento artístico dos mesmos e como precisaram alcançar o respeito na marra.
Os três mc’s conseguem se complementar e ao mesmo tempo produzir visões diferentes um dos outros, o que traz uma diversidade não apenas de flows e punchlines, mas de tonalidades diversas sobre o mesmo tema. Na faixa que traz em si mesma o sentido da mixtape, “Montanha Russa” vemos uma excelente afirmação dos valores que norteiam o modo de existir desses manos.
Valores que estão presentes na música dos caras, através de punchlines e metáforas muito boas, mostrando em chave trap, que esses manos não estão de brincadeira. Tecnicamente muito afiados, mas sobretudo portando um discurso muito coerente, contra a ostentação vazia, o racismo, e uma criticidade em quaisquer outros temas que abordem.
Prova disso, e são 10 as provas, é a faixa “Narco“, onde a diversão traz verdade, em ritmo de “gastação”, sobre um beat bem original, os caras conseguem convencer bem sobre suas propostas. Com alguns braggadocios bem construídos, atualizam com muita qualidade, que eles entenderam que a principal função do rap é ainda e sempre o tráfico de informações.
Nas noites de “lama” os manos também representam conscientemente os limites para o bem viver, sem moralismos e ao mesmo tempo “bagançando” no trap. A faixa “Sem Estresse” é uma música sobre as noites em que o tremzinho da montanha russa esta por cima, na curtição, mas é bom notar como os mc’s fogem das visões de apologia pura e simples da babilônia. Entrando com classe num tema que hoje é muito batido, e que muitas vezes é tomado irresponsavelmente por muitos rappers Brasil a fora.
Os caras são jovens com Garret 19, Vitalli 19 e os impressionantes 15 anos do mc Mordock, o que não os impede de passarem visões muito bem acabadas sobre temas que muitos marmanjos se passam. Em “Ruínas” os caras conseguem refletir poeticamente com muita coerência sobre as crises que tomam a nós todos muitas vezes, e como o rap deles é a força para seguir em frente.
Montanha Russa (2018) é uma excelente amostra do que pode e do que tem sido feito de melhor no norte do país. Uma surpresa para quem realmente quer sair da ditadura do hype, e produzir uma visão realmente inclusiva do rap brasileiro. Tecnicamente, liricamente e ritmicamente bem construída, uma produção de alto nível, a mixtape pode ser baixada aqui. Na faixa inicial, um interlúdio, os caras refletem sua caminhada no rap até aqui e chegam a conclusão de não fazem rap porque amam, mas que nasceram pra fazer rap. A tomar essa mixtape como signo dessa missão de nascença, os caras foram bem criados, resta agora continuar a produzir.
Escute com atenção:
Ps: Os caras se apresentam amanhã em sua cidade no festival Grito Rock e para quem está nas áreas vale a pena ver todas essa faixas ao vivo, fica a dica!
https://www.youtube.com/watch?v=SNloM5HQ30A&list=PLWrru274dodwRsr27sRxO5-h0y9-sVhI5&index=9