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Na Era Da Informação, Massificando A Burrice!

A era da informação proporciona-nos informações sobre qualquer área do conhecimento. Mas ao que tudo indica seguimos massificando a estupidez

Vivemos a era da informação com tudo que temos direito. Há muitos tablets e smartphones disponíveis no mercado. No Brasil, a maioria das pessoas acessa a internet pelo celular. Baixamos milhares de músicas, filmes e livros. É possível montar uma biblioteca de responsa apenas clicando botões ou tocando na tela. Nunca foi tão fácil acessar todo tipo de conteúdo com a máxima agilidade e pleno conforto. As informações estão circulando por todos os lugares, e se um dia o conhecimento acumulado pela humanidade foi restrito a pequenos grupos privilegiados, hoje não é mais.

Qualquer criança sabe fazer uma busca no Google ou assistir um vídeo no Youtube. O processo de baixar pacotes de informação da nuvem virtual para a memória dos dispositivos pessoais é uma prática que foi rapidamente assimilada em nosso cotidiano. A todo tempo queremos mais e mais dados a respeito das inumeráveis temáticas existentes. O hipertexto da internet parece se adequar ao ritmo acelerado e dinâmico da vida contemporânea. Não nos concentramos em mais nada por muito tempo. Queremos o movimento incessante de luzes e imagens, sons e estímulos. Queremos nos manter informados.

Mas, parece que esse acesso irrestrito e amplo aos conteúdos informativos não determinou uma elevação no nível de consciência das pessoas. A intolerância e o preconceito – frutos da ignorância, ou seja, do desconhecimento a respeito do fenômeno da diversidade da manifestação humana – ainda são uma triste realidade. Os discursos de ódio e radicalização parecem ter sido amplificados com o advento das redes sociais e a massificação das idéias, e a conseqüente redução da complexidade da realidade a visões esquemáticas e maniqueístas da vida parecem ter se tornado um padrão recorrente no mundo virtual. Embora uma ampla gama de discursos com abordagens distintas sejam encontrados na internet, a redundância é sempre um elemento presente.

 

Quando a informação trafegava em lombo de mulas

Nos anos 90 parecíamos ter chegado ao futuro. As TVs a cabo eram a grande fonte de entretenimento e informação. O mercado editorial parecia ir muito bem, havia elevada publicação de livros e periódicos, enquanto as grandes livrarias estavam se estabelecendo com todo seu aparato atrativo. A MTV transmitia o que havia de mais recente em termos de lançamentos musicais nos mais diversos seguimentos. A tecnologia digital prometia mais agilidade e qualidade no tráfego e armazenamento da informação. A internet nascia prometendo tudo isso que podemos vislumbrar hoje. Mas, ainda caminhávamos como hominídeos sobre as savanas africanas em termos de acesso ao acervo informativo que possuímos hoje.

No final do ano de 1990, a antológica banda de trash metal, Slayer, lançou seu quinto álbum de estúdio, Seasons in the Abyss. Na época não havia internet, que viria a existir somente 5 anos mais tarde. Nós, da America pobre, tivemos que esperar meses, talvez um ano, para acessar o conteúdo completo do disco. O vídeo-clipe com a música carro-chefe, Seasons in the Abyss, já circulava em fitas de vídeo-cassete piratas, instigando ainda mais nossa curiosidade. Aqueles que possuíam poder aquisitivo mais elevado e podiam importar discos eram os primeiros a ter acesso ao material. Os menos abastados esperavam o momento certo para ouvirem o disco na casa de alguém. Se tivessem muita sorte, poderiam conseguir gravá-lo em fita cassete.

Era assim que funcionava naquele período. Para aqueles que gostavam de música havia poucas publicações disponíveis sobre o assunto. Alguns periódicos chegaram a fazer muito sucesso e se tornaram importantes fontes de informação, como são hoje as páginas especializadas na internet. As publicações Bizz e a Rock Brigade (embora com perspectivas bem diferentes) são exemplos de revistas ligadas ao assunto que fizeram muito sucesso durante os anos noventa. Através delas que o público da época tinha acesso às novidades do meio musical. Na maioria das vezes, a molecada conhecia – através das revistas de banca de jornal – as imagens de um disco, lia as resenhas sobre ele e reportagens sobre sua produção, muito antes do acesso ao material fonográfico em si, o que deixava todo mundo extremamente ansioso. Isso permitia a existência de uma hierarquia de poder que ostentava em seu topo o grupo daqueles que tinham acesso de antemão a este tipo de material, geralmente aqueles garotos com maior poder aquisitivo, que podiam viajar para fora do país ou encomendar os produtos estrangeiros, e na base, a garotada sem grana, que no máximo tinha condições de comprar fitas cassetes virgens para poder gravar o material que eventualmente tivessem acesso. Eu pertencia a este segundo grupo.

Era muito comum, após o lançamento de um disco, alguém mais abastado da turma aparecer com a relíquia. Lembro quando o disco Heartwork (1993), do Carcass, foi lançado no mercado. Havia um amigo, filho de um militar de alta patente da Força Aérea, que estudava conosco e sempre era o primeiro a possuir em sua discoteca as novidades do momento. Estávamos em pleno fervor do trash e do death metal, enquanto o grunge – que execrávamos por acreditarmos ser uma modinha adolescente – entrava em ascensão. As grandes bandas da época eram Metallica (em seu ápice criativo), Sepultura, Antrax, Pantera, Obituary, Atheyst, Venon, Napalm Death, entre outras com vocais guturais e atmosfera sombria e pesada. Pois bem, nosso amigo abastado havia chegado à roda dos camaradas empunhado o esperado disco de grindcore do Carcass. Todos estavam ansiosos para apenas poder ver e tocar no tal disco. Sabíamos que nosso amigo havia encomendado aquele tesouro há algum tempo, e esperávamos todos muito ansiosos por aquele momento.

Com ar de superioridade, como um líder espiritual que acabara de receber uma mensagem dos deuses, elevou ao topo da cabeça o disco Heartwork, como Moisés elevou aos céus os dez mandamentos, para que todos pudessem ver. Então, Proferiu as seguintes palavras: “Aqui há sangue, pus e dor. Há escuridão e falta de esperança. Há corpos putrefatos e cheiro de morte. Este é o Heartwork do Carcass!”. Aquela capa do disco, com fundo sombrio em cor cobre, contendo um símbolo da paz hippie feito de aço na parte central, perpassado por uma espinha dorsal humana com uma mão em cada uma de suas pontas, era sinistra e psicodélica ao mesmo tempo. O sentimento maior era o de curiosidade e atração magnética por aquilo. Todos queriam tocar no álbum, perscrutá-lo, se apropriar dele. Mas, nosso amigo sortudo nos alertou em tom irônico: “Eu apenas trouxe a capa do disco. O disco mesmo eu deixei em casa. Podem ver, mas com muito cuidado. Qualquer dia eu levo vocês em minha casa para ouvirem essa relíquia”. Aquilo foi decepcionante e frustrante, embora a oportunidade de ter a capa do disco nas mãos, por alguns segundos, já era uma grande emoção. O simples fato de poder ler os créditos do disco e anotar algumas informações já eram o suficiente para nos trazer uma luz da alegria.

Refletindo sobre o (não) acesso à informação e suas consequências

Havia um sentimento de inferioridade que atingia todos aqueles que não possuíam condições de acessar a informação como outros mais favorecidos podiam. Portanto, quem detinha este poder de comprar discos importados ou acessar o material de antemão era considerado um herói. Estes “heróis”, por sua vez, utilizavam deste poder em seu benefício, explorando a boa vontade daqueles que os acompanhavam em busca de alguma migalha de bens culturais. Posso dizer que muitas vezes me senti discriminado por não possuir um grande acervo de discos ou não ser um sujeito a proporcionar novidades físicas e materiais de produtos culturais, embora eu sempre tenha estudado muito sobre o universo musical e seja um cara bem informado sobre o assunto.  Mas, figuras como eu, que andavam com a mochila cheia de fitas cassete gravadas não possuíam o destaque que os sujeitos com seus lindos e maravilhosos LPs possuíam. Naquela época a informação valia ouro, e quem a detinha era considerado figura de importância. Acessar esses bens culturais representava conquistar algo muito significativo, resultado de muito esforço. Todas as riquezas conquistadas eram conservadas com muita paixão, amor e orgulho.

Se hoje alguém cita um disco, por exemplo, é muito fácil conferir a informação. Basta acessar a internet e digitar o nome do autor e obra na busca. Pronto! Em poucos segundos é possível acessar aquilo que se procura. Lembro que quando alguém citava um disco que nos interessava, primeiro tínhamos que descobrir quem possuía o material, depois, pensar em uma estratégia para acessar o conteúdo. Se fosse um amigo mais próximo, as coisas seriam mais fáceis, se fosse alguém pouco conhecido era necessário negociar com muita calma. Os casos mais raros eram o de empréstimo de discos. Quem possuía os vinis dificilmente os disponibilizava a terceiros. Os casos mais comuns eram aqueles em que o dono do disco se dispunha a gravar o LP em uma fita cassete (que havia sido comprada em coletividade) e depois disponibilizava para que os demais fizessem cópias. A briga era pra ver quem levaria primeiro aquela fita cassete pra casa e quem ficaria com ela definitivamente ao final de sua circulação entre o grupo. Algumas vezes a fita jamais retornava ao grupo e a ansiedade transformava-se em frustração.

Aqui no Brasil, os compact discs alteraram nossa forma de acessar os conteúdos musicais. Inicialmente, os CDs eram muito caros devido à novidade da tecnologia. Mas, rapidamente se tornaram produtos de fácil acesso e em qualquer loja de departamentos era possível encontrar uma gama considerável de títulos e artistas. Os lançamentos internacionais chegavam rapidamente às prateleiras brasileiras e não demorou muito tempo para este tipo de material tornar-se algo corriqueiro, comum. O império do vinil estava ameaçado. Não só ocorreu uma mudança de suporte, do vinil para o CD, mas também na capacidade de produção e velocidade de distribuição desta informação. Ou seja, todas as novidades musicais estavam disponíveis em larga escala de maneira facilitada e de forma relativamente barata.

Os anos 90 caminhavam para a segunda metade da década. A internet sinalizava mais mudanças e novos tempos. Com a popularização dos CDs, a ampliação dos lançamentos e relançamentos de antigos títulos, o monopólio da informação por pequenos reinados estava com os dias contados. Os fidalgos da informação, como aquele colega citado acima (dono do disco Heartwork), perderam lentamente seu poderio, da mesma maneira que o brilho da sedução pela informação estava se ofuscando. Com tantos dados disponíveis e seu fácil acesso, a graça parece que havia se perdido. Na verdade, quanto mais acesso a informação se tinha, menos valor se dava a ela.

Se no passado a dificuldade de acesso à informação, no caso musical, permitia a existência de uma hierarquia de poder que ia do sujeito que possuía acesso direto as fontes primárias até aquele que recebia a informação requentada, nos tempos digitais e virtuais essa relação é impossível, pois não existe mais o “atravessador” entre a fonte e o interessado. E um dado interessante, que qualquer pessoa pode intuir, é que, na mesma proporção que o acesso a informação se tornou facilitado, a informação em si foi perdendo a relevância. Nessa enxurrada de informações nada tem tanta significância, nada é perene, nada se fixa e nada se estabelece.

 

A massificação da burrice como característica da era da informação.

O conhecimento é caracterizado pela sistematização, organização e articulação entre as informações adquiridas. Informação não é conhecimento, mas sim o que se constrói a partir dela. Portanto, quando éramos adolescentes, lá nos anos 90, e com muita dificuldade conseguíamos acessar, lentamente e por etapas, as informações que nos interessavam, de certa forma – por termos tempo de decantar aquelas informações na cabeça, por termos nos esforçado demais para atingirmos tal objetivo, e por irmos juntando as peças como num quebra-cabeça (parte por parte) – estávamos, de fato, construindo conhecimento. Tínhamos tempo para depurar as informações e criarmos sistemas de relações entre elas. Quando reuníamos um conjunto de dados sobre determinada banda, de modo que era possível compreender melhor o significado de sua obra, então nos sentíamos vitoriosos. Sentíamos que detínhamos algum conhecimento importante. Isso era poder!

Hoje, há um mar de informações disponível na rede mundial de computadores. Muitas vezes, antes mesmo de uma banda lançar seu novo disco ele é pirateado e disponibilizado na internet. Tudo que precisamos está á um toque dos dedos. Não é necessário esperar nada, depender de alguém ou possuir muito dinheiro. Basta uma busca no Google e pronto, encontra-se aquilo de que se precisa. Há muitas imagens, áudios e textos sobre todas as bandas e artistas possíveis e imagináveis. Pode-se importar facilmente qualquer tipo de material musical, com preços acessíveis, via internet. As notícias são publicadas imediatamente, e em horas uma informação já pode ser considerada como desatualizada.

Nesta profusão infindável de dados, viajando a velocidade da luz, por todo o mundo, as pessoas são bombardeadas com excesso de informação que não são capazes de processar em suas mentes. Como tudo é muito rápido e fluído não há mais tempo para a decantação dos dados e depuração das idéias. A cada momento somos levados a focarmos em algo para logo em seguida sermos arrebatados a outro contexto. Não nos fixamos em nada. Há uma saturação de informação que causa muita confusão e prejuízo. Como a informação virou artigo barato, de fácil acesso, ela perdeu sua importância. E o conhecimento foi relegado a um plano inferior. Está na moda atualmente desprezar o conhecimento e utilizar a informação como papel higiênico. Uma sociedade que valoriza a ausência do conhecimento e cultiva a massificação da burrice. É uma pena.

Por André De Castro Pereira

 

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