Convidamos alguns pensadores da cultura hip hop e artistas para dar suas impressões sobre Visão (2020) do MC Matéria Prima!
Escrever, pensar sobre música implica necessariamente uma reflexão sobre como fazer para que o público tenha mais acesso a olhares e obras diferentes do que as que lhes são comuns. Produzir uma rede real de comunicação e de troca de impressões sobre trabalhos que não passam pelo muro dos algoritmos e que não possuem o capital necessário para demolir esse muro. Esse sempre foi e continua sendo o trabalho do Oganpazan, fugir do óbvio. Apesar de estar diante da óbvia qualidade e relevância de um dos artistas mais importantes da história do rap nacional.
Convidamos alguns artistas e pensadores da cultura negra de Salvador e um intruso paulista para que ouvissem o disco Visão (2020) do MC mineiro Matéria Prima, visando dar a conhecer um dos grandes nomes da cultura hip hop nacional. Ao mesmo tempo, criando comunicação e produzindo uma rede de onde suscitamos impressões autênticas, as mais variadas sobre o trabalho. Em tempos onde o volume de informações nos atropela, buscamos também apresentar a obra e encontrar aliados para pensar o trabalho dessa que é uma das figuras mais relevantes do hip hop nacional.
Interessante se debruçar sobre a obra de um músico maduro, sem ter acompanhado o processo anterior desse amadurecimento. Foi a missão de escutar “Visão’, o novo disco do Rapper mineiro Matéria Prima, que vai sendo lançado nas ruas essa semana.
Confesso que a missão foi agradável. Confesso que gostei muito da sonoridade. E justamente porque é um disco maduro, com sonoridade madura e letras de adulto em crise, sem crise, no meio da crise da nova era, “me dá meu copo que já era…”
Fiquei muito tentado a viajar no flashback do som do irmão nos discos antigos…pra saber se vinham com essa abertura reflexiva mode “Nova Jerusalém” que inicia o disco, e me parece lembrar uma reflexão, respiração entre um e outro cansaço… pra saber se o irmão já ousava nas sonoridades melancólicas jazzeando agonias de Coltrane com cellos sufocantes, e o baixo marcado tomando conta de faixas como Celavi (a linha de baixo da faixa ‘4 tons’ é…puta que pariu!!!) , e que chegam ao abuso sonoro da bollywoodiana Que Tipo de Preto.
Acho que vou fazer isso. Escutar o disco Visão até saturar…depois voltar em ordem decrescente através dos discos até o primeiro…
As participações são muito boas, destaco Nabru na faixa Vivência, o flow que mais me agradou em uma faixa que é também um exemplo do momento reflexivo do Rapper, auto-reflexivo do Rap, com um dedilhado insuportável e um sax abafado criando a cama ideal .
O disco traz reflexões dos momentos atuais do mundo virtual e dos choques de egos em busca de hype a todo custo…traz as inquietações indissociáveis do homem preto transitando no urbano, e interessante, o que me chamou a atenção como falta, foi a falta de Belo Horizonte, em um disco cujas letras são fundamentalmente urbanas.
Bom pacaraio o disco, vou voltar. Re-ouvir. Ouvir de novo. E depois buscar os discos anteriores pra descobri de onde é que esse veio!!!! Rap maduro de alto nível. Como um copo de vinho tinto nas mãos desse jovem senhor… Visão!
Ao flertar com a “mensagem” recebida por Matéria Prima, percebi a importância de seguir em paz e com muita “Satisfação”, especialmente nesse momento trágico que atravessamos; por enquanto, não sobrevivemos apenas à Covid-19, “a gente gosta de pressão alta” e a “torre de marfim” ainda não conseguiu nos extinguir por completo, embora seu projeto histórico siga forte. nós também, fortões, sem espaço para protagonismos estigmatizados, tristes, “cansei desse papel”. gosto da leveza desse trabalho, sem marra, sem arroubo de herói; “Celavi” é um primor, possibilidades múltiplas de fruição, riqueza. Escutei o novo do Matéria e sigo em paz… com a espada de Oxaguiã desembainhada às mãos.
Matéria só confirma as possibilidades de um underground sincero e positivo, para além de votos de pobreza, ele Prima por uma escrita refinada e rica, ao mesmo tempo fácil de assimilar. Para um Tiuzão como eu, que sente dificuldades em decifrar os códigos da nova geração e foge da conversa chata de Boombap vs Trap, ou se “quem veio primeiro foi a pérola ou a ostra” fico feliz de ouvir o Matéria Prima passeando tranquilamente sobre batidas inusitadas como a de House, ritmo que assim como Rock, é preto, mesmo com os branquelos impondo suas presenças massivamente nas mídias. Eu vou ser real para você que tá me lendo, vai ouvir o disco, porque este é um daqueles que depois de anos você ainda descobre coisas novas, e eu preciso sim mais tempo pra me arriscar a falar dele por completo, no momento fico agradecido. Obrigado Matéria pela obra Prima!
Eu acompanho o Matéria Prima desde o Quinto Andar, e depois que o grupo acabou na época do início da internet que a gente só escutava as músicas por compartilhamento pois não existiam os streamings, eu escutei muito o Quinto Andar e depois não consegui mais escutar o que ele estava fazendo. E quando comecei a ter acesso aos trampos solos dele, eu passei a escutar muito. E é aquilo mano, Matéria Prima faz parte daquele grupo de MC’s que tem uma identidade muito forte na escita e muita coerência nas ideias, o tempo passa e é tipo vinho, ele só vai melhorando. Esse disco novo me agradou bastante, uma das músicas que mais me chamaram atenção numa primeira escuta foi “Sintoma”, pois trata com muita coerência a situação atual do preto no Brasil. Eu fiquei muito surpreso com os beats, muito diversificados e ainda assim ele mantém a sua identidade e a solidez das ideias, com as rimas atravessando várias texturas diferentes, e ele soube aproveitar muito bem cada beat, escrevendo aquilo que tinha que ser dito em cada um deles. Matéria Prima não perde a linha, é parte de uma geração de MC’s onde a prioridade era construir uma identidade artística forte, e nesse disco ele reafirma a qualidade que possui e mostrando que sua arte ainda tem muito o que dizer daqui pra frente.
“Ouvir “VisÃo” é´´ verificar com a membrana timpânica um universo pessoal, indivisível, ´`Unico e intransferível. Aliado de uma sonoridade moderna, o MatÉEria Prima deixa bastAnte espaço parA a entrada do ouvinte dentro do cenário que ele mesmo cRRRiou.
As criaç~~oes dos produtores e vozes dos cantores participantes trazem magma ao ÁÀlbum e não estão ali para preencher vácuos. OOs arranjos dos vocais esTTão muito bem cantados, AAs linhas, que na maioria das vezes sÃ~~ao mais diretas, são extremamente construtivas, abraçam, com seu olhar maduro, mas que traz consigo um frescor de certos NNNovos tempos (e já há um tempo).
As influe^ncias diretas e indiretas do VapoRRRwave, do Boomtrap, do EExperimental e com algumas pinceladas do Techno, tornam esse disco a experiência da biodiversidadE, é a experiência encaminhada pela experiência. ESSPero un diA poder SSSEntir estE disco doutrAs formas, seja em apresentAÇ^^OEs, filmes, o que SUBIR, Belo DDDisco!”.
O disco é Uma obra prima, com uma produção musical sutil e muito bem elaborada, do tipo “menos é mais”, com linhas de baixo perfeitas e samples e harmonizações precisas, com timbragens e instrumentos muito bem escolhidos. As influencias parecem ser muitas, mas não perdem o diálogo entre as faixas, que poderiam facilmente, cada uma, entrar numa classificação musical, mas todas regidas por Neo Soul, Funk, Disco, R&B, perfeitamente criadas como Rap.
As rimas e as letras são muito boas, inteligentes e instigantes, com flows diversificados que te situam no espaço-tempo, contemporâneo e futurista, atualizado e informado, maduro, vívido, (tanto o anfitrião quanto os convidados), e tratam dos assuntos de uma forma clara, sem enrolação e ao mesmo tempo de forma complexa – com riqueza de detalhes (o que leva o ouvinte a se identificar com as narrativas), incluindo melodias vocais muito agradáveis, o que não torna o disco repetitivo, pelo contrário… (são 18 faixas, e mesmo de fosse dividido em 3 capítulos, bateria certo da mesma forma), e te leva a ouvir todo.
Gosto de discos que parecem filmes. Este disco é um destes casos.
“Sobre o disco visão do matéria prima preciso dizer que o trampo me levou, sim, eu fui guiada por cada faixa, entrando e sentindo as vivências descritas e expostas em ritmo e poesia, amor, esperança, dedo na ferida…
Desde a primeira música que me chamou bastante atenção diante do ano que vivenciamos, é necessário ter essa satisfação, pelo que passamos e por ainda estarmos aqui… Como ele mesmo diz: ” …Com satisfação…”
O que me marcou neste disco do Matéria é a facilidade que o artista tem para trafegar entre diferentes estilos de beats, numa vibe cheia de personalidade. O mano consegue representar seus sonhos, conflitos e batalhas em instrumentais nascidos para serem aceitos pela maioria dos ouvintes, mas sem aquela apelação pop que coloca um rótulo e uma data de validade. Viajando entre raps que trazem peso e utilizando com intimidade as camadas do neo soul, este álbum representa o hoje em diversos sentidos. O que ficou mais evidente pra mim é esta relação -que nunca é harmoniosa- entre ser parte da cultura de rua e dar um passo para algo mais palatável para a cultura de mercado.
-Visão (2020) do Matéria Prima sob outros olhares
Por Danilo Cruz