Será o fim da Underismo após 7 anos intensos de um grupo que em pouco tempo fez muita história? Acreditamos que sim, será?!
“Underismo é a peça é o pixo é a rua é a maloca é o bicho” Pretxs Chave
Há um embotamento geral no que se refere às vidas negras em nosso país, em todas as suas dimensões, que impede de nos fazer perceber quantas mortes nos são impostas. Conceber vidas entendendo o quanto corpos negros jovens, velhos e crianças guardam uma das ancestralidades mais potente em nosso país, nos parece cada vez mais díficil no que tange a percepção de um “público” rendido aos aparelhos de captura subjetiva do capitalismo branco e colonial em que vivemos no Brasil.
Dito isso, o Underismo nos parece que chegou ao fim e me coloquei na missão de pensar isso. Logo eu, que tinha no grupo uma coletividade que me impulsionava diariamente a seguir lutando e resistindo; pois a Underismo foi o grupo que expressou e guardou todas as aspirações que eu tenho no que tange a jovens negros fazendo arte. Underismo foi – e é doloroso colocar esse verbo – um grupo que reuniu 8 jovens negros que são – e continuarão a ser – heróis para mim, um jovem senhor de 42 anos. O que poderia parecer estranho se não se levar em conta alguns aspectos fundamentais que o grupo reunia e expressava.
Fundados a partir da ideia de Senpa de reunir um time dos sonhos de jovens negros no rap baiano, que comungassem da mesma visão estética. O Underismo de algum modo se tornou para mim uma história em quadrinhos, o meu supergrupo de rap. sempre uma narrativa em vias de se tornar uma revolução. E neste sentido, com toda a certeza, Senpai conseguiu fazer como poucos uma reunião que fortaleceu a história do rap baiano, apresentando sempre trabalhos de extrema qualidade, se diferenciando de tudo que existia e existe hoje no rap nacional.
Inicialmente formado por Ponci, Kolx, Trevo, Ares, Alfa, Senpai, DJ Moura, Nobru e depois incorporando Dubzoro, o grupo durou 6 anos (?) de trabalhos na pista sempre levando toda e qualquer pessoa que estivesse viva e desperta em seus lançamentos e apresentações a perceber o tamanho de seu valor. Incorporando um espírito ingovernável, brilhante, gastação, bonitos e sobretudo com talentos raros, os caras conseguiam reunir virtualmente quase todos ou todos os aspectos de potencialidade artística que jovens negros carregam no rap contemporâneo.
Dentro de um mercado de artistas fake e vinculados à moda do momento, Underismo sempre estivere na visão onde a cultura de rua, o Hip-Hop era a direção através de uma sujeira absurda e poucas vezes vistas em Salvador de modo tão completo. A ignorância não nos permite ver que a Underismo foi o que o S.A.N. não chegaram a ser, um coletivo pesado de rap, com excelentes músicos mas que não conseguiu gravar discos, clipes, etc. O que OQuadro chegou a fazer em seus mais de 20 anos de carreira…
A única vez que chorei em um show de rap foi vendo Trevo andando com uma bicicleta de criança e Kolx com uma bicicleta grande, e eu não estava nem bêbado (informação importante). Aquela figuração ao vivo de “Pega Pá Capá” era a materialização cênica de tudo que como professor de escola pública em Salvador eu vejo:
“Mano um playboy da Pituba branco me chamou para uma corrida, ele me disse que não tinha largada e nem chegada definida”
É tristemente curioso, pois desafio qualquer um a me amostrar um grupo negro de jovens que em seus trabalhos solo sejam tão impactantes quanto o que esses caras lançaram até hoje. E pior ainda, quantos grupos jovens negros reuniram talentos tão diversos? kolx, Trevo, Alfa, Senpa, Ares, que lançaram trampos que se você não os conhece como Underismo não imaginariam que eles trabalhavam musicalmente juntos.
Em nossa sociedade a vida e os potenciais de jovens negros são sempre e todas as vezes minados pelo projeto de supremacismo branco. A música e o viver são a mesma coisa, porém a Indústria Cultural nos leva enquanto sociedade a receber a arte em termos meramente de talentos artísticos, sociais e emocionais. E é aqui que a coisa degringola, pois não se trata de talento mas de ter condições de chegar e se manter diante de um público que geralmente só consegue ver a arte de modo superficial, o que em se tratando de jovens negros em geral não dá certo.
Não se trata de condescendência mas de um entendimento de que artistas negros, homens negros são sempre preteridos, impedidos, cancelados, mortos em seus sonhos. Para ficarmos na música deveríamos nos perguntar: Quantos grupos negros de música seguem vivendo de música após 10 anos de carreira? E no rap? É fato que a convivência de grupo é sempre um desafio mas entre grupos negros existem muitos problemas a serem superados para que se consiga colocar um trabalho para frente. Problemas emocionais e psicológicos, junto a necessidade de se manter, terminam sendo um imenso impecílio. Em tempos de rede social e com uma indústria cultural supremacista branca isso se torna um desafio pior ainda!
A corrida é sempre desigual e por mais talentoso que se seja, em nosso país o “cancelamento” está logo ali. No caso do Underismo diversos problemas pessoais de seus componentes implodiram o grupo por dentro, o grupo acabou, mas até onde sabemos os caras não brigaram pessoalmente, e pelo que parece decidiram encerrar as atividades coletivas. O grupo que estava sendo composto por Alfa, Dubzoro, DJ Moura, Senpa e já tinha um disco muito bom cozinhado, decidiram manter a amizade e acabar o coletivo. Isso é o que presumimos, porém o disco dos caras foi vazado!
Recentemente, o disco que estava sendo preparado foi vazado no soundcloud e fica explícito ali que esse disco não concluído é uma das melhores, mais inovadoras e pesadas produções do que foi lançado no ano passado – quando já estava pronto – e do que será lançado neste ano. É um fato, indiscutível que esse vazamento revela o nível muito acima do grupo, nesta altura (trabalho) contando com todos menos Ponciano. É triste, é imensamente triste que esse não seja um trabalho oficial… Não há paralelos para esse trabalho no cenário nacional!
Se por um lado será muito triste ver o fim de um grupo de jovens de excelência negra provenientes não da classe média, mas de diversas favelas de Salcity e inclusive do interior do estado. Por outro lado, sabemos que eles seguem produzindo e conduzindo suas vidas, e sabemos que enquanto há vida, há possibilidades de que outras coisas surjam. Eu acho que perdi meus meninos bons juntos, não chegarei a ver a sujeira no boombap, no trap, no grime ser expandida em coletivo e em trabalhos solos ao mesmo tempo, que seria o ideal. Mas pelo menos, verei eles lançando trampos solo… E torcerei igualmente.
Enquanto isso, vou aqui chorar um pouco mais, pois meu QUASE Wu Tang Clan acabou!
-Underismo foi o grupo que eu mais amei no rap baiano? Pena que acabou?
Por Danilo Cruz
https://soundcloud.com/arquivoancestral/sets/underismo-primeira-capital