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Comprando “ouro” cor sangue e vendendo feats em dólares, Uma reflexão a partir de Don L

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Partindo do último disco lançado por Don L, Paula Ana produz uma reflexão sobre o consumismo atual alimentado hoje no rap nacional!

 

 

A fome do ouro que lhes brilha

​Tem litros de sangue em cada grama

​Em cada quilo um extermínio

​Um rio que se contamina, uma mata em chamas”

 

Em seu último disco RPA (Vol.2), Don L critica veementemente a extração mineral predatória, o saque capitalista do ouro e o fetiche pelo consumo dessas riquezas. No mínimo suas críticas abrem caminho para uma reflexão sobre o consumismo, a ostentação; ouvidas várias vezes, abrem caminhos para pensarmos sobre o genocídio dos povos indígenas, a destruição ambiental, o capitalismo dependente, e tantos outros temas que se transversam. Papo de seriedade e profundidade de oceanos. 

Em entrevista para o Revolushow, Don revela que no disco utiliza elementos de “sedução” em sua escrita para ganhar a atenção de quem o ouve – assim ele constrói RPA2 com elementos de agitação, como a fala de um pastor, várias referências à armas de fogo e a fome do ouro. 

Agitação é um momento de sedução, para marxistas-leninistas “falar pouco para muitos”, atiçando a revolta e a consciência é um passo fundamental para provocar o povo em direção à revolução. Em seu disco, o MC cearense fala em tomar todo o ouro que precisa, cobrar o quinto e em “auri sacra fames”, Don L agita uma comunidade inteira (público de rap) que tem se encantado pelo ouro. O artista agita uma comunidade inteira (público de rap) que tem se encantado pelo que não possui, seduzidos pelo fetiche da mercadoria. 

Há muitos anos o Hip Hop enquanto movimento tem perdido espaço para os rappers/público que preferem espairecer na recreação e no mundo do desejo subjugado pelo capitalismo. Como é isso? Cantar as realidades (sobretudo as ruins) concorre (e perde feio) para cantar as ambições, para projeções pobres de uma riqueza projetada. Certo dia eu lembrei que mainha dizia quando eu tava viajando, que eu tava vendo muito filme de ficção, hoje em dia eu digo que as crianças estão vendo muito clipe de trap. 

A agitação de Don L leva a algum lugar no pós-sedução, e esse é o meu ponto preferido desse caminho: em camadas mais profundas, ele diz que a gente não precisa trilhar em marcha-ré. que há um futuro-primavera que só pode ser construído no presente-luta. Então, não quero dizer que temos que “voltar atrás” ao puro e intocável “rap de mensagem”; mas também acredito que enquanto movimento, não devemos aceitar retroceder nossa consciência – aquela que o Hip Hop construiu e que fundamenta sua existência – e apertar as mãos dos inimigos do nosso povo. Pois, nós temos responsabilidades individuais e coletivas quando estamos em um “movimento”, por isso o Rap anda tão individual e fragmentado, pouca gente quer assumir esse b.o.  

Nas últimas semanas, temos visto alguns posicionamentos de expoentes do rap que geraram assunto, criaram burburinho nas redes sociais. Um falava sobre a suposta imposição do uso de marcas caras por favelados, mesmo a contra-gosto dessas marcas (aqui). O outro falava sobre cachês exorbitantes (“vitória da cena”) e feats vendidos em dólar (aqui). 

Antes de chegar nesses assuntos, vale lembrar que esse texto foi motivado também pela entrevista do Galo de Luta no podpah, onde ele fala que muitas vezes o que nos motiva a consumir coisas caras e inacessíveis, nos rebelar e até mesmo fazer algumas besteiras para conseguir esses produtos, é a vontade de ser visto. Sair das zonas de invisibilidade, do não-ser, da desumanização. caberia aqui um diálogo com Fanon, né? O cara fala muito bem sobre isso. 

Outra puta contribuição de Fanon é acender em nós a consciência de que precisamos quebrar as máscaras brancas, e é por isso que me incomodo tanto com essas falas problemáticas. Pra mim isso é papo de branco.

Me refiro aqui ao branco, mas não cristalizando ou individualizando as coisas. Antes, ao padrão imposto e representado pelo Branco = ser universal, branco = modelo de ser social, branco = ideal de sociabilidade. Falei 3 vezes a mesma coisa pra não deixar passar batido, não são necessariamente as pessoas brancas, mas sim o modelo branco /cristão/patriarcal/capitalista/ que é vendido como científico e inquestionável quando na verdade é puro suco de ideologia – reforça e é reforçado pelas relações de trabalho capitalistas (que não nasceram com o mundo e que NÃO são eternas – são históricas). Tenho exercitado falar em moralidade burguesa de outras formas, para fritar minha mente e bater cabeça com a galera que costuma resumir demais a questão. 

Falo em um monólogo que escrevi que seremos impedidos de destruir esse “branco” se continuarmos a imitar seus vícios, admirarmos sua mediocridade e importarmos suas ambições. (falo com outras palavras). 

Don l fala sobre trilhar uma nova trilha, demais comunistas falam tanto de um mundo novo. “ah Paula, mas esse mundo aí tá tão distante, enquanto isso nós precisamos disputar o consumo desse ouro”. eeeeeeeeeu mesma não, me poupe. Eu bem vejo aí uma galera querendo se tornar Filipe Ret e se frustrando pq não consegue reconhecimento do seu trampo e porque nem todos conseguem ficar ricos vendendo quentinhas.

Eu bem vejo aí uma galera pagando de pá porque tem uma corrente brilhante no pescoço e alimentando vários cretinismos e hipocrisias. Eu vejo também um pessoal se matando no telemarketing para dividir uma Lacoste no cartão, e ela nunca recusa. Eu vejo trabalho escravo no interior de várias marcas. eu vejo meus primos indo embora enquanto canadenses extraem toneladas de ouro em minha cidade. Eu vejo o quanto o garimpo está matando populações indígenas.

Não é que eu seja uma visionária não, eu sei que todo mundo vê. Só que a gente quer sentir outras coisas. é a parada do ser notado, né?

Don L propõe que a gente seja notado de verdade, note o mundo (e a nós mesmos) além da alienação. Repare as estações. Eu não sei até que dia vamos ver graça em imitar o branco. Eu quero que essa ideia liberal de favela venceu perca a graça, a vontade insaciável de voltarmos da vitória triunfando – não ostentando, em uma conquista coletivizada. 

Talvez aqui já entendam onde eu quero chegar com essa escrita, e se já entenderam, então eu já cheguei onde queria. É sobre isso. é sobre mais uma vez dizer que eu odeio o que nos tornaram, mas sei que vamos recomeçar. 

-Comprando “ouro” cor sangue e vendendo feats em dólares, Uma reflexão a partir de Don L

Por Paula Ana

(Paula Ana, de Teofilândia/BA, de Feira de Santana/BA, MC e formada em História. Aprendendo a escrever o que aprendo.)

 

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