Uma breve conversa com Maria Esmeralda, um dos discos mais relevantes de 2024!

Maria Esmeralda é um disco criado por um quinteto mágico: Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo e iloveyoulangelo, a quem tivemos o prazer de entrevistar, confira

Maria Esmeralda
Arte da capa feita por Lia Ballak

No contexto atual das redes sociais, dos streamings e das mídias especializadas do rap, um disco como Maria Esmeralda não estar recebendo a devida atenção é algo muito sintomático. Enquanto o underground do rap nacional lança com imensa qualidade estética, quase tudo o que está na superfície e recebe visibilidade remete aos piores clichês e a formas de produção e construção poéticas que são cópias de cópias. 

Um álbum como Maria Esmeralda, fruto da colaboração de 5 artistas que são:  Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo e iloveyoulangelo, deveria ser recebido com entusiasmo pelo ecossitema musical nacional, especialmente do rap, porém isso hoje é arriscado. Se se eleva um trabalho como esse a visibilidade que ele merece, coloca-se em risco, desde os nomes hypados, o público preguiçoso e grande parte da mídia acostumada a replicar release e publicar fofoca. 

Como um disco conceitual, muito diferente do que marketeiros, assessores de imprensa, influencers e artistas falidos esteticamente querem vender, Maria Esmeralda possui de fato uma construção musical, sonora e lírica, inserts narrativos, domínio técnico sobre o material que juntos remetem a um conceito forte. Trabalhando em diversos níveis influências que perpassam pelo cinema marginal, pelo audiovisual nacional das novelas, a MPB e sonoridades mais modernas do trap, do boombap mas também da eletrônica.

As participações presentes no disco estão organicamente assentadas em uma colaboração que só concorre para o crescimento do projeto, e não para um chamamento de atenção para o trabalho. Nomes como Maria Medalha, Don Cesão, RUBI, tchelo rodrigues, Servo e Quiriku trabalham mas também são trabalhados pela Maria Esmeralda, obviamente como autores, mas também como instrumentos, com a permanência da singularidade de suas rimas e flows mas também com a diluição destas em prol da narrativa. 

Antes de resenhar o disco que desde da primeira audição pegou este que vos escreve, era importante conversar com a rapaziada a fim de entender alguns pormenores que não estavam presentes no release. Acionei o CEO do selo que lançou essa pedrada, Sujoground – Matheus Coringa – para ver a possibilidade de entrevistar os caras, e o atual diplomata dos bueiros fez a ponte. O resultado da nossa conversa você vê abaixo:  

Oganpazan – Aqui nós temos 5 autores/participantes do Maria Esmeralda, assim como no release está dito que foram esses 5 que pensaram o álbum, porque no youtube e nos outros streamings só consta o Thalin, VCR e Cravinhos?

Maria Esmeralda – Isso infelizmente só aconteceu porque as plataformas de streaming não permitem mais de 3 artistas principais, se não o álbum entraria como “Vários Intérpretes”. O esquema dessas plataformas é um lixo e tem que mudar, sempre foi essa merda. 

Optamos por colocar Thalin, VCR Slim e Cravinhos porque foram os 3 que participaram efetivamente de mais faixas, embora iloveyoulangelo e Pirlo também são cabeças do projeto todo. Ainda estamos tentando achar uma forma nas plataformas de streaming que deixe nítida a participação de todos.

Oganpazan – Como vocês 5 se conheceram e de onde vocês são?

Maria Esmeralda – VCR Slim, Thalin e Cravinhos são de São Paulo. Pirlo é de Ipameri em Goias e iloveyoulangelo de Uberlândia, interior de Minas Gerais. Cravinhos conheceu Pirlo na faculdade de produção musical, Thalin e VCR Slim se conhecem desde os tempos de escola e iloveyoulangelo e Pirlo são amigos de longa data. Os 5 foram se encontrar de fato por causa do estúdio Base Company, estúdio que o Pirlo é um dos sócios e que acabou ocasionando o encontro de todos.

Oganpazan – Como nasceu a ideia de fazer esse disco ?

Maria Esmeralda – Tudo começou em uma sessão que Cravinhos, iloveyoulangelo, Pirlo e Thalin ficaram presos no estúdio Base Company. Nesse dia foram obrigados a passar a madrugada inteira produzindo, até que surgiu a faixa “Lince” que foi lançada no Youtube com clipe no mesmo dia. Gostaram tanto do resultado que resolveram fazer mais uma sessão e mais faixas juntos e chamaram o VCR Slim pra somar no projeto, que ainda era indefinido. Conforme algumas outras faixas foram surgindo, os 5 viram que tinham um álbum em potencial, que uma sonoridade e um conceito estava se desenhando com muita singularidade e que as faixas que tinham feito se conversavam muito entre si, tanto na beat quanto na letra. 

Os 5 pensaram juntos o conceito “norteador” que iam seguir a partir dali e pensaram na história de uma personagem fictícia, mas que se relacionava com a vida de todos, essa personagem mais tarde veio a se tornar Maria Esmeralda.

Oganpazan – Dentro desse coletivo – os 5 artistas – como ocorreu a estruturação do disco? O release informa que a ideia nasceu dos 5, mas como e quem foi o responsável pela ordem final ?

Maria Esmeralda – Pelo incrível que pareça, todas as decisões desse disco foram feitas pelo 5 em consenso.

Oganpazan – Como e porque ocorreu a aproximação com a Maria Medalha, um importantíssimo nome da nossa música, mas muito pouco conhecida das novas gerações?

Maria Esmeralda – O primeiro contato com o trabalho da Marília, surgiu através do Langelo, que apresentou as músicas dela pra gente. O pai de Thalin é curador de um pequeno teatro na zona sul de São Paulo com pouco mais de 40 lugares. Um dia Marília Medalha apareceu na plateia para assistir um show, e o pai de Thalin muito animado contou pra ele. Thalin então foi atrás de descobrir quem a chamou para o show, ao descobrir pediu pelo contato da Marília que gentilmente lhe foi passado. Então Thalin ligou para ela, explicou todo o projeto do Maria Esmeralda e ela ficou super feliz e animada e chamou os cinco integrantes para ir a sua casa.

Na casa de Marília ela falou sobre sua história, sobre o quão importante foi pra ela saber que a nova geração escuta suas músicas, como a arte dela ainda é lembrada e relevante para muitas pessoas. Marília contou também a história de sua falecida irmã Marly Medalha, poeta, e mostrou diversos trabalhos da irmã. Um dos trabalhos se chamava “Lúdica” e ao lerem o poema, ficaram maravilhados com a semelhança com a história de Maria Esmeralda. Marília então muito emocionada gravou o poema da irmã, surgindo assim a introdução do Maria Esmeralda.

Oganpazan – O convite aos MC’s e ao Don Cesão como e porque ocorreu? Digo, quais os motivos para os MC’s convidados participarem?

Maria Esmeralda – As participações do álbum são uma parte essencial da obra. É normal pessoas fazerem participações em álbuns apenas por uma obrigação, ou só pra cumprir tabela, mas felizmente todas as participações do Maria Esmeralda entenderam perfeitamente o que era o projeto e deram o melhor de si nas letras e no flow, literalmente todas as pessoas que participaram. 

O primeiro artista que foi chamado foi o Servo. Cravinhos conheceu ele no Instagram e logo postaram colaborações juntos na rede. Servo, que é do Rio de Janeiro, chegou a vir para São Paulo gravar voz no home studio de Cravinhos, até que o convite foi feito. Ele já vinha rimando em boombap e drumless a anos e ele se identificou muito com o projeto, tanto que é a única pessoa, sem ser o Thalin, que rima em mais de uma faixa do álbum. “Judas Beijoqueiro” inclusive é uma letra e conceito dele, que ele liberou para usarem no disco, um dos se não o melhor letrista da geração, tinha que estar no projeto. 

A segunda pessoa que chamaram foi o Doncesão. Thalin o conheceu anos atrás quando Cesão o chamou para participar de uma mixtape, nesse dia Thalin conheceu yung vegan também e manteve contato até hoje. Todos eram muito fãs do Doncesão, principalmente do seu álbum com Jamés Ventura e EI Lif Beatz “Caça Níqueis” que de certa forma conversa muito com o Maria Esmeralda. Cesão foi no estúdio pra gravar já dizendo que não escrevia nada fazia muito tempo, mas depois de uma hora sozinho na sala ele entregou um dos melhores versos que eles já ouviram. Ele inclusive chegou a dizer que essa é uma das suas últimas faixas como Doncesão, mas não se pode afirmar nada.

Maria Esmeralda
RUBI, uma jovem de muito talento que brilha em sua participação!

Quando VCR Slim mandou a batida de “Boca de Ouro” os cinco já sabiam que aquela beat era pra RUBI rimar, inclusive essa foi a única faixa do álbum que o nome da música foi escolhido antes da gravação dos versos. Boca de Ouro tinha que falar sobre a raiva de Maria Esmeralda e de sua vingança contra aquele que a feriu: arrancar seus dentes de ouro. RUBI é parceira de anos dos meninos, já lançou um álbum em parceria com o Thalin chamado “BLONDGYALS” entre outros projetos. Ela nunca tinha rimado em um boombap até então, mas quando começou a rimar na batida de VCR Slim parecia que ela fazia isso a anos. E agora? Quem poderia rimar na faixa com ela? Quem poderia bater de frente com aqueles versos, aquela malandragem, aquela malícia? Yung vegan era o nome que todos tinham pensado. Vegan inclusive já havia dito o seu desejo de trabalhar com RUBI e quando veio o convite aceitou na hora e entregou o inesperado que todos esperam de yung vegan.

Pirlo e iloveyoulangelo fazem parte de um estúdio chamado Base Company, estúdio esse que gravaram parte do Maria Esmeralda. No estúdio eles trabalham com artistas de diversas vertentes, mas apenas em 2022 que começaram a trabalhar com artistas do trap, entre eles: tchelo rodrigues. Tchelo é outro artista do álbum que nunca havia rimado em um boombap, mas sempre que estavam no estúdio com ele ficavam boquiabertos com seu talento e versatilidade. Ele aceitou o desafio e tirou de letra sem desperdiçar uma linha sequer.

Servo já havia gravado uma faixa e agora precisavam gravar “Judas Beijoqueiro”, mas sentiam que precisava de mais alguém na faixa. Quiriku foi o nome que veio à cabeça, assim como RUBI é parceiro dos meninos há anos e já trabalhou com Thalin em outros projetos. Quiriku já tinha seu trabalho com boombap e era a voz que faltava para complementar os versos do Servo naquela faixa.

Maria Esmeralda
Maria Medalha, uma das grandes vozes da MPB, que está presente no disco!

Por mais irônico que seja, a última participação do álbum foi a que fez a introdução. Marília Medalha foi o último nome a entrar no barco, mas foi a cereja do bolo. Nunca nenhum dos cinco imaginaram que era possível ter uma lenda da música brasileira coroando o projeto, mas aconteceu e foi, talvez, a maior honra que os cinco poderiam ter, para juntar de vez o antigo com o novo, a MPB com o boombap, o jazz com o drumless, Maria Esmeralda com Marília Medalha.

Oganpazan – A ideia do disco é anterior a Sujoground? Como se deu a aproximação dos artistas e do disco com o selo?

Maria Esmeralda – Quem fez a aproximação com a Sujosground foi Thalin, que já gostava muito do trabalho do Matheus Coringa desde 2017. No final de 2023 Coringa seguiu Thalin no Instagram e uma semana depois os dois se encontraram no meio do bate cabeça do show do Freddie Gibbs no Sesc Santo André. No natal Thalin mandou o Maria Esmeralda já masterizado pro Coringa, sabendo que ele tinha acabado de criar a Sujosground, na terceira faixa o convite já foi feito para distribuírem pela Sujo. Os outros 4 integrantes ficaram muito empolgados também com o convite após a primeira reunião com o Coringa. No final o selo fez mais que a distribuição e se envolveu intensamente na assessoria, audição e em planos futuros como shows, vinil, entre outras coisas que a parceira pretende concretizar.

-Leia sobre o Matheus Coringa no Oganpazan

Oganpazan – Hoje é cada vez mais raro, um disco coletivo, onde você tem um grupo ou um coletivo de artistas trabalhando. Vocês pretendem fazer mais coisas juntos com essa mesma formação?

Maria Esmeralda – Essa formação surgiu de maneira muito espontânea, juntando amigos que se conheceram através da música e que sempre que se encontraram para fazer música, o encontro de pessoas com suas particularidades criativas resultou no Maria Esmeralda. Como de praxe, possivelmente iremos trabalhar em algum outro projeto pós Maria Esmeralda, ainda não temos nada definido ou pensado, estamos curtindo o lançamento do Maria e entendendo todo esse processo, mas sempre tem a possibilidade de sair alguma coisa quando a gente se encontra. 

Oganpazan – Como tem sido a resposta do público do Rap e da Cultura Hip-Hop e da mídia a esse trabalho e independente da resposta (Boa ou Ruim), a que vocês remetem isso? ou seja, o porque da resposta que vocês estão recebendo.

Maria Esmeralda – Ficamos muito surpresos com o retorno que tivemos depois do lançamento, por mais que existisse a ideia de que fosse dar certo na nossa mente, a gente foi surpreendido com os resultados. O projeto foi muito bem reverberado e conseguiu atingir pessoas de outros nichos fora do cenário do Rap, muito pela estética e conceito do álbum e também pelo excelente trabalho de assessoria que tivemos da Caroline Buzatto e da Andreia Pereira. A junção da obra com o trabalho de assessoria e todo suporte dado pela Sujoground foram essenciais para todo esse retorno que estamos tendo. É de fato reflexo de um trabalho muito bem feito.

Oganpazan – Existe alguma chance desse trabalho sair em formato físico, CD, K7, vinil? Vocês acreditam que é importante ele sair em mídia física também?

Maria Esmeralda – É de comum acordo entre nós que o Maria Esmeralda precisa sair em mídia física, muito pela estética do álbum e todo esse conceito de ser uma parada atemporal, acho que é necessário que tenhamos alguma coisa em formato físico, acho que temos esse saudosismo pela mídia física. Já estamos pesquisando  e discutindo qual será a melhor maneira de tornar o Maria em mídia física, mas é algo que com certeza vamos trazer

Oganpazan – Existem alguns teasers do projeto, vai sair mais alguma coisa em audiovisual?


Maria Esmeralda – Desde quando começamos a criar o disco, o Cinema Marginal sempre foi uma grande inspiração pela sua relação crua com o urbanismo, e agora com o disco lançado os visuais serão pensados e desenvolvidos em cima dessa estética, não existirá um clipe simplesmente por existir, ele tem que fazer sentido com a história que contamos no disco.

-Uma breve conversa com Maria Esmeralda, um dos discos mais relevantes de 2024!

Por Danilo Cruz 

 

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